Uma Política Ambiental Para O Semi-árido



SUMÁRIO:

1. Introdução

2. População: Milhares de Vítimas

3. Riquezas do Semi-Árido

4. Política Adequada para o Semi-Árido

5. Conclusão

REFERÊNCIAS

Resumo:

A região do semi-árido, além de constantemente assolada pela seca, tem sofrido com uma ameaça ainda mais assustadora, a desertificação. Após tentativas frustradas de medidas emergenciais de amenização dos problemas ecológicos e sócio-econômicos da região, resolveu-se desmistificar a idéia de combate à seca como uma solução hábil e, enfim, reconhecer a riqueza e a necessidade de preservação de um ecossistema tão útil e diversificado como o semi-árido. Deste modo, não se torna viável exportar soluções para o problema, e sim criá-las a partir do estudo de caso do ambiente onde serão aplicadas, para que sejam verdadeiramente viáveis. Sendo assim, o propósito seria não mais salvar o semi-árido, e sim conviver com ele, cultivá-lo.

Palavras-chave: Semi-árido; Preservação; Desertificação; Política Ambiental

1. INTRODUÇÃO

Apesar da importância estratégica do Semi-árido para o Brasil, pouco tem sido feito em termos de uma política que levasse ao conhecimento do potencial da região visando o desenvolvimento científico e tecnológico e sua sustentabilidade. Recentemente, no entanto, o Brasil tem mostrado maior preocupação, e ações coordenadas do governo têm sido apresentadas. 

Apesar da grande antropização, especialmente nas áreas de menor altitude, o Semi-árido ainda possui uma grande variedade de tipos vegetacionais, incluindo diferentes climas, sistemas de chuvas, relevos, solos e hidrografias. Esta diversidade tem possibilitado a manutenção de uma população com cerca de 20 milhões de habitantes, sendo essa a região semi-árida mais populosa do globo.

A degradação ambiental da caatinga, vegetação predominante no Semi-árido brasileiro, é resultado de mais de três séculos de uso inadequado da terra. Desse modo, torna-se emergente a elaboração de políticas sérias que tenham como prioridade reduzir a degradação ambiental e ampliar o conhecimento da biodiversidade da região. Para que, a partir daí, o desenvolvimento nessa área possa ocorrer de forma sustentável, deixando, assim, de representar um entrave social para o país.

2. POPULAÇÃO: MILHARES DE VÍTIMAS

O Brasil teve o privilégio de acolher a COP-3 a terceira sessão da Conferência das Partes das Nações Unidas da Convenção de Combate à Desertificação. Esse não foi apenas um momento raro de discussão sobre as regiões áridas e semi-áridas do planeta. Foi, também, uma oportunidade para divulgar, junto à população brasileira, a amplidão de um fenômeno mundial a desertificação do qual o homem é, por boa parte, responsável e ao qual o desenvolvimento humano pode remediar.

A bem da verdade, a não ser em momentos excepcionais como a Conferência da ONU, pouca gente se interessa pelas centenas de milhares de famílias, social e economicamente vulneráveis, do semi-árido. Porém, no mesmo momento em que as portas da Conferência se fecharam em Recife, uma grande seca, iniciada em 1998, continuou vigorando a menos de 100 quilômetros do litoral. Ali, 25 milhões de habitantes do semi-árido brasileiro estão sujeitos a fenômenos de desertificação a a todas as mazelas que a seca pode ocasionar. Trata-se de uma parte do Brasil de cerca de 900 mil km2, imensa, porém invisível, a não ser quando a seca castiga a região e as câmeras começam a mostrar as eternas imagens de chão rachado, água turva e crianças passando fome.

Sabe-se muito bem que o caminhão-pipa e a distribuição de cestas básicas não são medidas ideais. Mas ainda se precisa delas. Entretanto, sendo o Semi-Árido um bioma específico, seus habitantes têm direito a uma verdadeira política de desenvolvimento econômico e humano, ambiental e cultural, científico e tecnológico. Implementando essa política, em pouco tempo não será mais necessário expandir a política do pão e água. Esta, deve ser rapidamente substituída.

3. RIQUEZAS DO SEMI-ÁRIDO

O semi-árido brasileiro é um território imenso, com duas vezes mais habitantes que Portugal, um território no qual caberiam a França e a Alemanha reunidas. Essa imensidão não é unifome: trata-se de um verdadeiro mosaico de ambientes naturais e grupos humanos. Dentro desse quadro bastante diversificado, encontram-se problemáticas próprias à região (o acesso à água, por exemplo) e, outras, universais (a desigualdade entre homens e mulheres).

