NASCENDO E MORRENDO COM BENJAMIN BUTTON



Fui ver O curioso caso de Benjamin Button, que recentemente ganhou três Oscars: direção de arte, efeitos especiais e maquiagem. Fui ao cinema sem aquela expectativa de ver uma transposição fiel do conto do escritor americano Scott Fitztgerald. Sou um cinéfilo já calejado pelas adaptações medíocres e pelos delírios de alguns diretores. O Benjamin de David Fincher (Clube da Luta, Seven, Zodíaco) no entanto, é um bom filme. Não me fez bocejar, nem ter ânsia de vômito e nem vontade de sair correndo da sala de exibição.

Para quem não o assistiu ou para os que têm intenção de  – em breve ele estará nas locadoras – é importante dar um aviso: o filme nada, ou quase nada, tem a ver com a história original, publicada na década de 1920. Só duas coisas nos remetem ao conto: o nome do personagem e o seu curioso "desenvelhecimento": nasce com aparência de septuagenário e faz uma trajetória inversa, morrendo bebê.  Os demais personagens foram criados, assim como lugares, cenas, situações. Acho que nem deveria ter sido usado o mesmo título da história de Scott. Eu a li muito, muito tempo atrás, numa coletânea chamada 6 contos da era do jazz, lançada pela L&PM, editora gaúcha. Esta edição traz um interessante artigo de um dos melhores tradutores do Brasil: Brenno Silveira, filho da escritora paulista Dinah Silveira de Queiroz. Aproveitando o sucesso do filme, atualmente pode-se encontrar até Benjamin em quadrinhos, lançado pela Ediouro e com aquarelas do ilustrador americano Kevin Cornell.

Depois da sessão de cinema e de volta para casa, fui ler as críticas on-line sobre a produção. Li umas dezenas, nacionais e estrangeiras. Umas superficiais, outras apenas com dados técnicos, algumas engraçadas – recém-formados em jornalismo se achando o máximo. Numa dessas últimas, alguém adicionou o seguinte comentário: a crítica de cinema morreu, assim como a literária.

Rezemos, pois, para elas. Eu já rezo e peço salvação. Amém.

Mas o Benjamin Button de Fincher me fez pensar sobre o longuíssimo casamento que existe entre a literatura e o cinema. Desde o cinema mudo, lá estão os livros inspirando diretores e roteiristas. A lista de autores que foram pras telonas é infindável: Agatha Christie, D.H. Lawrence, Dostoevsky, Eça, Faulkner, Flaubert, George Orwell, Hemingway, Moravia, Patricia Highsmit, Proust, Puig, Shakespeare, Virginia Woolf, Zola, Yukio Mishima etc etc. Isto sem mencionar os autores chamado de "menores", que nunca ganharam um Nobel, um Goncourt ou Pulitzer.  No Brasil a lista também é bem longa. Já viraram filmes obras de Clarice Lispector, Fernando Sabino, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, José de Alencar, Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Mário de Andrade, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, entre outros. O cinema sobreviveria sem a literatura? Claro que sim. Só que os roteiristas teriam menos fontes de inspiração.

E os de Benjamin Button – Eric Roth, que escreveu Forrest Gump, e Robin Swicord, do excelente Memórias de uma gueixa – estão de parabéns por uma coisa: refizeram uma história, recriaram um personagem, é como se a idéia original de Scott jamais tivesse existido. (Aliás, a idéia do escritor foi baseada na frase de outro escritor, Mark Twain: A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18). Por isso não vejo motivos para se torcer o nariz e dizer: eles não foram fieis à história original. Não falemos em fidelidade. O termo exato é recriação.

No conto o protagonista não foi adotado por uma família negra, nunca teve uma filha, nunca conheceu uma tal de Daisy (a Daisy é nome de um personagem de O Grande Gatsby) e seu pai nunca teve uma fábrica de botões. (Button em inglês significa botão. Levaram o trocadilho ao pé da letra e ficou horrível). Ah, e outra coisa: a história não se passa em Nova Orleans, e sim em Baltimore. E por que mudaram até o local? Coisa dos orçamentos hollywoodianos, caro leitor. A prefeitura de Nova Orleans ofereceu atraentes incentivos fiscais para a produção do filme, caso ele fosse rodado na cidade. Não é à toa que de quebra o furacão Katrina também faz parte do elenco.

Algumas pessoas se dividiram sobre a atuação de Brad Pitt. Eu particularmente não acho que ele fez uma interpretação magistral. Até coisas da sua pré-história como ator – O príncipe das sombras, por exemplo – me parecem melhores. Porém é difícil a gente procurar ali algum vestígio de Lawrence Olivier, pois independentemente do espectador apreciar homens ou mulheres, o maior mérito de Brad é sua esplendorosa beleza física. Antes dele, em momentos diferentes, John Travolta e Tom Cruise já tinham sido cogitados para fazer Benjamin Button. Façam suas ponderações: qual seria o melhor?

Fiquei atento aos sotaques no filme e a mesma atenção teve o crítico da revista americana Newsweek. Em sua resenha ele diz que a narração em off de Brad tem um lazy Southern accent – um preguiçoso acento sulista. Forrest Gump também tinha essa coisa arrastada na voz de Tom Hanks. Lembram?

Cate Blanchett (Elizabeth: a Idade de Ouro, O senhor dos anéis) e Tilda Swinton (As crônicas de Nárnia, Constantine)  dispensam maiores comentários. Tilda, com seu jeito meio alienígena – parece que ela está prestes a dizer: oi, sou da estrela Sirius e me disfarcei de atriz – e Blanchett fotografando e atuando como os áureos tempos da Hollywood da década de 40.  São figuras carismáticas, na altura de veteranas como Glenn Close e Meryl Streep.

No mais, este filme de David Fincher flui normalmente em suas duas horas e quarenta minutos de duração, atravessando em seu roteiro quase todo o século 20. Claro, existem tropeços como também existem tropeços no conto de Scott Fitzgerald. O personagem de Julia Ormond  – a filha de Daisy – é até certo ponto patético e dispensável. E no conto, a mãe de Benjamin é mencionada apenas uma ou duas vezes. E sua esposa? A morena Hildegarde  de repente some na narrativa como fumaça ao vento.

Não foi a primeira vez que uma das obras de Fitzgerald virou sétima arte. Ele mesmo trabalhou como roteirista em Hollywood por uns tempos. Seu romance mais famoso, O grande Gatsby, teve duas versões: uma em 1949, com Alan Ladd e Shirley Winters no elenco, e outra em 1974, com Mia Farrow e Robert Redford, levando dois Oscars: cenografia e trilha sonora. (Falam que uma terceira versão está a caminho, assinada por Baz Luhrmann, aquele australiano que dirigiu Moulin Rouge). Em 1962 Suave é a noite também foi levado às telas, tendo no seu cast as divas Jennifer Jones e Joan Fontaine.

Talvez a melhor adaptação esteja por vir. Seu livro meio autobiográfico Belos e malditos começa a ser transformado em filme este ano. Já foi rebatizado de Zelda. O personagem central será a Senhora Scott Fitzgerald, que também era escritora. Morreu num sanatório em 1948, depois de muitas farras, muitas brigas homéricas com o marido e crises de alcoolismo. Não sei se aqui podemos mencionar o tal clichê: a vida imita a arte. A dor, até certo ponto, transpõe os limites da estética e do entendimento.

O curioso caso de Benjamin Button.


Autor: Raimundo de Moraes


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