A AUSÊNCIA DA FILOSOFIA NA ESCOLA



TÍTULO DO ARTIGO: A AUSÊNCIA DA FILOSOFIA NA ESCOLA

Autor do artigo: Mara Elisa Capovilla Martins de Macedo

Pós Graduada em Gestão Educacional pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, graduada em Educação Física pela UNESP e Pedagogia pela Universidade do Oeste Paulista, Supervisora de Ensino da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo, Diretora Organizacional e formadora da Universidade Internacional da Paz - UNIPAZ, Campus de Presidente Prudente - SP,Coordenadora Local do Progestãona DERPP e membro do Sub-Comitê Estadual do Prêmio Nacional Referência em Gestão Escolar.

Resumo:

Este documento apresenta a escola como espaço de formação do ser humano em todas suas dimensões, e como tal, deve resgatar com urgência a filosofia e seu objeto de estudo – o ser humano, nas suas relações com pessoas e com o mundo, inserindo uma visão transdisciplinar, transpessoal que garanta aprendizagem bem sucedida com a formação do cidadão consciente do seu papel na sociedade e da sua responsabilidade perante as relações. Faz-se necessário recuperar também a pedagogia em seu sentido pleno, conduzindo o aprendiz para o caminho da sabedoria, que é resultado do conhecimento aliado à emoção, soma de mente e coração que propicia uma ação, conciliando efetividade com afetividade, e não do conhecimento simplista, cujo modelo reprodutivista perpetua a exclusão social.

palavras-chave:

Filosofia 1; educação para cidadania 2; sabedoria 3.

ABSTRACT:

This paper presents school as a space essentially of human formation in all their dimensions, and being so,  school then must regain urgently the philosophy and its study aim – the human being in their relationship with others and with the world. From hereon it will be possible to introduce a Tran disciplinary vision that will guarantee  learning that is better succeeded and a more conscious formation of citizenship, elements which will enhance the sense of responsibility towards all kinds of relations. Another important factor to be restructured in school is the plain pedagogy, which leads the learner to the wisdom path, that is, to a kind of knowledge that is allied to the emotions, an add of mind and heart, propitiating the intelligent action, which conciliate effectiveness with affection and which is away from the simplest thinking whose reproductive model perpetuates the social exclusion.

Key words:

Philosophy 1; Education to Citizenship 2; Wisdom 3. 

1. INTRODUÇÃO

Considerando que a educação está posta sobre os quatro pilares propostos no relatório Delors[1] , este artigo tem a pretensão de trazer à reflexão como o sistema de educação, baseado nos valores de outro século, com um currículo escolar, encerrado num modelo compartimentalizado, não leva em conta todas as dimensões do ser humano, não tendo, portanto, sido capaz de formar o cidadão necessário para atuar numa sociedade moderna, diante de sua complexidade e da importância das relações.

Muitas foram as transformações sociais que ocorreram desde a virada do século, quando velhos conceitos foram superados por uma nova forma de pensar o mundo e suas relações. O modelo escolar, no entanto, continua idêntico aos primeiros tempos da educação escolar formal. Distante da realidade, a educação ainda se impõe em velhos trajes.

Adotado o modelo cartesiano, com disciplinas dispostas em gavetas de conhecimento, a escola do século XXI continua a trabalhar o currículo separadamente, com foco em conteúdos colocados a favor do conhecimento e do rigor científico, utilizando o pensamento clássico discursivo do "o quê" e "como" ensinar, sem fazer uso da linguagem transdisciplinar, que incluio terceiro elemento que está sempre entre o "por quê" e o "como", entre o "Quem?" e o "O quê?" (Nicolescu, p.129, 1999).

Alguns saudosistas não conseguem se desvencilhar dos "áureos tempos da educação", porém não consideram que o conhecimento tratado na escola se prestava a formar uma elite. Com a abertura real da escola para todos, a classe popular chegou aos bancos escolares, porém não conseguiu compreender e se apropriar do conhecimento, pois os conteúdos trabalhados estão desconectados da sua realidade e longe, muito longe das suas carências e necessidades, perpetuando uma exclusão velada.

