Palavras de Sartre 2ª Parte



JORNALISTA: Durante a guerra da Argélia, escrevendo contra o general Raoul Salan e a OEA e dirigindo-se aos argelinos, você disse "nós". E esse "nós" não era referente a você e aos argelinos, mas sim à OEA e a você mesmo. Por que quando você debate acaba se tornando solidário inclusive com aqueles que você mesmo denuncia?

SARTRE (acendendo um cigarro): Existe essa forma de dirigir-se, que é uma tática, uma precaução retórica. E se naquele momento a OEA tivesse dito aos franceses "vocês são os bandidos e não os mocinhos"? Ou se eu mesmo, dirigindo-me aos argelinos, tivesse dito "os franceses são os bandidos e não os mocinhos", eu teria renegado minha condição de cidadão francês — algo impossível de renegar, visto que é uma realidade fundamental. E se, ao contrário, eu dissesse, sob a forma de uma confissão, "nós somos os bandidos e não os mocinhos"...

JORNALISTA (interrompe): Mas quando era você quem combatia a tortura, você chegou a dizer "nós torturamos".

SARTRE: E esse é o ponto central. Porque não falei somente por mim, mas por toda a solidariedade francesa. Era a minha obrigação denunciar esses crimes, mesmo de dentro da França. E quando os denuncio, imediatamente faço também meus esses crimes. É a única solução para que os franceses suportem o assunto. E ao mesmo tempo se trata de uma armadilha, porque ao dizer "nós torturamos", o que realmente se recebe é "eu torturo", mesmo se estando indiferente ou não se sentindo tocado por essa notícia. Trata-se de uma conscientização de nós mesmos. Mas há ainda outra coisa que eu acredito ser mais profunda. Eu escrevi em "Saint Genet" que existem pessoas que se apavoram diante de alguns defeitos ou diante de alguns posicionamentos sexuais. Por exemplo, conheci muitos homens que tinham horror ao homossexualismo porque consideravam que um homossexual não era um homem, e que isso não lhes dizia respeito. E em conseqüência negam toda e qualquer solidariedade. Entretanto, esses mesmos homens acham que lhes diz respeito as façanhas dos astronautas. Consideram — e na minha opinião têm razão — que os astronautas conquistaram algo que eles não puderam conquistar devido a suas virtudes, a suas possibilidades, eles consideram que se tivessem sido educados de outra forma, se tivessem tido outra infância ou outra juventude, poderiam eles mesmos ter conquistado essas coisas. Dessa forma entende-se que o homem que se destaca vale por todos, representa uma virtude que há em todos. É até muito justo. Mas por que essa insistência em valorizar sempre aquele que vai mais alto, aquele que conquista alguma coisa? O crime, a tortura, o racismo são coisas que não devemos considerar fora de nós mesmos: elas são também realizações de nossas virtudes. Não há como dizer que um homem é bom ou mau, mas sim que um homem é bom ou mau segundo determinada circunstância. Assim, quando consideramos o racismo, não devemos ver o anti-racismo apenas como uma luta contra o exterior, mas como uma luta contra si mesmo.


Autor: Sodine Üe


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