Bob Reiss – Um Nova-iorquino Na Amazônia Brasileira



Ao narrador, cabe a manipulação, ou seja, o fazer persuasivo: ao leitor, cabe o fazer interpretativo. O narrador edifica, no decorrer de todo o discurso, um dispositivo veridictório e deixa marcas, no texto, para serem encontradas e interpretadas.
Marisa Martins Gama-Khalil

The Road to Extrema é o resultado da busca, apreensão e manipulação feita por Bob Reiss, aos dados amazônicos e nova-iorquinos. Na capa desse livro, na parte frontal, há uma fotografia aérea da BR-364, o que está em consonância e traduz o seu título. Na parte de trás, há três comentários de intelectuais norte-americanos: Alex Shoumatoff, Thomas Lovejoy, diretor do Instituto Smithsonian e Andrew Revkin, autor de The Burning Season. Shoumatoff reconhece que o tema central do livro - explorar a relação entre a Amazônia e Nova Iorque, a última floresta natural do mundo e a grande selva humana – é interessante e pioneira. Há uma grande necessidade de examinar esses tipos de interações. Para ele, Reiss inicia esse desafio literário de forma legível, e no processo, introduz o leitor em muitos diálogos de ambos os lados, na luta pela Amazônia. Thomas Lovejoy ressalta que é um relato magnífico que se inicia nos campos de ouro da Amazônia para os hospitais em Nova Iorque. A alteração do meio ambiente amazônico é complexa e intensamente humana. Ninguém pode jamais entender a crise da floresta ao menos que possa sondar essa dimensão. Para Andrew Revkin, The Road to Extrema é como a própria floresta – uma rica tapeçaria de elementos entrelaçados que se torna mais assustadora, confusa e fascinante quanto mais perto você olhar.

Na contracapa há uma espécie crítica misturada com resumo que traduzimos, indiretamente, para a língua portuguesa.

Nessa dramática jornada na estrada de sonhos que se tornou um pesadelo, Bob Reiss traz à tona os conflitos do crescimento e conservação no Terceiro Mundo e as liga às conseqüências do outro lado do planeta.

The Road to Extrema conta a história de pessoas na Amazônia e pessoas nos Estados Unidos da América. Explora os interesses da colisão política, econômica, científica e ambiental ao longo da mais controversa estrada na América do Sul – a BR-364, que corta a floresta tropical brasileira. Viajando 300 milhas em linha reta na selva, Reiss encontra um caótico microcosmo onde a população humana está explodindo, enquanto espécies de animais estão desaparecendo; onde o progresso na guerra contra a pobreza, desnutrição e doenças, envolve a destruição da natureza; onde o governo tem perdido o controle para os banqueiros, construtoras e os fora-da-lei.

Cortando para frente e para trás, entre a mais intensa selva natural do mundo, e uma das maiores selvas humanas, Nova Iorque, The Road to Extrema dar uma face humana à divulgação global da co-evolução e desenvolvimento sustentável. Cada história ilustra diferentes aspectos da destruição da floresta. Encontramos um invasor procurando abrigo para sua família em uma choupana suja da cidade; uma nova-iorquina de dezesseis anos de idade, (no Centro Médico da Universidade de Nova Iorque),  lutando contra o câncer, com drogas vindas da floresta; uma bióloga tentando salvar os pássaros numa área de construção da represa de uma hidrelétrica; um banqueiro na Wall Street, contraindo débito para pagar com a natureza; um acusado de assassinato na Amazônia lutando para vencer na luta pela terra; um homem advertindo, na Madison Avenue, que o protetor solar deteriora com a elevada temperatura da Terra; Índios em suas malocas na selva, vítimas fáceis de doenças trazidas pelos turistas; e um policial desarmado patrulhando a bem-denominada cidade fronteiriça, Extrema.