Desta forma, foram se agravando as diferenças e, ao invés de se promover o pensar sobre a realidade, a escola continuou a imprimir um currículo distante e frio, que serecusa ao questionamento e reafirma verdades absolutas que em nada colaboram para diminuir a distância e têm dificuldades para relacionar as coisas e os seres, para promover relações verdadeiras, deixando, assim, de se sustentar nos quatro pilares: saber, conhecer, conviver e ser.

É preciso romper com a função da escola, que Bordieu (in José Manuel Calleja, 2008) considera a serviço da burguesia, quando "o sistema de ensino escolar tornou e torna verdadeiramente compreensíveis os esquemas de pensamento de uma época, consagrando-os como hábitos de pensamento comuns a uma geração."

Segundo o filosofo contemporâneo Jean-Yves Leloup[2] (2002), só podemos mudar, transformar, aquilo que trazemos à luz. Com o advindo das camadas populares à escola, não houve apropriação desse espaço para buscar entender e transformar a realidade. Ao contrário, buscava-se, e talvez ainda continuamos a buscar, aquela escola ideal, com alunos de outrora, sem, contudo, buscar compreender e apreender a realidade.

É bem verdade que a escola tem como função primordial garantir apropriação dos conhecimentos cultural e socialmente produzidos, porém, diante do esgarçamento social em que vivemos, a escola não poderá cumprir sua tarefa primordial sem considerar sua função social, sob pena de continuar a excluir crianças e jovens dos seus bancos, reproduzindo modelos que não são condizentes com a demanda da sociedade moderna.

Não basta apenas a garantia da vaga na escola pública. Muito além, está sob a responsabilidade da educação escolar, segundo Sacristán & Goméz (2000), promover a socialização dos alunos para"... prepará-los para sua incorporação no mundo do trabalho [...]  indivíduos produtivos para que se incorporem à vida adulta e pública [...]" (p.14-15), sendo necessário, portanto, que a escola restabeleça uma verdadeira conexão com a filosofia, e retome a reflexão filosófica como ação educacional, trazendo a reflexão sobre a realidade para que possa cumprir com suas funções:

1. Função reprodutora (socialização do indivíduo): "garantir a reprodução social e cultural como requisito para sobrevivência mesma da sociedade". (p. 14)

2. Função educativa 1 (que eu chamaria de compreensiva): "utilizar o conhecimento para compreender as origens das influências, seus mecanismos, intenções e conseqüências, e oferecer para debate público e aberto as características e efeitos para o indivíduo e a sociedade desse tipo de processo de reprodução"(p.22);

3. Função compensatória: "atenuar, em parte, os efeitos da desigualdade e preparar cada indivíduo para lutar e se defender nas melhores condições possíveis, no cenário social"(p. 24);

4. Função educativa 2 (que eu chamaria de transformadora): "provocar e facilitar a reconstrução de conhecimentos, atitudes e formas de conduta que os(as) alunos(as) assimilam direta e acriticamente  nas práticas sociais de sua vida anterior e paralela à escola"(p.25). Sacristán & Goméz (2000).

2. A AUSÊNCIA DA FILOSOFIA NA ESCOLA

Num modelo escolar onde o espaço físico é distribuído em carteiras enfileiradas, pessoas tratadas como números de chamada, avaliações classificatórias que não se propõem a transformar nada e ninguém, é preciso resgatar com urgência a filosofia e seu objeto de estudo – o ser humano, nas suas relações com pessoas e com o mundo, inserindo uma visão transdisciplinar, transpessoal que garanta aprendizagem bem sucedida com a formação do cidadão consciente do seu papel na sociedade e da sua responsabilidade perante as relações.

Filosofia, segundo o dicionário:

do grego philosophía - amor à sabedoria, pelo latim, philosophia - estudo que se caracteriza pela intenção de ampliar incessantemente a compreensão da realidade, no sentido de apreendê-la na sua totalidade, quer pela busca da realidade capaz de abranger todas as outras, quer pela definição do instrumento capaz de apreender a realidade, o pensamento tornando-se o homem o tema inevitável de consideração. (Ferreira, 1986, p. 779).

