Corra! Fuja da TV agora mesmo!



Isso mesmo. Corra. Fuja da frente da TV agora mesmo! Ela vai abduzir sua inteligência, radicar seus planos e sugar cruelmente seu tempo!

Tudo bem, o título é tão pragmático e apelativo quanto a estratégia dessa grande mídia. Mas já faz algum tempo eu tenho falado aos amigos sobre minha visão caótica – não nova nem diferente da de muitos outros - a respeito da TV e o incrível poder que ela tem de fabricar imbecis em massa.

Sim. Parece exagero, mas ainda que eu não precise, inicio esse texto de protesto e alerta com algumas frases de pessoas que partilham dessa indignação. Vejam.

Opinião de quem vê a TV sem máscaras, nua e cruel

"A TV é um entorpecimento físico e mental constante" - Professor Valdemar Setzer

"TV, a máquina de fazer doido' - Cronista Sérgio Porto

"TV, a mais fantástica máquina de imbecilização jamais criada" - Sociólogo Betinho

"A TV está formando gerações de débeis" - Waldo Frank

Não o advento da TV por si só é o vilão dos cidadãos ou carrasco de seus futuros, mas as organizações que dominam a direção de seus conteúdos. Essas sim, trazem em cada boa intenção, cada simples entretenimento o desejo obscuro de puro lucro, a qual custo seja.

Não que seja um absurdo total. Nem bebo aqui de fontes comunistas. O capitalismo move sim a economia, desde a indústria até as artes. E acho até que assim deve ser. Mas enquanto desfrutam as grandes de suas conquistas, por não dizer merecidas, a grande massa em sua imensa maioria se perde, se anestesia e vê os anos passarem sem terem feito suas histórias.

O poder da TV é incrível e percorre livre como galhos a crescer sem freios por conta de um poder dado por nós mesmos. Quem assistiu o obrigatório "Cidadão Kane – de Orson Welles" vê uma história que é tão próxima de ser verdade que bastaria trocarmos alguns nomes. Vale também assistir ao documentário produzido pela BBC de Londres em 1993 intitulado de "Muito Além de Cidadão Kane". Menos pela qualidade da produção, mais pelos fatos abordados, o documentário vale a pena. Ele foi proibido no Brasil na época, mas é muito interessante e pode ser encontrado no Youtube ou Vídeo Google na integra.

A salvação é nos darmos chance de sermos provocados

O principal problema da TV, falando aqui dos péssimos conteúdos não construtivos, é que ela nos entrega tudo. Sim, há produções ótimas. Há obras de arte visual e mirabolantes de êxtase sonoro merecedores de prêmios. Há entretenimento de qualidade. E há até diversão de bom gosto. Mas na grande maioria a TV, infelizmente e falando principalmente da TV aberta, é lixo puro. Lixo que nos consome o que mais temos de precioso, o tempo. Tempo que poderíamos usar com experiências reais, com crescimento, com planos e principalmente com momentos ao lado de pessoas que nos são importantes!

Quantas vezes você não se viu por minutos seguidos (ou até horas) zapeando por canais até dar voltas e voltas pelos canais? Já passou por isso? E já pensou em quanto poderia estar criando?

Isso me lembra muito da música dos mutantes: "Não vá se perder por ai"

Quando lemos um livro, somos obrigados a criar o universo abordado pelos tempos propostos em nossa mente. Desde a ambientação aos acontecimentos e pessoas. Quando ouvimos música de qualidade apuramos nossos sentidos reconhecendo cada tom ou mesmo vivendo pura e simplesmente a melodia. Quando buscamos estudar um assunto somos provocados a pensar, a buscar, a repensar e aprender com cada novo fato ou idéia proposta. Quando nos alimentamos de arte somos instigados a entender, sentir a obra, perceber sensações. Quando consumimos conteúdo de qualidade estamos nos dando a chance de crescer com cada experiência, com cada nova informação.

Já com a TV, na grande maioria dos casos, recebemos entregue e embalado tudo para engolir. A notícia é lida, o ponto de vista é ditado, o argumento sequer é explicado. Toma. Engula. Não mastigue, aceite.

