A Lei 11.419/06 e o Processo Judicial Eletrônico



PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO - LEI 11.419/06 
ALGUNS POSSÍVEIS IMPACTOS DECORRENTES DE SUA ADOÇÃO

Publicado no Documento Técnico 1 -  FGV - TRT 2ª Região

Fausto Bernardes Morey Filho


O Projeto de Lei 5.828 que dispunha sobre a informatização do processo judicial tramitou no Congresso Nacional por vários anos. Em 16 de dezembro de 2006, a Lei 11.419 foi promulgada tendo entrado em vigor no dia 19 de março de 2007. Ela alterou ainda a Lei 5.869 - Código de Processo Civil de 11 de janeiro de 1973, possibilitando modificação importante na organização da prestação de serviços jurisdicionais.

Apesar da Lei não ter natureza impositiva, ela estabeleceu as condições necessárias à modificação do rito processual com vistas à utilização plena dos recursos tecnológicos hoje disponíveis, propiciando uma oportunidade única ao Poder Judiciário nacional para melhorar o atendimento ao público e o seu desempenho. O objetivo deste artigo é tratar, de maneira não intensiva, alguns dos possíveis impactos decorrentes de adoção da Lei.

Contexto

A Reforma da Gestão Pública de 1995/98 estabeleceu um novo princípio para o funcionamento dos órgãos do Poder Público com a introdução do sistema de responsabilização gerencial que inclui o controle por resultados, a busca pela excelência e o controle social por organizações da sociedade civil e pela mídia (Bresser Pereira, 2005).

Os gestores públicos devem atender aos princípios de organização burocrática do Estado e seus controles clássicos de supervisão, regulamentação detalhada, auditoria e também de respeito às leis, impessoalidade, estruturação subordinativa com prefixação de atribuições e controle "a priori". Porém, com a introdução de sistema de responsabilização gerencial, os gestores devem adotar a administração por objetivos e resultados definidos em função dos usuários, com controles "a priori" e "a posteriori".

Os Tribunais de Contas – TC, quando da análise da prestação de contas dos órgãos públicos, tradicionalmente têm focado a sua atuação no exame exaustivo da legalidade dos atos, no cumprimento das formalidades e no cumprimento de aspectos burocráticos. Recentemente (2006), o Tribunal de Contas da União – TCU passou a exigir também a prestação de contas sobre os planos e resultados dos órgãos, fato que aparentemente, com o tempo, será adotado de forma universal.

A conjugação deste dois modelos é a principal novidade conceitual a ser incorporada pelo Poder Público contemporâneo. A responsabilização gerencial torna-se compulsória aos administradores públicos que, além de seguirem as leis e as regras burocráticas, devem simultaneamente buscar os resultados para os usuários e os contribuintes.

No âmbito do Judiciário, surgiram assuntos urgentes a serem cuidadosamente tratados pelos responsáveis de seu funcionamento. Entre outros, são:

- Celeridade e efetividade da prestação de serviço jurisdicional;

- Acessibilidade da população à Justiça;

- Transparência, controle e coordenação administrativa, e

- Eficiência.

A busca pela celeridade e acessibilidade deve ser pautada pelo controle e coordenação administrativa e pela busca intencional e permanente da eficiência[1] nos termos do art. 37 da Constituição Federal. A administração gerencial está inserida no âmbito de um processo de transformação que deu origem à Reforma do Estado. O principio da Eficiência passou a vigorar como preceito constitucional, com missão precípua de internalizar um novo paradigma de atuação pública.

Quando são analisadas as séries temporais de dados e informações[2] obtidas junto à Justiça Federal, Trabalhista e Estadual é possível constatar que os índices médios de eficiência da Justiça têm decrescido sistematicamente nos últimos anos.Na maioria das unidades jurisdicionais o tempo de tramitação de processos tem subido concomitantemente com o crescimento do seu custo de tramitação[3].

Isto pode ser observado tanto com relação aos cálculos de médias gerais quanto aos de médias por competência. No geral e em termos reais, o volume da prestação de serviços jurisdicionais cresce a uma taxa proporcionalmente inferior à observada com relação aos recursos aplicados.

