Pontos de Contado Entre a Concepção Cartesiana e a Concepção Agostiniana do Erro



A problemática da verdade e do erro já se faz presente na reflexão filosófica desde os seus primórdios. O grego Platão e o seu discípulo Aristóteles foram uns dos precursores a discorrerem sobre este assunto. Ambos comungavam da idéia de que o erro nada mais é do que a negação do que é ou a afirmação do que não é.

Mais tarde, na filosofia patrística latina, a questão do erro foi uma das mais intrigantes para os pensadores. Neste período, quando o cristianismo começava a ganhar o seu espaço, Deus era considerado o criador de todas as coisas. Sendo assim, seria Ele o autor do pecado cometido pelo homem? O criador do erro ou o possibilitador do engano? Aceitar estes posicionamentos seria o mesmo que colocar o Deus cristão como o culpado pelo mal praticado.

Um dos autores deste período que se propõe a dar um direcionamento a este questionamento é Santo Agostinho. Para o bispo de Hipona, a origem do erro (ou pecado) estaria no próprio homem. Pelo livre-arbítrio que possui, o homem opta pela maldade, ao invés de escolher a bondade. É a sua vontade pervertida que o leva ao erro, afastando-o de Deus que é o Sumo Bem, chamado também por Agostinho de Verdade eterna.

No início da Idade Moderna, o filósofo francês René Descartes também analisa a questão do erro, mais precisamente na Meditação Quarta. Tendo ele recebido formação jesuíta, é bem possível que na construção de seu pensamento tenha entrado em contato com o pensamento agostiniano. Tanto é verdade que há pontos de contato entre os dois pensadores, inclusive no que diz respeito ao erro.

No seu processo de busca de um conhecimento claro e distinto que o faria encontrar certezas, que para ele são verdades, o filósofo francês utiliza-se do método da dúvida. Neste caminho percebe rapidamente que naquilo que recebeu da tradição há muitos erros. Percebe ainda, que não é possível que seus sentidos lhe dêem um conhecimento verdadeiro, pois estes podem se enganar. Descartes busca, então, um fundamento que lhe possibilite um conhecimento verdadeiro que o afaste do engano.

Num primeiro momento se questiona se seria possível que Deus o enganasse. Se isto fosse verdade, se Deus realmente possibilitasse o erro ao homem, seria imperfeito. E isto é inconcebível para Descartes, bem como para Agostinho. Além do mais o Deus cartesiano sendo um Deus bondoso, não permitiria que o homem errasse sempre. Isto seria uma malícia de sua parte.

Ainda sem resposta para o problema apresentado, Descartes, que aproximando-se do pensamento de Agostinho considerava Deus criador de todas as coisas, acreditava que Ele concedeu ao homem a capacidade de julgar. Concedeu a ele igualmente a possibilidade de não falhar ao usar esta capacidade. Dessa forma, se Deus é o criador de todas as coisas e possibilitou que o homem não falhasse, onde estaria o erro? Será que o homem nunca poderia enganar-se?

Afirmar isto seria errôneo. O ser humano está sujeito o uma infinidade de erros, mas que não podem ser atribuídos a Deus. Sendo o homem a mediação entre o Criador e o nada, é perfeitamente possível que ele erre. A sua participação no nada, deixa-o exposto a uma infinidade de faltas, levando-o aos erros. A carência ontológica, já preconizada por Agostinho, marca a existência humana. O homem encontra-se diante de um dilema: é um nada em relação a Deus, ao mesmo tempo em que é um tudo em relação ao nada. Entendendo-se dessa maneira, o erro é uma carência que não provém de Deus, mas é uma incompletude do ser. O engano é uma privação de um conhecimento que o homem deveria ter, mas não o possui.

Remontando uma idéia já presente no pensamento de Agostinho, Descartes também defende que não se pode considerar uma única coisa como imperfeita sem antes se ter uma visão do todo. Às vezes quando uma determinada obra de Deus analisada é à parte, ela pode parecer imperfeita aos olhos de um indivíduo. Entretanto, pode fazer parte de um universo maior aonde passa a ser compreendida. Daí segue-se que o homem considera um mal, um erro, aquilo que é um bem, uma verdade.

Dando continuidade ao processo de busca da origem do erro desencadeado por Descartes, este constata que o erro está ligado a duas causas: à faculdade do conhecer (entendimento/intelecto) e ao livre-arbítrio (vontade). E é neste ponto em que ele consegue descobrir a causa do erro.

Se a vontade é dada por Deus, não é correto afirmar que ela é em si mesma a causa dos erros que os homens cometem. Ela é a faculdade que mais aproxima o homem de Deus e é o único lugar em que o homem possui liberdade. No entanto, o que faz com que o indivíduo peque é a perversão de sua vontade. Ao errar, o homem, por esta faculdade, escolhe o mal pelo bem, o falso pelo verdadeiro. O erro é, assim, uma escolha mal feita da vontade, que se assente sobre algo que não é claro e distinto.

Ao que se percebe a causa do erro em Descartes e Agostinho possui a mesma gênese: a perversão da vontade. É no mal uso do livre-arbítrio que se encontra o erro. E que distancia os dois pensadores é que o filósofo francês acredita que o erro está ligado à natureza humana. Dessa forma, Descartes isenta o homem de qualquer culpa caso venha a pecar. Em Agostinho, o erro aproxima-se mais do conhecimento de um não-conhecimento. Ele é um nada, um não-ser, não existe.

Para se livrar do erro os dois filósofos também possuem pensamentos distintos. Agostinho propõe que haja uma conformidade entre a vontade do homem e a vontade de Deus. A verdade só é alcançada em Deus. Já Descartes entende que o melhor a fazer para que se evite o engano é se abster de formular juízos sobre alguma coisa, quando não for possível concebê-la com clareza e distinção. Quando o homem utiliza bem o seu entendimento, submetendo sua vontade a ele, age corretamente. O entendimento precedendo a determinação da vontade é o caminho mais acertado para afastar-se do erro.

Enfim, a concepção agostiniana e a concepção cartesiana do erro possuem alguns pontos em comum. Há também elementos de divergência entre os dois, que inclusive se contrapõem um ao outro. Ainda assim, deve-se destacar a importância que estes dois autores deixaram para a posteridade com seus pensamentos, cada um a seu modo.


Autor: Philipe Fernandes Nogueira


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