Milhares de pequenos atos ajudaram a destruir as florestas, escreve Reiss. Milhares de pequenos atos podem ajudar a salvá-las. De uma grande corrida ao ouro na selva para os Encontros em Nova Iorque; do pobre seringueiro aos políticos, engenheiros, cientistas e ambientalistas dos Estados Unidos; do Terceiro Mundo ao aquecimento global; dos esforços médicos para mudar a moda causada pelo declínio atmosférico, The Road to Extrema é um significante e informativo relato de nosso risco comum em poucas milhas de estrada ao longo da Amazônia Ocidental.

Diante desse quadro, que resume e ao mesmo tempo redime a América do Norte de qualquer feito para contribuir com o aquecimento global, a Amazônia transforma-se em um verdadeiro caos. A construção da estrada dos sonhos, transformara-se em pesadelos. Nervoso e lapidado, o trecho traduzido reflete a grandeza da selva humana em Nova Iorque e a imensidão das florestas tropicais no Brasil. A busca pelo culpado pela mudança climática, ainda, continua. Construindo um rosto humano para a questão ambiental e o amarrando às cordas do desenvolvimento sustentável, desejam decidir pelos amazônidas e brasileiros. Com essa relação dicotômica estabelecida - Primeiro Mundo e Terceiro Mundo, a idéia maniqueísta continua. Como em uma gangorra, a Amazônia desce e Nova Iorque sobe. Façamos nosso resumo do livro.

The Road to Extrema, com um narrador em primeira pessoa que mescla discursos diretos e indiretos, é um livro não-ficcional espetacular que reúne, como já fora dito, histórias de amazônidas ou de migrantes e histórias de nova-iorquinos. Começando por uma visita à Represa de Samuel, em companhia da bióloga e pesquisadora Rosa Lemos, Reiss destaca o cenário de desolação em contraste com a beleza da floresta, dos pássaros e dos gastos para a construção de hidrelétricas na Amazônia. Não esquece de alertar que a floresta amazônica está encolhendo a cada ano. Termina o primeiro capítulo com uma interrogação de Rosa Lemos: when are they going to turn on that dam1? Segue para a zona leste da cidade, após alguns dias, em companhia de Birmázio Fábio Filho, um migrante nordestino que tinha vindo para Porto Velho naquela época e estava em busca de um terreno para a construção de moradia de sua família. Nessa passagem, Reiss, em um desabafo orgulhoso, afirma que os Estados Unidos levam duzentos anos para transformarem uma população rural em urbana, enquanto o Brasil faz isso em vinte anos.

Continuando sua jornada, Bob Reiss visita os Karitianas, nação indígena que vive em uma reserva no estado de Rondônia e se surpreende com as formas de representação do índio. Denuncia, também, o descaso do Governo e, instigado pelo médico da FUNAI, que diz ser a história dos Karitianas a história de qualquer tribo do Brasil, transcreve a história que ouviu de Cizinio Karitiana sobre a origem dos homens na Terra. Dessa parte, a narrativa é engendrada no Centro Médico da Universidade de Nova Iorque, no oeste de Manhattan. Nos cinco hospitais e clínicas para o tratamento de pacientes com câncer, mais de cinco mil desses pacientes são tratados com drogas vindas da Amazônia. Darlene Huertas e Andrew Von Bassion são personagens reais que recebem o tratamento contra o câncer. Talvez eles encontrem uma daquelas flores, diz Darlene no fim do capítulo, na esperança de que na Amazônia esteja a cura para o câncer.