E assim, perde nosso cérebro, que achando estar ao descanso por pouco tempo, deixa mesmo de exercitar-se por horas, dias e anos seguidos.

Perde nossa cultura, que achando estar se enchendo de informação, está se esvaindo de volume extra de conteúdo inútil.

Um show de ilusionismo com nossos planos

A TV é com certeza um constante show de ilusionismo com nossos planos. De frente a ela, como que por mágica, esquecemos nossos problemas, nossas angustias, nossas mágoas. Uma maravilha. Mas junto esquecemos também nossos planos, metas, nossas missões e nossa vida inteira. Vemos passar nossa vida nos intervalos das novelas, filmes classe B e noticiários banhados a desgraça.

Peço a pizza no intervalo. Discutimos quando acabar a novela. Te ligo quando acabar esse bloco. Tomo banho e saio quando acabar o último capítulo. E assim a vida segue. Ou não segue.

A fofoca do dia, a repetição do mesmo enredo repaginado na novela nova, a notícia mascarada nos interesses do patrocinador. Tudo que nos fere a inteligência a um apertar de botões. O suspense, a atenção prendida, o próximo desenrolar da trama. E assim vamos pagando caro por truques de terceira.

Comemos cebola todos os dias como se fossem maçãs

Ó santo BBB! Valei-me Pablo dos tempos modernos do Qual é a música! Ouvi-me santa receita da piada aceita da Zorra Total. Ó virgem platéia que a tudo aplaude. Santo seja o seu nome jaz foragido João Kleber de todos os suspenses.

Quem somos nós sem o riso gravado de todos os sábados e a miséria repaginada de todas os jornais da noite.

Os conteúdos pobres e o insulto constante a nossa capacidade de requerer desafios hipnotiza-nos. Perdemos horas de nossas vidas sem saber que há um mundo inteiro de desafios a nossa frente. Um mundo que nos fará crescer, evoluir e construir nossa própria história.

A cada minuto que ficamos em frente a TV babando elogios as novas tecnologias, efeitos, estrutura e talentos não paramos para pensar que lá estão pessoas fazendo suas histórias. Ainda que aqui seja minha pisoteada, a TV é feita de profissionais talentosos e competentes que estão conquistando seu espaço e tocando suas vidas. E você, caro e guerreiro leitor, já pensou em quantas horas de TV foram jogadas fora pra ver a vitória dos outros?

A TV hipnotiza, separa os conscientes dos suscetíveis a estímulos e marcas. A TV pega seus planos e o faz, você mesmo, guardá-los na gaveta. Ela rouba suas horas e seus dias gradativamente, lentamente, até que um dia você não reconheça mais suas metas ou sequer pense em ter alguma.

Reciclar idéias pra que se nossa mente está tão aberta para todo lixo possível?

É senso comum. É ditado antigo. É sabedoria oriental. É fato!

"Você é o que consome"

Sua mente é uma bolsa aberta a tudo que puder nela colocar. Seu dia a dia, seu vocabulário, sua educação, sua sabedoria, sua forma de tratar o mundo e as pessoas. Sua visão sobre as dificuldades, sobre as bênçãos da vida e sobre toda a vida. Tudo. Tudo que és e como age perante o mundo é reflexo de como sua mente aprendeu a reagir.

O que colocas em sua bolsa é o que tem para usar nos momentos que necessitar. O que te pede a vida, você retorna com o que tem em sua mente. O conteúdo com que preenche sua mente é o delicado material que constrói sua vida e suas oportunidades.

A cada ano a história se repete. Quem me alertou para isso a alguns anos foi o escritor, palestrante e ilustrador Luciano Pires em sua campanha "Brasileiros Pocotó" e "Vamos depocotizar o Brasil" baseado no – digamos - "sucesso" da época Éguinha Pocotó. A indignação de Luciano perante ao hit que embalava festas, programas de TV e carros no transito foi tamanha que ele criou essa campanha pra chamar a atenção para o absurdo. Ao menos para mim funcionou. Eu realmente percebi, ainda que já sabedor da péssima influência desse tipo de conteúdo, que o problema era muito maior do que se via.