A Presidente do Supremo Tribunal Federal Ministra Ellen Gracie, em pronunciamento proferido no Congresso de Inovação e Informática do Judiciário - CONIP JUD, realizado em Brasília em setembro de 2006, tratou de importantes temas e questões relativas ao funcionamento da Justiça no Brasil. Suas declarações, apresentadas a seguir, constituem um diagnóstico preciso sobre a atual realidade do Poder Judiciário no Brasil.

"Há um senso de urgência a nos impelir para o congraçamento de esforços.... Nosso passivo já alcança números insuportáveis.... Temos desenvolvido nosso trabalho, diante da maré montante de demanda, com a dedicação inexcedível de uma magistratura e de um corpo funcional subdimensionados para seguirmos utilizando a metodologia tradicional.

Como são inevitáveis as resistências a aumentos de despesa com a máquina pública, ou revisamos nossos métodos de trabalho ou encararemos a inviabilidade...."

São muitos os desafios a serem enfrentados pela Justiça Brasileira nos próximos anos, alguns deles decorrentes da necessária revisão do seu atual modelo de gestão e métodos de trabalho. Outros, mais complexos e profundos, são decorrentes da difícil tarefa de contornar as barreiras culturais estabelecidas nas arraigadas rotinas cotidianas de trabalho, aprendidas e consolidadas por décadas de prática. A extensão territorial e a abrangência das competências legalmente atribuídas aos entes do Poder Judiciário são alguns dos elementos que demonstram, do ponto de vista finalístico, administrativo e operacional, a complexidade do funcionamento da Justiça.

Parece não ser mais possível obter o incremento da eficiência no Poder Judiciário Brasileiro apenas pela simples ampliação de efetivo - Magistrados e servidores ou de suas estruturas de funcionamento.

Diante das crescentes limitações orçamentárias, entre outras, parece improvável que o Poder Judiciário possa seguir adotando a metodologia tradicional para o atendimento de seus grandes desafios. Não cabe aqui tratar da recorrente discussão que envolve as questões legais ligadas ao rito processual, mas olhar para o interior da organização e buscar a melhoria significativa de desempenho por meio da mudança e aperfeiçoamento da prestação de serviços jurisdicionais.

Padrão ou modelo tecnológico

Claramente, parte da metodologia tradicional citada pela Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Ellen Gracie, está relacionada ao atual "padrão ou modelo tecnológico - P.M.T." empregado pela maioria dos órgãos do Poder Judiciário Brasileiro e diz respeito ao conjunto de conhecimentos, técnicas e ferramentas utilizadas pela organização na produção de bens ou serviços aos seus "clientes" ou usuários.

O P.M.T. atualmente em uso pela Justiça é composto por autos ou pasta do processo, capas de cartolina ou de plástico, fitas adesivas coloridas, livros e fichas de registro, carimbos, carrinhos para transporte de autos, sovelas[4], prateleiras para arquivamento de pastas, máquinas de escrever, computadores e sistemas informatizados de apoio, entre outros recursos.

Também fazem parte do atual P.M.T., as atuais habilidades e conhecimentos dos magistrados e servidores, os padrões de operação, as políticas, regras e critérios adotados para seu funcionamento e a estruturação das atividades para prestação de serviço jurisdicional, entre outros componentes.

A utilização de recursos de informática está aquém de seu potencial e o nível de modernidade do atual P.M.T. é baixo e não uniforme. Os sistemas de administração e controle de tramitação de processos judiciais foram desenvolvidos de maneira isolada e, portanto, diferentes em cada um dos entes do Poder Judiciário e, principalmente entre as diferentes instâncias da Justiça.

A adoção do Processo Judicial Eletrônico previsto na nova legislação pode contribuir significativamente para o incremento e modernização do modelo tecnológico empregado na Justiça Brasileira.

