Prazeres de uma vida



Nasci e me criei numa cidadezinha cujos habitantes se conheciam entre si e em todas as manhãs eu cumprimentava todos eles. Era tão feliz que não tinha sonhos, desejava apenas viver ali toda uma vida. Entretanto fui crescendo e sentindo necessidade de mudar-se daquele local, não por deixar de amar aquela cidade, mas porque almejava formar-me em São Paulo. Meus amigos e em particular uma jovem ao qual chamávamos Belinha, diziam para eu não ir, pois sentiriam uma saudade em tão demasiado grau que não agüentariam dois dias. Porém a decisão era singular e imutável. Claro que lhes disse que também sofreria por sermos tão bons amigos e que lhes mandaria toda semana uma epístola contando-lhes todas as minhas peripécias na metrópole. Contei a Belinha todos os meus sonhos e pedi que me fosse visitar brevemente, ao que ela prometeu.

Belinha era a minha amiga mais íntima, tínhamos muito em comum. Eu a amava e desejava casar-me com ela, confesso. Ao despedirmo-nos, Belinha deixara que algumas lágrimas se despontassem dos seus olhos. Fitou-me e, respirando profundamente, me beijou os lábios. Juro que tive a melhor sensação de toda uma vida. Em seguida, parti num trem cujo destino era São Paulo.

Não posso deixar de enunciar o efeito que me veio ao ingressar na cidade, senti receio e ao mesmo tempo uma necessidade de estar ali. Não sabia, no entanto, se seria uma experiência válida, se faria amigos e se viveria feliz durante aqueles anos que me faltavam. Estudaria e trabalharia na metrópole. Estava certo de que aprenderia algo; fosse ruim ou bom, servir-me-ia como preceito.

A primeira noite hospedado numa pensão foi muito rigorosa, regada à solidão que me cobria o peito. Pensava em meus pais, em meus amigos e na Belinha. Tratei logo de escrever uma carta para a minha futura. Escrevi sobre a saudade, sobre os seus olhos, sobre o nosso beijo e sobre a sua promessa de vir ver-me. Não havia decidido se mandaria aquelas anotações. Apreendi repentinamente que o meu desejo em relação à minha amiga aumentava, talvez por estar longe.

Ao amanhecer, me dirigi à Instituição em que iria estudar. Ali conheci, assim que cheguei, um jovenzinho cognominado Alex e a sua namorada, a doce Aline. Ele era um homem meio perdido nas expressões e no discorrer, ela era uma mulher mais centrada em si, ajuizada, porém muito jocosa. Apresentaram-me a alguns confrades e mostraram-me as instalações da universidade.

Ao bater meio-dia, segui a um restaurante e, almoçando, avistei uma jovem muito bem vistosa, de pernas largas e belíssimas, de seios fartos e declives. Apaixonei-me pela figura, o que me fez recordar a minha amiga. Ao findar a refeição, retornei à pensão e subi as escadarias que davam para os aposentos. Uma surpresa me esperava, era Belinha que viera com minha mãe. Sobressaltei-me com o episódio. Fora inesperado e um tanto precipitado. Ao avistar aquela doçura não senti mais aquele desejo dela. Não sei, mas ele se foi e junto daquele desejo se foi a idéia de entregar-lhe os rascunhos.

Minha mãe questionou sem pestanejos:

— Ora, filho, não está feliz com nossa chegada?

Respondi que estava muito feliz, porque senti uma saudade colossal, exagerei, como me serviu bem a hipérbole...

— Também não agüentava de saudades — confessou Belinha.

— Mas minha mãe — comecei —, não posso oferecer-lhe nada, pois a dona da pensão deixou bem claro que só serviria o jantar, que seria, aliás, às dezenove horas em ponto.

— Não vim para ser servida, vim para ver como passaria aqui — retrucou a mãe. E a menina não me deixou em paz, elucidando-me sobre o que sentia.

Não acreditei em tais palavras. O que havia lhe contado a minha futura consorte? Pois ela mesma tratou de responder:

— Contei sim à sua madre que era muito amiga sua e que não poderia ficar em paz se não o visse aqui em São Paulo para certificar-me de que passa bem.

Mamãe disse que compraria algumas coisas que me faltavam. Pediu a Belinha que ficasse a me fazer companhia. E assim foi feito.

Ao ficarmos sós, a minha futura abraçou-me como nunca o fizera, atreveu-se a tocar-me uma mão, a pegá-la e pô-la em seu peito, mostrando-me a velocidade dos seus batimentos cardíacos. Depois ela mesma me deu um beijo ainda mais duradouro do que o anterior, abraçou-me novamente, sorriu-me encantadoramente e fez-me sentar num canapé, sentando-se junto a mim. Ficou apreciando-me, talvez, a fisionomia, fitando-me sem cessar. Fiquei acanhado com aquela cena, e então ela me fez uma promessa — eu ficava emudecido:

— Prometo estar contigo sempre que precisar, porque te amo.

Senti que ela esperava um retorno; então que lha dissesse o mesmo, que a amava e que sempre estaria ao seu lado, mas não pude dizê-lo. Não analisei o fato naquele tempo, pois estava tudo muito confuso e inverossímil. Mirando os seus olhos avistei uma luz que sobressaltava deles. Os seus lábios estavam enrubescidos demais, os seus plenos cabelos negros eram soprados pelo vento que vinha da janela e os seus seios estavam mais delineados à minha visão. Refleti um momento, imaginando estar junto dela a fim de fazer-lhe o pedido de namoro, como um nítido clarão de luz. E o seu sorriso era tão fascinante e tão sedutor que não podia me conter. Foi por impulso que lhe beijei os lábios mais intensamente, sentindo o seu gosto, movendo minha língua ao derredor da sua. Ao passo que toquei as suas pernas com uma das mãos e senti ela se arrepiar. Ao terminar o beijo perguntei se ela havia gostado e com a cabeça encenou que sim, sem soprar uma palavra. Sussurrei se ela queria ser minha namorada a partir daquele momento, ao que ela respondeu sussurrando-me:

— Vejamos: você beija tão bem que me provoca frenesi, você é doce, lindo e te adoro desde que nos conhecemos, há pelo menos doze anos. Sim.