Confronta-se a riqueza desta região com o esvaziamento de espaços rurais e a ocupação desordenada do espaço urbano nas cidades de médio porte. Observa-se, ainda, agricultores familiares que plantam no sequeiro, colonos e grandes empresas de agricultura irrigada, famílias sem terra, famílias assentadas, muita gente com pouca terra, pouca gente com muita terra, assalariados, parceiros, meeiros, extrativistas, comunidades indígenas, remanescentes de quilombos, comerciantes, funcionários públicos, professores, agentes de saúde...

O que se pretende, de fato, é deixar claro que a problemática é intrincada e que uma visão sistêmica, que leve em consideração os mais diversos aspectos e suas inter-relações, impõe-se mais que nunca (Associação de Articulação do Semi-árido).

Afinal, a caatinga e os demais ecossistemas do semi-árido sua flora, fauna, paisagens, pinturas rupestres, céus deslumbrantes formam um ambiente único no mundo e representam potenciais extremamente promissores. Enfim, o semi-árido é perfeitamente viável quando existe vontade individual, coletiva e política nesse sentido.

4. POLÍTICA ADEQUADA PARA O SEMI-ÁRIDO

Considerando-se as possibilidades de efetivamente colaborar para a definição e implementação de uma política ambiental adequada na região, algumas propostas criadas através de fóruns de discussão, conferências e vivências dos grupos e associações civis compostas por habitantes do semi-árido já podem ser enumeradas para a busca subseqüente de sua efetividade.

Na área de criação de instrumentos de gestão destaca-se a reestruturação do Conselho Estadual do Meio Ambiente (COEMA) garantindo a ampliação da participação da sociedade civil, criação/reativação de Conselhos Municipais, garantindo uma ampla participação da sociedade civil para discutir grande parte dos projetos de desenvolvimento no âmbito municipal; o estabelecimento do perfil do administrador público no Governo Federal; a implantação de mecanismos de gestão democrática no planejamento urbano, viabilizando uma revisão dos Planos Diretores Municipais de forma participativa e aberta aos diferentes setores da sociedade civil organizada, por fim, a criação e fiscalização de Unidades de Conservação (APA, Reserva Extrativista, Reserva de Desenvolvimento Sustentável, etc.), garantindo a inserção das comunidades locais.

Da gestão própria do semi-árido faz-se necessária a implantação de políticas de acesso a terra, água e tecnologia à luz da legislação nacional; a valorização das manifestações culturais das populações rurais e indígenas, proporcionando os meios necessários para que as populações possam se fixar no campo, evitando a migração, particularmente, dos jovens; a reativação das empresas de extensão rural em parceria com outras empresas de assistência ao homem do campo; capacitação de pessoal nos municípios mais carentes, através de bolsas de serviços prestados concedidas a médicos, pedagogos, agrônomos, assistentes sociais, ambientalistas, etc. ; relocação dos lixões das cidades dos vales dos rios em áreas menos impactantes aos rios e sua transformação em "aterros sanitários", desenvolvendo uma política de reciclagem do lixo; adoção de medidas para o reflorestamento da Caatinga, o combate à desertificação e a proteção dos solos.

No aspecto da água é recomendada a construção de poços e cisternas comunitárias para armazenamento da água da chuva, apoio ao projeto "Um Milhão de Cisternas Rurais"; incentivo à desinfecção da água através do sol, com o Sistema de Desinfecção Solar (SODIS); garantia de saneamento básico com tratamento dos efluentes antes de serem lançados nos rios; preservação das nascentes de rios e riachos que compõem os afluentes dos rios; conservação e gerenciamento ambiental das lagoas e açudes; controle do uso e da exploração da água, preservando o acesso a esse bem público; construção de barragens subterrâneas em rios e riachos intermitentes, mormente nas proximidades de grupos populacionais e de áreas potencialmente agricultáveis; realização do abastecimento de água dos locais distantes de rios e barragens, o que é feito atualmente através de carros-pipa; implantação sustentável de sistemas de dessalinização de água salobra oriunda de poços profundos; implantação de sistemas de bombeamento de água com o uso de fontes renováveis de energias.

Quanto à terra e agricultura, é propício a adoção de políticas de comercialização que viabilizem a inserção dos agricultores(as) familiares no mercado, trazendo uma melhoria de renda e a apropriação das formas de comercialização livres da ação dos atravessadores; adoção de medidas que protejam a agricultura familiar do monopólio de insumos impostos pelas empresas transnacionais, como é o caso das sementes geneticamente modificadas (transgênicos); criação de linhas de crédito bancário para a aquisição de máquinas, kits de irrigação e sementes não híbridas; isenção de impostos para o pequeno produtor rural; abatimento no pagamento de financiamento em caso de perda da safra agrícola; valorização da produção agrícola local na implantação da merenda escolar; adoção de políticas de controle do uso de agrotóxicos de forma indiscriminada na agricultura praticada nas terras baixas como nas terras altas, promovendo a agricultura orgânica competitiva.

