RESENHA - REVOLUÇÃO DE 1930: A DOMINAÇÃO OCULTA



RESENHA:

TRONCA, Ítalo. Revolução de 1930: a dominação oculta. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 101. (Tudo é História; v. 42).

Apesar do formato compacto, o trabalho de Ítalo Tronca (1986) é indispensável àquele que deseja um contato inicial com a política em fins da década de 1920 que decretou, concomitantemente, o fim da Primeira República e ascensão de Getúlio Vargas ao poder.

Aparentemente é um tema simples que não deveria propor maior problematização do autor, dado que a versão difundida nos manuais de História estão de acordo com aquela historiografia legada pelos vencedores e, que é largamente aceita no meio social, ou seja, o senso-comum, que nos esconde ou dissimula elementos básicos à compreensão da realidade. Dentre o senso-comum não há quem duvide de que a Revolução de 1930 foi o resultado do devir das classes médias tendo os "tenentes" à sua frente, entretanto, a abordagem de Ítalo Tronca logo de início reconhece que esta interpretação de revolução nada mais é do que uma construção simplista e ideológica do problema.

A argumentação a este respeito no meio acadêmico é consistente; basta que se confrontem as teses de pesquisadores como Bóris Fausto e Francisco Weffort que não consideram em seus trabalhos, respectivamente, Revolução de 1930: Historiografia e História e O populismo na política brasileira; a revolução como devir das classes médias urbanas e dos "tenentes"; porém estes autores, conforme Ítalo Tronca, também caem na armadilha ideológica da história dos vencedores, pois suas interpretações carecem necessariamente, de um instrumento teórico de validação, no caso o "compromisso" firmado entre oligarquias e classes médias na intenção de conduzir o desenvolvimento da Nação. Esta teoria, empregada por Fausto e Weffort, seria resultado da dependência econômica a que os grupos dominantes estavam sujeitos e, que os empurravam obrigatoriamente, à manutenção da política latifundiária. A interpretação que resulta da teoria do "compromisso", para Bóris Fausto, é a do "vazio de poder", no qual os grupos de oposição não teriam autonomia suficiente para governar o Brasil.

Ítalo Tronca é categórico ao desconstruir este raciocínio de "vazio de poder", apoiando-se no trabalho de Edgar de Decca (1930, o silêncio dos vencidos), em que ele expõe uma série de periódicos da oposição ao governo, que antecederam a Revolução de 1930, nos quais apresentam-se uma clara propaganda revolucionária no meio operário, além de que, enfatiza a ação política do Partido Comunista Brasileiro (PCB), juntamente à dissertação de Kazumi Munakata (Trabalhadores urbanos no Brasil e suas expressões políticas: história e historiografia, pelo Programa de Mestrado da Unicamp), tratará de mostrar que no meio operário existia uma efervescência política, da práxis, para a conquista do poder no Brasil e, conforme Tronca argumentará durante o livro e de forma pertinente, isto se refere à existência de uma luta de classes travada no interior do país que tratou de ser apagada da memória popular pela interpretação histórica dos vencedores.

Neste momento cabe perguntar: Quais são os motivos que levaram as elites à "apagar a memória" dos vencidos, ou seja, dos operários, e qual a relação disto com a Revolução de 1930?

As respostas a estas questões encontram-se num complexo processo político descrito pelo autor. Ítalo Tronca a principio, utilizará a dissertação de Munakata para demonstrar o avanço à hegemonia sindical do PCB entre os anos de 1924-28. Até meados dos anos 20 o operariado esteve ligado ao anarco-sindicalismo, que segundo Otávio Brandão, liderança comunista no Brasil, não trazia elementos para a luta contra o capitalismo.

Desta forma, a primeira tarefa do PCB antes de propor a revolução democrático-burguesa no Brasil e de se lançar às disputas parlamentares, seria eliminar seu inimigo histórico, ou seja, os anarquistas. Mas, como liquidar o anarquismo? Ítalo Tronca demonstra que as determinações da Internacional Comunista (IC) de centralização sindical em torno de si, confirmam que a atitude do PCB ao propor uma Frente Única para os partidos operários e sindicatos em geral, era uma maneira de restringir o campo de ação do adversário até que o anarco-sindicalismo não tivesse mais representatividade entre os trabalhadores e, assim, deter a si próprio a hegemonia política entre os trabalhadores e ter condições de brigar nas eleições com o partido oligárquico.