Estamos diante de novos paradigmas, na era da física quântica, da teoria da complexidade, da linguagem de sistemas, do discurso da significação dos conteúdos, valorização da cultura do aluno e sua aplicação em experiências cotidianas e, no entanto, os moldes escolares persistentes ainda reproduzem uma cultura desagregadora, competitiva, que separa o ensino de uma vida plena.

Ao contrário, os alunos são colocados numa linha de produção onde o produto final esperado é "x". Os conteúdos são tratados isoladamente, desassociados da realidade, que nem se quer é objeto de estudo, desumanizado em suas concepções, sem nenhum questionamento sobre as ordens ditadas pela sociedade e suas mídias, com pouco espaço para discussões, opiniões e vontades pessoais, em atendimento à massificação do conhecimento e da cultura e formação do indivíduo - consumidor.

A educação, alicerçada no conhecer, fazer, conviver e ser, deve transformar conhecimento em "sophia",que favorece a formação de sujeitos ao permitir o acesso inteligente aos saberes, que questiona a realidade e não aceita respostas prontas, capaz de estabelecer pontes entre os diferentes saberes e seus significados para o cotidiano(conhecer), que pode propiciar um aprendizado para a criatividade, assegurando condições para realização das potencialidades de cada um (fazer), propiciar o aprendizado para viver em conjunto, que muito mais que respeito à diversidade, é aprender a se colocar no lugar do outro (conviver); e, por fim, propiciar um aprendizado para questionar, e questionar, usando a filosofia para fundamentar o ser a partir do conhecimento de si mesmo e da realidade (ser). Segundo Nicolescu (p.147, 1999):

há uma trans-relação que liga os quatro pilares do novo sistema de educação e que tem sua origem em nossa própria constituição de seres humanos. Esta trans-relação é como o teto que repousa sobre os quatro pilares da construção. Se um único destes quatro pilares da construção desmorona, a construção inteira vem abaixo, o teto com ela. E se não houver teto, a construção cai em ruínas. Uma educação só pode ser viável se for uma educação integral do homem, segundo a formulação tão apropriada do poeta rené Daumal. Uma educação que se dirige à totalidade aberta do ser humano e não apenas a um de seus componentes.

Resgatar a filosofia nas escolas a partir de seus princípios antropológicos (sentido da existência humana), axiológicos (teoria dos valores) e epistemológico (conhecimento) é propiciar uma ação educacional reflexiva, que permite aos seus participantes uma postura crítica diante da realidade, colocando a sua disposição um leque de opções sobre sua postura perante a realidade que lhe é apresentada. Segundo Savater (p. 44, 1998), [...] toda filosofia obriga a ver as coisas de cima, para que o olhar abranja o essencial desde o passado até o presente e, talvez, aponte auroras de futuro."

É preciso, segundo Edgar Morin (2002), "promover uma cabeça bem feita, em lugar de bem cheia; ensinar a condição humana, começar a viver, ensinar a enfrentar a incerteza, aprender a se tornar cidadão.

Faz-se necessário recuperar a pedagogia em seu sentido pleno - do grego paidós (criança) e agogé (condução) - conduzindo o aprendiz para o caminho da sabedoria, que é resultado do conhecimento aliado à emoção, soma de mente e coração que propicia uma ação, conciliando efetividade com afetividade, e não do conhecimento simplista, cujo modelo reprodutivista perpetua a exclusão social.