Mais fácil seria culpar a grande mídia, mas a grávida estava no fato de que a população, ao dar audiência a esse tipo de cultura lixo, incentivava a mídia a investir nisso e assim mais vemos todo o tipo de besteirol ganhar força das grandes emissoras. E isso vira uma roda que não pára nunca de girar, a não ser que acordemos para o problema.

Socorro. Tem uma TV no meio da minha sala

Colocaram uma TV (na verdade umas duas ou três) em cada casa. E assim, passam miséria, morte e todo tipo de atrocidade, dia e noite. Ah, e passam banalidades também, claro, pra possamos esquecer um pouco das atrocidades e comprar os produtos que alimentam a máquina toda!

Infelizmente eu a maioria dos meus amigos crescemos com um aparelho de televisão apartando nossa família entre o almoço do jornal da tarde e o jantar da novela das oito. Sentimentos engasgados, falta de tato com afagos, uma leve brisa de distanciamento fraterno se fez solene e presente por anos, até que não entendêssemos a diferença entre a proximidade física da emocional.

Talvez seja quase impossível quantificar o que perdemos em questões afetivas e amadurecimento dos sentimentos quando falamos dos anos de fronte a TV em troca dos mesmos anos em conversas familiares ou entre amigos. Ainda lembro-me de tardes inteiras na casa dos meus avôs onde ouvia ao fundo galinhas, cachorros e o badalar dos sinos de vacas, misturados ao velho som da sessão da tarde que me parecia imperdível mesmo estando em férias no lugar mais mágico que vivi minha infância. Felizmente lembro-me também – e felizmente – que um sopro de sabedoria ou de inquietude me tirava em poucos minutos daquela mecânica e exaustiva rotina. Em pouco tempo estava eu a furtar ovos, conhecer xingos do papagaio e sujar meu ki-chute na lama do quintal da minha avó.

E hoje, que vontade eu tenho de roubar dos meus sobrinhos algumas horas, mas é cruel a competição com Barbies animadas a computação gráfica e mini-astros de Hollywood. Sem querer parecer o neurótico da vez a caçar alienígenas e jurar fantasmas, o que eu faço com esse invasor no centro da minha sala?

Onde colocamos a bomba que acaba com todo esse lixo?

Não. Não é simples assim e nem justo seria. A TV – e toda sua estrutura – não é a única responsável. E nem o conteúdo tampouco, não é todo execrável e dispensável. Está dentro de nós mesmos barrarmos esses campeões de audiência trash. Antes de pensarmos em juntar o lixo do mundo cultural em um estádio e colocar fogo, o melhor e mais sensato é cuidarmos de nossa casa, de nossa mente.

O fato de que nossa história não está sendo construída já é argumento suficiente para fugirmos da TV, mas se cada um de nós selecionar melhor o que cabe em nossas vidas, o que entra em nosso subconciente, o que será visto em nossa TV, com certeza conseguiremos forçar uma reviravolta na criação de conteúdos da TV. Ou no mínimo, assistiremos de longe a criação de muitos outros alienados tendo a certeza que ao menos nós teremos nos salvado dessa caixa escura.

A TV – não a parafernália, ma tudo que ela representa e entrega – é uma droga viciosa das mais perigosas. Ela vicia por baixo incrível e lentamente nossos patamares de evolução. Ela envenena e destrói fatalmente nosso tempo. Ela congela nossa vida e polui nossa cultura. E pior de tudo, ela hipnotiza, alucina e distorce a visão dos nossos planos, nos deixando a mercê da sorte, sem metas, crescimento e evolução.

Por isso, correndo o risco de parecer paranóico, ciente inclusive da minha – já pequena – mas resolvida dependência dessa droga, eu lhes digo: Corra! Fuja agora mesmo. Desligue a TV e ligue-se na vida!

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Reinaldo Luz Santos

www.reinaldosantos.com.br

Janeiro de 2009


Autor: Reinaldo Luz Santos


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