Munakata, interpretando documentos de época, recupera o jogo político no qual o PCB estava inserido, apesar de deixar transparecer um projeto maquiavélico por parte da IC, deve-se lembrar que o período ainda vivia os ganhos, muito recentes, da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, portanto, é inegável que o bolchevique entenda-se como o detentor da fórmula revolucionária. Agora, o que também se deve frisar é de que as determinações centralizadoras da III Internacional Comunista não correspondia às liberdades individuais dos trabalhadores, as quais os anarquistas reclamavam. Se tendenciosa ou não a interpretação de Munakata, o importante para Ítalo Tronca será desvelar que em 1928 o PCB alcançaria a hegemonia política entre os operários; além de que este embate desmistifica o fato de o PCB integrar a oposição do "vazio de poder", deixa claro que em 1928 o Partido Comunista Brasileiro tinha força suficiente para participar de eleições, além de estar por trás de si um consistente programa político, o da Internacional Comunista.

Sobre a hegemonia do PCB, ou a vitória sobre o anarquismo, Tronca observa que se trata de um fenômeno, em parte, secundário, pois o importante é compreender o que queriam os comunistas e o porquê dos vencedores os terem silenciado.

É pela declaração de Astrojildo Pereira, liderança do PCB na década de 20, que constatamos que o partido não gozava de condições de participar das eleições de 1927. Desta forma, é proposta a organização de um bloco operário. Ítalo Tronca percebe que a partir deste momento os interesses do PCB e os interesses reais da classe trabalhadora passam a se distanciar.

Era necessário, entretanto, que os trabalhadores abandonassem suas arraigadas tradições anarquistas, para que o bloco operário pudesse surtir o efeito esperado pelo PCB, era salutar que os trabalhadores encarassem o partido como a vanguarda da classe operária. Para tanto, a estratégia do PCB foi demonstrar à classe que os trabalhadores aos poucos, nesta época, iam tomando consciência de classe e, que isto, era de fato a expressão da necessidade de que os trabalhadores tinham de uma representação parlamentar e seu representante seria, obviamente, o PCB: vanguarda histórica do país naquele momento.

Contudo, Ítalo Tronca, diz que não há indícios de conscientização proletária, aos moldes pregados pelo PCB, naquele momento; e se ela de fato existia, poderia se manifestar por outras vias que não a parlamentar, dado que o anarco-sindicalismo tinha uma forte presença ideológica na classe, comprovado pelo próprio PCB.

Independente de tudo isto, o Bloco Operário encabeçado pelo PCB, acabou por se formar e tinha como proposição fundamental em sua luta o custo de vida, principal reivindicação dos trabalhadores. Propunham desta forma, algumas transformações a respeito dos direitos sociais e do apoio à abertura política com a U.R.S.S.

Ainda em 1927, a Lei Celerada coloca novamente o PCB na ilegalidade, o que provoca o surgimento do Bloco Operário e Camponês (BOC), representante do partido nas atividades públicas. Mais uma vez, a estratégia do PCB faz parecer que são os trabalhadores que formam o BOC como conseqüência de sua própria conscientização. Enquanto representante legal da classe operária, o PCB passa a construir a idéia de aliados e traidores da causa, não aderir ao BOC significava claramente, uma traição.

Cabe ressaltar que nenhum ponto levantado pelo PCB/BOC nega a ordem social vigente, são reformar de caráter reformista, que pedem pela modernização e organização da sociedade.

A força que o PCB/BOC cria, aliando-se à oposição (PD e "tenentes") lhes permitem as condições de intervir perigosamente nas eleições que estavam para acontecer, fato que se realmente ocorresse, desmontaria os esquemas oligárquicos do governo, além de que o programa do PCB/BOC, mesmo que reformista, tinha uma forte carga de reivindicações trabalhistas, o que não agradava a elite.