Dos hospitais de Nova Iorque, Bob Reiss vem direto para os campos de ouro em Rondônia. Descreve, rapidamente, alguns acidentes ocorridos nos garimpos durante sua estadia no barco que o leva para os garimpos do rio Madeira. Afirmando que não existe palavra correspondente em inglês para garimpo e diz que significa também, estado mental de euforia, o boom de anarquias, etc. Fica surpreso com a ostentação tanto de lojas que compram ouro quanto de pessoas ornamentadas com jóias de ouro. Visita a Prefeitura de Porto Velho e entrevista o prefeito Chiquilito Erse, em cujo pescoço brilhava um cordão de ouro. De volta a Nova Iorque, narrativa prossegue. Reiss relata casos de pessoas que não conseguiram dormir durante a noite devido o calor. O aumento “desenfreado de crimes na ‘Big Apple” devido à elevada temperatura: on hot nights, crime rose in New York2 (p.123). Descreve as opiniões da Nasa, de físicos, de cardiologistas e ecologista e termina o capítulo dizendo que ao chegar a sua casa, no Brooklyn, em Nova Iorque, encontra sua esposa no quarto com o ar condicionado ligado. It’s too hot to go out,she said3.

De volta à BR-364, vai para a fazenda Santa Carmem em busca de provas para o que os ecologistas haviam anunciado. Nesse espaço, Reiss descreve a fauna, flora e as pessoas. Lembra a SUDAM, projeto governamental de ajuda ao desenvolvimento amazônico e o INCRA, projeto de reforma agrária. Entrevista o proprietário e alguns funcionários da fazenda, terminando essa parte, com um ligeiro aceno para as matas em volta, ainda para serem derrubadas. Em seguida, estabelece uma relação entre os bancos que concedem empréstimos em defesa da floresta. Uma parceria nunca realizada antes entre conservacionistas e banqueiros, para a preservação das florestas em perigo.

Para Extrema, uma cidade de colonos e serrarias, na divisa entre os estados de Rondônia e Acre – (ninguém sabia a qual estado pertencia) - Reiss viajou na esperança de encontrar a famosa a Polícia Florestal. Em companhia do único agente desarmado – Roberto Vital – visitou uma área de floresta desmatada e presenciou uma conversa entre o proprietário da terra e o policial.  Desse quadro, conecta-se com Nova Iorque, onde médicos, farmacêuticos e simpatizantes lutam pela conscientização da população em relação aos danos causados à pele pelo sol. Na Avenida Madison, um homem alertava para o uso protetor solar. Órgãos não governamentais alertavam a população para que se protegessem dos raios solares. Em contraposição, as agências de moda lançavam produtos de beleza e roupas que deveriam ser usadas. 

No distrito de Nova Califórnia, cidade às margens da BR-364, depois de Extrema, Reiss entrevistou uma família de seringueiros. Com esse material escreveu o XI capítulo – The Rubber Tapper 4. Com a história de vida de dona Josefa, uma mulher seringueira e artesã (fazia sapatos com o látex da Hevea brasilienses), e com discursos de outros moradores do lugar, Reiss congelou imagens de uma vida na floresta tropical. Costurando várias falas de personagens internacionais e nacionais Reiss se preocupa com o que poderá acontecer, no futuro, às florestas, se a população amazônica continuar a crescer e a se utilizar dos produtos florestais. Ainda na selva, entrevista João branco, um fazendeiro do Acre, que era um dos acusados do assassinato do líder sindical que, conforme Esteves, foi o primeiro brasileiro a ganhar o prêmio global 500, da ONU, e o da Sociedade para um Mundo Melhor, da Grã-Bretanha, em reconhecimento de sua luta pela preservação da Amazônia. Nessa sessão de entrevistas, conversou com Roberto, o responsável pela guarda de uma testemunha do crime – o garoto Genésio, que trabalhava na fazenda do fazendeiro Darli, outro acusado do assassinato.

Ainda preocupado com a floresta, Bob Reiss conversa com os membros da Rain Forest Aliance, em Nova Iorque. Um grupo de intelectuais americanos preocupados com a salvação da floresta tropical brasileira. Antes de entrar no último capítulo, Reiss se encontra com um botânico – Goug Daly- que estudava a relação entre o homem e as plantas, e entre estas e a economia mundial. Descreve, ainda, a situação de migrantes nos Estados Unidos a partir de Julio, um salvadorenho que trabalha como jardineiro em Nova Iorque. Assim, preocupado com essa invasão de estrangeiros em seu país, profetiza: as rain forests go down all over Latin America, thousands more Julios will be heading north5 (p.216).