Levando-se em conta o extrativismo na região, as propostas gerariam em torno da adoção de políticas de conservação da mata ciliar que acompanha as bacias fluviais, desenvolvendo uma política de manejo sustentável, associado à criação de Reservas Ambientais da mata ciliar; adoção de políticas de controle e gerenciamento das áreas de extração, acompanhadas de uma reorientação do manejo das áreas degradadas, limitando a substituição da mata nativa pelo cultivo de eucalipto e definindo o uso produtivo das crateras; desenvolvimento de uma política de manejo sustentável da exploração da Caatinga e das demais formações florestais feita por carvoeiros e ceramistas na região; controle da exploração da área no fundo dos vales dos rios de forma indiscriminada e desenvolvimento de políticas de manejo sustentável da exploração da argila pelos ceramistas.

A respeito do turismo pede-se a implantação de um modelo de turismo que garanta a participação e inclusão das comunidades locais e tenha como estratégia a articulação entre cultura e meio ambiente, além da promoção de uma estratégia diversificada para o desenvolvimento sustentável do turismo com criação de linhas de crédito para financiar o seu desenvolvimento comunitário; promoção de um planejamento integrado para o seu desenvolvimento, através de uma articulação de políticas intersetoriais, entre outros.

No campo energético prega-se a rejeição à instalação de termoelétricas e o estímulo ao uso de fontes limpas e renováveis de energia (energia solar, eólica e biomassa. Ou seja, promoção do uso racional da energia e garantia de subsídios a projetos residências, comerciais, industriais e institucionais que utilizem as energias de forma eficiente.

A educação, base de todo processo de desenvolvimento, deve ser contextualizada, com a inclusão de uma abordagem específica (problemática urbana, zona costeira e do semi-árido, respectivamente) nos currículos escolares. Fala-se também na promoção de um amplo programa de educação para gestão ambiental, implantação da temática do meio ambiente dentro dos temas transversais previstos e garantidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN); e inserção da mídia no planejamento e na difusão dos programas de educação ambiental e de suas abordagens.

5. CONCLUSÃO

Felizmente, tem-se mudado a visão do Semi-Árido, da caatinga e das formas de enfrentar seus problemas. Começam-se a deixar de lado antigas concepções que, basicamente, tentavam "combater a seca" e levar para a região projetos grandiosos de desenvolvimento concebidos para outras áreas do País e que, em geral, consumiam volumosos incentivos fiscais. Contribuíam também para concentrar a renda em poucas mãos, sem gerar nenhum avanço para a região.

Agora começa a prevalecer a visão de que é necessário "conviver com o Semi-Árido", respeitar suas condições naturais, ter projetos adequados para ele.

Importante é a mudança conceitual, das "grandes obras" de combate à seca para projetos localizados e adequados. "Ter no Semi-Árido um departamento de obras contra as secas equivale - como diz um primo meu - a ter na Sibéria um departamento de obras contra a neve." (Ariano Suassuna). Ainda há muito a fazer. Importante, porém, é que a estratégia está mudando para melhor.

Após a mudança de estratégia, por fim, o semi-árido que se quer construir é aquele em que os recursos seriam investidos nos anos normais(não eleitorais), de maneira constante e planejada, em educação, água, terra, produção, informação para que expressões como frente de emergência, carro-pipa e indústria da seca se tornem rapidamente obsoletas, de modo que os filhos dos nordestinos pudessem trocá-las por outras, como convivência, autonomia e justiça, como afirma a Declaração do semi-árido, feita por seus habitantes, integrantes do grupo Articulação do Semi-árido.

REFERÊNCIAS

1. www.terrazul.m2014.net/article.php  (visitado em 3 de julho de 2006)

2. NOVAES, Washington, artigo Uma nova visão do Semi-Árido publicado no jornal O estado de SP em 23/6/05.

3. DECLARAÇÃO DO SEMI ÁRIDO: Propostas da articulação no semi-árido brasileiro para a convivência com o semi-árido e combate à desertificação.
Recife, 26 de novembro de 1999

4. FÓRUM PELA VIDA NO SEMI-ÁRIDO

5. FÓRUM CEARENSE DO MEIO AMBIENTE


Autor: Ilana de Oliveira Fernandes


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