A Lei 11.419 introduz a possibilidade de alterações significativas no funcionamento da Justiça e permite a radical mudança do P.M.T. vigente. Resumidamente, as principais mudanças previstas são[5]:

- Rompimento com a formulação do processo tradicional;

- Os atos processuais passam a ser praticados diretamente no sistema pelo magistrado, promotor, procurador, advogado, defensor e pela própria parte, mediante a assinatura digital certificada e sem a intervenção de servidores de cartórios ou ofícios;

- A assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada entra em vigor;

- As fases e eventos dos processos são unificados, havendo um único registro de todos os atos processuais;

- Interação completa de todos os atores do processo por meio do sistema;

- A juntada de documentos e expedição de certidões é automatizada eliminando a burocracia;

- Possibilidade de Consulta e Controle, em tempo real e de maneira remota, do andamento dos processos pelos envolvidos;

- Maior rapidez na distribuição, processamento e julgamento de todo tipo de processo ou recurso, pois a petição, entre outros atos, pode ser realizada de forma totalmente eletrônica;

- Acesso instantâneo aos dados dos processos;

- Publicação de atos no Diário da Justiça Eletrônico, de maneira totalmente eletrônica e assinada digitalmente, entre outros.

Para a adoção do processo judicial eletrônico e sua operação estão previstos mecanismos técnicos que deverão ser implementados previamente, quais são:

Documentos Eletrônicos - são considerados originais para todos os efeitos legais e os digitalizados têm a mesma força probante dos originais;

Assinatura Eletrônica - Assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada. Válida para petições, recursos e todos os atos processuais (Padrão ICP-Brasil);

Protocolo Eletrônico – O Poder Judiciário fornecerá protocolo eletrônico dos atos processuais realizados em meio eletrônico, no dia e hora do seu envio ao sistema;

Diário da Justiça Eletrônico - Publicação eletrônica substituindo, para quaisquer efeitos legais, outro meio ou publicação oficial à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal. O conteúdo das publicações deve ser assinado digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora;

Portal Próprio - A Intimação eletrônica deverá ser em portal próprio da Justiça e dispensa a publicação no órgão oficial. A intimação eletrônica é considerada intimação pessoal, inclusive para a Fazenda Pública. A consulta do intimando deve ser certificada eletronicamente nos autos;

Intervenção Direta – A distribuição de petição inicial, a juntada de contestação, a juntada de recurso e juntadas em geral poderão ser praticadas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem intervenção do cartório judicial, devendo se dar autuação automática;

Governança de processos - Acesso instantâneo aos dados dos processos pelos magistrados, advogados públicos e privados, procuradores, partes, e Ministério Público, atentando para as cautelas nas situações de sigilo e segredo de justiça e garantindo a integridade dos dados e andamentos.

Considerando que as leis podem suscitar diferentes interpretações por parte dos variados atores envolvidos na sua aplicação, é esperado que os profissionais da área busquem o entendimento sobre a sua aplicação e efeito diretamente no texto da Lei e nas eventuais análises jurídicas proferidas por entidades técnicas como a OAB.

Cada Tribunal deverá, por previsão legal, regulamentar Lei. Este ato oferecerá novos subsídios para o completo entendimento de sua abrangência.

Alguns possíveis impactos

A efetiva aplicação da Lei possibilitará, nos próximos anos, a introdução de modificações significativas no funcionamento da Justiça, com profundo impacto nas rotinas de trabalho e nas atribuições dos servidores, principalmente de escreventes[6] e oficiais de justiça, mas inclusive de magistrados.

Serão afetadas também as estruturas físicas dos próprios Fóruns, a forma de realizar o atendimento ao público, a gestão de pautas trabalho típicose audiências, entre outros. A seguir veremos alguns impactos.

1.Nos processos de trabalho típicos

O processo digital exige uma reinvenção total dos processos de trabalhos de prestação de serviços jurisdicionais para a 1ª, 2ª Instância e Instância Superior. A adequada aplicação da nova Lei e dos novos sistemas, tais como o SUAP / JT[7], permitirão que muitas das atividades realizadas hoje pelos servidores e magistrados possam ser cumpridas de maneira automática e completamente distinta da atual, porém, a regulamentação da Lei não deverá corresponder à mera automação do processo de trabalho judiciário nos termos de seu funcionamento atual, mas também considerar a sua completa reformulação.


Autor: Fausto Morey


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