Nesse sentido, cabe à educação propiciar uma reflexão sobre a "Escola do Sujeito" proposta por Touraine (In Di Giorgi, p. 70, 2004), que tem como princípios básicos:

fortalecer a liberdade do sujeito pessoal, unindo motivações e objetivos, a memória cultural com as operações que permitem participar do mundo técnico e da vida social; que ela deve atribuir importância central à diversidade histórica e cultural e ao reconhecimento do outro, enfatizando a comunicação intelectual; e que ela deve ter vontade de corrigir a desigualdade das situações e oportunidades.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se pretendemos uma educação para a cidadania, faz-se urgente modificar o tratamento dado ao currículo escolar, entendendo o conhecimento como um processo maior de compreensão da realidade, onde o respeito e a valorização do saber do aluno são os elementos integradores entre conteúdos, que passam a servir para atender a necessidades presentes e futuras dos alunos e sua relação com as coisas e os seres.

É preciso trazer para os bancos escolares a reflexão das idéias sobre o mundo e o homem, valorizar e fazer uso da curiosidade que os jovens naturalmente têm em compreender e questionar a realidade, retomando e discutindo valores e interpretações acerca da realidade, elementos indispensáveis à sophia (sabedoria em grego).

Dessa forma, o ato de ensinar e aprender transforma-se e amplia-se para uma interatividade, em que professor e aluno se vêem como parceiros de um mesmo processo, em que se buscam melhorias contínuas através da avaliação do foi realizado e o estabelecimento de novos desafios. A escola faz a intermediação entre o conhecimento científico e o conhecimento trazido pelos alunos, valorizando a cultura e favorecendo a troca de saberes. Aprender passa a ser o resultado do encontro de diversos saberes.

É preciso que a escola seja o espaço capaz de promover o encontro de diferentes saberes e faça deste encontro o núcleo da aprendizagem, pois é só através do outro é que aprendemos a ser mais "humanos". Assim, ao cumprir suas funções ela promove o ser humano em todas as suas dimensões, construindo uma sociedade melhor, mais justa, mais solidária.

Sinto-me à vontade para finalizar, para fraseando o antropólogo e psicólogo Roberto Crema[3] (2005), quando diz que não se pode, num jardim, tratar todas as flores como se fossem rosa, nem cultivar rosas para colher margaridas. O educador é mesmo como um jardineiro, que deve propiciar a cada flor que exiba a essência contida em sua semente. Nesse novo paradigma, a filosofia deve voltar às escolas, para propiciar à educação solo fértil para seu imenso jardim, que é belo, pela diversidade de flores e cores que o compõem, pois cada ser traz a beleza de ser o que é e do que traz para acrescentar nesse grande conteúdo que é a vida.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Calleja, José Manuel R. e MONTEIRO, Ana Sebastiana. Bordieu e sua Fundamentação da Função de Integração Cultural da Escola. Universidad de Pinar del Río, Cuba http://www.rieoei.org/deloslectores/715Ruiz108.PDF. Acessado em 02 / 7 / 08.

CREMA, Roberto. Saúde e plenitude: um caminho para o ser. São Paulo: Summus, 1995.

DI GIORGI, Cristiano. Uma outra escola é possível! Uma análise radical da inserção social e da democracia na escola do mundo globalizado. São Paulo; Mercado das Letras, 2004.

FERREIRA, A. B. Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1986.

NICOLESCU, Basarab. O manisfesto da transdisciplinaridade. São Paulo: TRIOM, 1999.

SACRISTÁN, J. Gimeno & GOMÉZ, A. I. Peréz . As funções sociais da escola: da reprodução à reconstrução crítica do conhecimento e da experiência.Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: ARTMED, 2000.

SAVATER, Fernando. O valor de educar. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

WEIL, Pierre. A crise de fragmentação: gênese e propostas de solução. In Weil, Pierre, D'Ambrosio, Ubiratan & Crema, Roberto. Rumo à nova transdisciplinaridade. São Paulo: Summus, 1993.


[1] Relatório elaborado pela "Comissão internacional sobre a educação para o século vinte e um", ligada a UNESCO e presidida por Jacques Delors.

[2] Palestra ministrada no Retiro: DA NORMOSE À PLENITUDE – Brasília, 2002.

[3] Palestra ministrada no Curso A ARTE DE VIVER EM PAZ – Londrina, 2005.


Autor: Mara Elisa Capovilla Martins de Macedo


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