Uveíte secundária à erliquiose canina



REVISÃO DE LITERATURA – Uveíte secundaria à erliquiose canina

Introdução

As uveítes se constituem em oftalmopatias comuns entre os cães decorrem de inúmeras causas. Em nosso meio, destaca-se o processo secundário à erliquiose por Erhlichia canis, transmitida através da picada do carrapato infectado.

A Erhlichia canis é o agente que freqüentemente infecta os cães, localizando-se nas células do sistema retículo endotelial do fígado, baço e linfonodos. Seu primeiro ponto de replicação, por divisão binária, são as células mononucleares e os linfócitos, nos quais geralmente se apresenta na forma de mórula na fase aguda da infecção, em pequeno número e por um período curto de tempo. As formas da doença são classificadas em aguda, subclínica e crônica (ANDEREG e PASSOS, 1999).

Segundo MARTIN (1999), os sinais oculares podem estar presentes em todas as fases da doença e envolve quase todas as estruturas do olho, principalmente a úvea anterior. E para GELATT (2003), uveíte bilateral está freqüentemente associada a doenças sistêmicas, das quais se destaca a erliquiose por Ehrlichia canis.

Patogenia

Quando há uma resposta do hospedeiro a antígenos nas estruturas oculares, as células inflamatórias (eosinófilos, neutrófilos, células mononucleares) e vários mediadores da inflamação (prostaglandinas) alteram a permeabilidade vascular e participam da inflamação ocular (OGILVIE, 2000).

Os mecanismos básicos na patogênese de diferentes formas de uveíte anterior não são ainda completamente compreendidos, mas conforme eles são elucidados, novas oportunidades terapêuticas vão aparecendo. Uma ampla variedade de causas endógenas e exógenas, tanto infecciosas quanto outras quaisquer, são descritas para uveíte (GELATT, 2003).

Causas endógenas surgem dentro do olho ou alcançam a úvea via corrente sangüínea, tendo em conta a maioria dos casos da enfermidade, e inclui doenças infecciosas, neoplásicas, tóxico-metabólicas e auto-imunes (GELATT, 2003).

Um bom exemplo disto é a erliquiose por Ehrlichia canis, transmitida através da picada do carrapato Rhipicephalus sanguineus infectado.

Este agente é uma bactéria da família das rickettsias – parasitos intracitoplasmáticos de leucócitos do sangue circulante. Nos cães, os corpos elementares, que são formas individuais do parasita, penetram nos monócitos caninos por fagocitose. Sem provocar fusão fagolisossomal nas células infectadas, os corpúsculos elementares começam a se desenvolver no interior dos fagossomos, se replicando por divisão binária (ALMOSNY, 2002).

Em três a cinco dias após a infecção, pequeno número de estruturas compactas formadas por estes corpúsculos elementares de 1,0 a 2,5 µm de diâmetro são observadas como inclusões pleomórficas, conhecidos como corpúsculos iniciais. Durante os próximos sete a 12 dias, ocorre seu crescimento e replicação, no interior da inclusão madura, que através da microscopia óptica apresenta a forma de mórula característica do gênero Ehrlichia (ALMOSNY, 2002).

Diagnóstico

O diagnóstico de uveíte é estabelecido com base em um ou mais sinais oculares. Como a resposta ocular a vários insultos é limitada, muitas outras doenças oculares podem parecer similares à uveíte (GELATT, 2003).

Lacrimejamento excessivo, blefaroespasmo e fotofobia são prontamente observados na avaliação ocular do animal, sendo sugestivos de vários graus de desconforto ocular não específico à uveíte.

Os sinais clínicos de uveíte então são: flare no aquoso (turbidez aumentada do humor aquoso); injeção ciliar; hiperemia conjuntival; edema corneano; diminuição da pressão intra-ocular; diminuição da visão; hifema; hipópio; alteração na coloração da íris (usualmente escurece); aumento do volume da íris; precipitados ceráticos; miose; dor; efusão coroidal; granulomas; neurite óptica; opacidades vítreas; hemorragia retiniana, embora não sejam sinais patognomônicos (GELATT, 2003).

Exames como avaliação citológica, cultura para fungos e bactérias do humor aquoso, aspiração vítrea ou alguma combinação destes podem ser benéficos na determinação da causa da uveíte (GELATT, 2003).

Pressão intra-ocular diminuída é uma das indicações mais precoces de uveíte. Os mecanismos exatos para diminuição da pressão intra-ocular são indeterminados, mas propõem-se mecanismos que incluem a diminuição da produção do humor aquoso, com quebra da barreira hemato-aquosa e aumento do fluxo uveoescleral mediado em parte pelas prostaglandinas (GELATT, 2003). Para mensuração da pressão intra-ocular é necessário um aparelho chamado Tonômetro.

Após o diagnóstico de uveíte ter sido estabelecido, o clínico deve tentar identificar a causa. Uma história completa do paciente e exame físico geral são indicados em todos os casos, além de um hemograma completo, bioquímica sérica, urinálise e radiografias torácicas objetivando uma avaliação mínima que seja para a uveíte em casos suspeitos de doenças sistêmicas (GELATT, 2003).

O diagnóstico laboratorial da erliquiose canina, por sua vez, é realizado através da observação de mórulas em esfregaços de sangue periférico. Esta análise direta é bastante fidedigna uma vez que, no início da fase aguda, o diagnóstico sorológico pode mostrar-se negativo (ALMOSNY, 2002).