Foi um "sim" tão completo e particular que sorri e beijei-lhe novamente. Os seus olhos brilharam em seguida. Então nos levantamos e nos abraçamos ainda com mais veemência, beijando-nos e tocando-nos como nunca antes fizemos. O seu aroma era fascinante e os seus lábios eram demasiado macios, deles poderia extrair o seu néctar abundante.

O seu sorriso era atraente, prestei mais atenção em seus lábios e em seu corpo, deduzindo amá-la de todo, como quando sonhava estar ao seu lado; tudo era confuso, porém belo. Senti pela primeira vez a sensação que antes apenas imaginava. Ainda pude me deliciar em mais um beijo, um tanto atrevido, pois lhe arranquei a blusa num impulso frenético. Ela recuou um pouco aborrecida, mas logo deu um sorriso que preencheu todo o aposento. Neste momento regressou a minha mãe, ao mesmo tempo em que Belinha ajeitou a blusa. Certamente ela não desconfiou de nada, pois a sua atenção estava voltada para uma sacola que trazia consigo.

Depois daquele dia tudo o que eu sentia por Belinha ficou evidente. A minha mãe havia comentado à noite sobre a beleza da menina, sobre o olhar que eu cultivava e o interesse dela por mim. Disse-me que adoraria tê-la como nora e elogiou-lhe os cuidados para com a família.

Após aquela ocorrência, passamos a assumir o namoro, encontrando-nos uma vez por semana. A cada dia que passava via em minha Belinha a formosura que se distendia junto à sua feminilidade. As suas curvas estavam mais bem delineadas, os seus olhos estavam mais faustosos, via nela uma ninfa. Recitava-lhe alguns poemas que ia conhecendo acerca dos meus estudos, eram Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, e tantos outros. Ela suspirava dizendo amar-me, e eu então lhe beijava os lábios delicadamente, fazendo carícias. Segredava amá-la intensamente. Ela avançava os meus lábios e aquilo perdurava muitos minutos. Poderia sentir o seu cerne, podia aliar-me à sua respiração. Éramos apenas um, unidos pelo desejo do outro.

Quando chegaram as minhas férias, retornei à minha terra natal. Ali me encontrei com todos os meus amigos. Eles me fizeram uma recepção sublime. Belinha, agora uma mulher, com todos os tributos feminis, era nomeada "a Bela". Preferi, contudo, chamá-la pelo antigo nome, pois ela se fez a minha Belinha. Adorei namorá-la à visão de todos os meus. Eles sorriam e festejavam a minha visita.

Cursava Psicologia em São Paulo e em breve me formaria, tornando-me o primeiro psicólogo nascido em Passoalto. Todos recordavam disso, fazendo questão de ver-me formado brevemente.

Os pais da Belinha me convidaram a hospedar-me na casa deles por dois dias. Ali passei uma das mais agradáveis noites da minha vida. Ao crepúsculo dormia na casa da minha namorada e durante o dia passava em casa a fim de visitar os meus pais e freqüentava a morada dos meus amigos. Na casa da minha companheira conversava com ela e com os seus pais durante a noite, até que adormecíamos após uma fluente conversação. Falávamos sobre o meu desejo de terminar o curso, de voltar a Passoalto e de casar-me com Belinha. Ao amanhecer, a minha amada me vinha com um grato sorriso, abraçando-me e oferecendo-me as suas carícias.

Dentro de três anos eu estava formado. Alex e Aline, amigos da faculdade, vieram junto comigo a Passoalto, gostariam de conhecer os meus ares que eu tanto falava em minha estadia em São Paulo. Conheceram os meus familiares e os pais de Belinha. Foram ótimos dias aqueles, inesquecíveis.

Ao inaugurar o meu consultório, casei-me com a minha futura. Ela me faz muito feliz. Ao mirar os seus olhos posso conter-me de qualquer melancolia que me aflija.

Na noite em que nos casamos, ela estava ainda mais formosa com o seu vestido cândido e cintilante. Senti-me muito afortunado. Ali estavam presentes todos os meus amigos, incluindo os da faculdade. Abracei cada um deles enredado por um exultante sorriso. A minha senhora disse-me:

— Este é o dia mais feliz da minha vida.

Então lhe beijei, sentindo o seu aroma fascinante.

Hoje está para nascer o nosso primeiro bebê. Não sabemos ainda se é menino ou menina, mas temos a certeza de que o amaremos seja de qual sexo for. O meu anseio é insaturável.

Saibamos, entrementes, que tudo termina feliz como o deveria ser, não que eu possa prenunciar o futuro, mas neste momento somos os mais felizes dos mortais.

Em seguida escreverei os relatos mais exatos sobre o sexo do bebê e sobre a nossa história juntos. Por enquanto são apenas estes os prazeres que relatarei, embora ansioso para saber como prosseguirá o nosso venturoso enredo.

Que tenhamos felicidade e paz!

Ronyvaldo Barros dos Santos


Autor: Ronyvaldo Barros dos Santos


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