Ítalo Tronca ressalta a importância de 1928 para o processo revolucionário, expondo o raciocínio de Edgar de Decca, neste ano várias propostas revolucionárias circulam pelo meio social, as quais expressam interesses de classes sociais antagônicas, ou seja, expressam uma real luta de classes. Este fenômeno de múltiplas propostas, conforme de Decca, provoca igualmente diversas interpretações da realidade. No caso do PCB/BOC, sua interpretação histórica é o do desenvolvimento econômico do país ainda em nível semi-feudal (oligarquia), portanto o partido deve propor uma revolução democrático-burguesa, a qual desenvolveria o capitalismo e consequentemente as contradições do capital-trabalho, o PCB/BOC seria àquele a conduzir no Parlamento esta revolução, tendo em sua retaguarda o PD e os "tenentes".

Esta é uma "visão" da realidade, porém de Decca identifica diversas outras para cada grupo em questão e conclui que a Revolução de 1930 não é um fenômeno isolado, mas o resultado do processo de um conjunto de manifestações da realidade. A "história dos vencedores" age neste ponto, ao encobrir estas diversas representações e reduzir o conflito social entre oligarquia e "tenentes", sendo que, desta forma, esconde-se a luta de classes no país. Edgar de Decca diz que a oligarquia é um "fantasma", pois qualquer adversário é considerado um agente oligárquico pela oposição, assim o conceito toma para si uma representação ideológica que tem a função de esconder a contradição capital-trabalho, a luta dos "revolucionários" tem em seu bojo somente a luta contra a oligarquia, é isto que enfraquece seu programa perante os adversários.

Por trás desta concepção de "fantasma" oligárquico existe uma burguesia industrial, considerada débil pelo PCB/BOC, que esta agindo para manter o partido somente em sua luta anti-oligárquica, de forma que não passe a luta direta contra o capital. Assim a oposição (PD) chega até a conceder espaço em seu jornal, O Combate, para que o PCB dissemine suas propostas. De modo, que a oposição poderia melhor manipular o partido e os proletários, enfraquecendo o caráter revolucionário da IC e valorizando a revolução democrático-burguesa na figura de Prestes, enquanto que o PCB/BOC enfraquecia com seu discurso outras tendências operárias revolucionárias, pode-se dizer que o jornal O Combate fez do PCB/BOC uma agremiação estritamente eleitoral, ao fazê-lo participar do jogo político, no âmbito parlamentar, o que historicamente é uma construção burguesa. Foi o grande erro de direção do partido, pois esta atitude lhe rendeu somente a supressão de sua tão sonhada revolução.

Nesse duro e complexo jogo político, o que ocorreu, portanto, foi uma dupla supressão das "vozes dos dominados": de um lado, a própria proposta de revolução democrático-burguesa do BOC desapareceu na história, apagada pela memória dos vencedores; de outro, o BOC atuou também na construção dessa memória ao suprimir as propostas daqueles setores do operariado que se expressavam através dos anarquistas, por exemplo.

(TRONCA, 1986: 78)

Em 1928 é fundado o CIESP (grupo formado pela burguesia industrial) que são contrários às propostas operárias e fazem forte propaganda anti-PCB/BOC, acusando-os de agitadores, logo o Partido Democrático (PD) volta-se contra o PCB/BOC e a "ameaça comunista" que representavam, percebe-se que a burguesia alia-se em torno do capital.

O fato de se suprimir o PCB/BOC e a sua revolução se deve ao fato de que também ele vinha saindo dos limites "revolucionários" estipulados pela burguesia, como observou o CIESP, as grandes greves que aconteceram em fins da década de 20 deixam clara que a contradição capital-trabalho se tornava explicita.

Em 1930, com Getúlio Vargas à frente, a "revolução" nada mais foi do que o aperfeiçoamento burocrático do aparelho repressor movido contra os trabalhadores; a Revolução de 1930 para os operários é na verdade sua própria dominação, o momento em que, ideologicamente, as elites e o próprio PCB, mascaram sob a égide do progresso, a luta de classes em favor de uma provável reforma social. Ítalo Tronca deixa muito claro que "os vencedores" agiram a fim de suprimir da história as contradições do capital-trabalho, através de um discurso que ditava um suposto avanço comunista no Brasil que, logicamente, eram contrários aos princípios da burguesia industrial incorporados à CIESP, com a idéia de Revolução de 1930.


Autor: Rodrigo Vides Vieira


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