A imunofluorescência indireta mostra-se útil na fase crônica com excelente especificidade e grande sensibilidade. Atualmente este é o método mais sensível e específico no diagnóstico da erliquiose (ALMOSNY, 2002).

Profilaxia

A erliquiose é comum em nossa região. Um dos métodos eficientes de profilaxia é informar ao público a maneira de se combater o carrapato. É importante então, se atentar para este fato, uma vez que a erliquiose pode causar uveíte em vários casos, podendo evoluir para um quadro mais grave se ambas não forem tratadas, por isso se faz necessário consultas de rotina a cada 6 meses para avaliação do estado geral e realização de exames.

Tratamento

Uma vez a causa específica da uveíte sendo identificada, a terapia deve ser instituída (GELATT, 2003). Segundo OGILVIE (2000), um tratamento tópico ou sistêmico deve ser estabelecido, em que na ausência de ulceração corneal, corticosteróides são indicados para reduzir a inflamação ocular.

Os corticosteróides tópicos que podem ser utilizados para o tratamento da uveíte anterior no cão são a Dexametasona 0,1% e a Predinisolona 1%, quatro a seis vezes ao dia (GELATT, 2003)

A atropina também é indicada por seus efeitos midriáticos e cicloplégicos, dilatando e fornecendo mobilidade à pupila para diminuir sinéquias posteriores, diminuindo assim a dor ocular e estabilizando a barreira hemato-aquosa (GELATT, 2003).

Como indicamos a uveíte como secundária à erliquiose, esta deve ser também o foco do tratamento. Várias drogas efetivas estão disponíveis para o tratamento da erliquiose canina: tetraciclina, oxitetraciclina, doxiciclina, minociclina, dipropionato de imidocarb e clorafenicol. A doxiciclina é administrada oralmente em baixas doses nos casos agudos e em doses elevadas nos casos crônicos e tem sido efetiva em alta porcentagem de cães infectados (ALMOSNY, 2002). A posologia da doxiciclina apresenta-se com dose variando entre 3 e 5 mg/kg, via oral, com intervalos de 12 horas (SPINOSA et al., 2002), por um período de 21 dias.

O Clorafenicol tem sido recomendado para o uso em filhotes com menos de cinco meses de idade quando pode ser mais efetivo do que a tetraciclina na eliminação da infecção. Entretanto existem autores que se referem a este como opção secundária (ALMOSNY, 2002).

O Dipropionato de imidocarb tem sido utilizado com sucesso no tratamento da erliquiose. Autores afirmaram que, com uma única aplicação por via intramuscular, 83,9% dos cães têm se recuperado. Cães tratados com esta droga têm tido menos recidiva do que aqueles tratados com tetraciclina (ALMOSNY, 2002).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMOSNY,N. R. P. Hemoparasitoses em Pequenos Animais Domésticos e como Zoonoses. 1. ed. Rio de Janeiro: L. F. Livros de Veterinária, 2002. p. 14- 40.

ANDEREG, P.I.; PASSOS, L.M.F. Erliquiose canina – Revisão. Clínica Veterinária, n.19,1999 p.31-39

DIAS, D. G. Comparação de Técnicas de Centrífuco-flutuação (FAUST) e Flutuação espontânea (WILLIS) para Diagnóstico de Parasitoses Intestinais em Cães, 2005 < Disponível em: http://www.ufpel.edu.br/cic/2005/arquivos/CS_00654.rtf > Acesso dia 4 de out. de 2008.

DIMANTAS, M. A. P. Uveítes Anteriores Associadas a Doenças Sistêmicas: Scielo, 2003 < Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abo/v66n2/15481.pdf> Acesso dia 2 de out. de 2008.

GELATT, K. N. Manual de Oftalmologia Veterinária. 3. ed. São Paulo: Manoele, 2003. p. 197-211.

MARTIN, C. L. Ocular manifestations of systemic disease. In: GELATT, K.N Veterinary ophtalmology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 1999. p.1408-1409.

MENDONÇA, C. S. Erliquiose canina: Alterações Hematológicas em Cães Domésticos Naturalmente Infectados:Bioscience Journal, Uberlândia, 2005. Vol. 21, n.1, p.167-174 < Disponível em: http://www.biosciencejournal.ufu.br/include/getdoc.php?id=797&article=240&mode=pdf ->. Acesso em 5 de out. de 2008.

OGILVIE, T. H. Medicina Interna de Grandes Animais. 1. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 300.

ORIÁ, A.P. Uveítis in dogs Infected with Ehrlichia canis: Cienc. Rural, Santa Maria, 2004. vol.34., n.4<Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84782004000400055&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em2 de out. 2008.

SPINOSA, H. S.; GÓRNIAK, S. L.; BERNARDI, M. M. Farmacologia Aplicada à Medicina Veterinária. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. p. 422.

THRALL, M. A. Hematologia e Bioquímica Clínica. 1. Ed. São Paulo: Roca, 2007.

VIGNARD-ROSEZ, K.S.F.V. Erliquiose Canina. 2002.< Disponível em:http://www.cepav.com.br/br/paginas_internas/textos_tecnicos/erliquiose.html>. Acesso dia 5 de out. de 2008.


Autor: LEANDRO C. BRAGA


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