Antes de escrever o último capítulo de seu livro, Bob Reiss conversa com Doug Daly, um professor universitário que estava no Acre procurando por plantas medicinais. Um o penúltimo capítulo é dedicado a essa pesquisa e intercâmbio cultural entre os dois países.

Doug Daly had two purposes in the Acre forest: He was teaching part of a course on how to study jungle plants and animals, sponsored jointly by the New York Botanical Garden, the University of Acre, and the University of Florida, and he was scouting unofficially for the National Cancer Institute, memorizing potential plants to include in the program. Brazil had not yet allowed NCI researchers in the country, but an agreement was been negotiated 6(p.264).           

The Last Mile, ultimo capítulo de The Road to Extrema, se transforma em uma espécie de redenção e autocontemplação do autor-narrador. Seguro, em sua casa, declara:

I’ve always loved travel books, the kind where a writer journeys far from home, has adventures, and comes back. At the end, safe with his family, he contemplates the gap separating the place he visited and the place where he lives. London and Tibet. San Francisco and the Andes. They seem so far apart, it’s almost as if he never went.

In my own case the opposite happened. When I return from the Amazon I felt closer to it. Over three thousand miles separate Acre and Rondônia from New York, but they are closer too. If I boarded a jet at Kennedy Airport, I could be in Porto Velho faster than I could than I could reach Denver if I drove.

That was the first lesson. To preserve rain forests, we must destroy their illusions: that they are protected by magical distance. That they are unconnected to life thousands of miles away 7(p. 278).    

Finalizando a obra, Bob Reiss lembra a imagem amazônica apreendida por seus olhos apropriadores. A imensidão verde, a curva dos rios em formato de S, os buracos na floresta desmatada, as cabanas, o arco-íris e a história contada a ele por um índio: as árvores seguram o céu, contou-lhe o indígena. Se cortarmos as árvores, os céus caíram sobre os homens.

Como a maioria dos estrangeiros viajantes que passaram pela Amazônia, embriaga-se com a imensidão verde e não ficaria surpreso, diz Reiss, se visse dinossauros na floresta. Uma espécie de saudosismo e burrice apodera-se do jornalista, que ainda dentro do Boeing 727 da Varig, declara: We broken from the clouds. I wouldn’t have been surprised to see dinosaurs below8 (p.12).  Embevecido, tanto pela vastidão verde da floresta, quanto pelo fato de estar chegando à Amazônia brasileira, Reiss suspira, provavelmente, extasiado diante tal grandeza natural. Surpresas e julgamentos de valor que inferiorizam os sujeitos amazônidas, suas formas de vida, a política e a própria cultura amazônica são, em muitos enunciados dentro dessa contação, visivelmente, marcas de um narrador presunçoso e metido a sabichão. Não compreendendo o contexto em que havia se metido, inventa mais uma Amazônia – a Amazônia discursiva vista por um americano intruso nos anos finais de 1980. De fato, não houve transformação da Amazônia em outra. Cada indivíduo procura o que quer ver, pois ao olhar para determinado objeto, o julga, impossibilitando a si mesmo de ver, verdadeiramente, o que se apresenta aos seus olhos Seria impossível olhar sem julgar? Então, uma câmera chega a ver mais que o olho humano, uma vez que não julga o que capta. Sejamos, portanto, câmeras. Finalizamos nossa trajetória em cima do livro de Bob Reiss, esperando que a semente do desejo pelo conhecimento de obras que têm como tema a Amazônia, tenha sido plantada em cada leitor.

REFERÊNCIA

REISS, Bob. The Road to Extrema. New York: Summit Books, 1992.


Autor: Eliomar Rocha


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