Defuncti.



Sou um homem morto.

Não porque alguém matou.

Nunca fui outra coisa.

Já tentaram me matar

 Mas não se pode.

 Sempre fui homem morto.

Quando passava nas ruas

 Via as pessoas me olharem.

 Mesmo não me vendo,

Nunca poderiam se livrar.

Apesar de tudo isto

     Tenho sido convocado.

Já que não tenho nome.

Chamaram pelos mais variados

Mas só gostei d’um.

Só me deixo chamar por R..

 

Gosto de mangas longas.

Para esconder marcas.

Da tortura.

Do tempo.

Da memória.

De você.

Escondo cortes.

 Arranhões.

 Queimaduras.

No pulso.

Na barriga.

De tédio.

De amor.

Amei pouco.

Aparentei muito mais do que senti.

 

Suava muito.

O calor me matava mais.

Assim como a chuva.

 Nada mais.

 Logo ficava fedendo.

Todos fugiam para longe.

Sentado sozinho.

Solitário e feliz.

Mortos fedem

Fedem demais.

 

Não se fala mal dos mortos.

É verdade.

Mas de mim falavam.

Porque não me conheceram.

Porque sempre fui morto.

Defunto impertinente.

Me odiavam por isso.

Mesmo morto,

Nunca fui santificado.

 

Defunto.

Nunca tive estória.

História. Velório.

Nem uma reza.

Por isso ando por aqui.

Não vejo graça nenhuma na morte.

Nem na outra coisa.

Vejo nos rostos deles.

Tão mortos quanto eu.

 

Os mortos não dormem.

 Abrem os olhos.

 Permanecem no escuro.

 Pensando sem dormir.

 Esperando o dia nascer.

Que Demora muito.

 Parece não chegar, mas chega.

 De dia fingimos que somos outros.

 Que não estamos mortos.

 

 Esta maldição não é minha.

 É sua.

 Fadada a me acompanhar.

 Morto e revirando na cama.

 Sem conseguir te olhar.

 Te admirar.

 Como sempre quis.

 Já foi alguma vez?

 Todos mortos.

 Só eu que sei de tudo isso.

 

Irônico.

Acordo e visto roupa.

Não me importo.

Mesmo nu não me importo.

Reclamo de tudo.

Reclamo de mim.

Mesmo sem espelho,

Reclamo.

 

Sento sozinho na praça.

Porque sou fedorento.

Começo a pensar.

Leio. Escrevo.

Ouço as estórias dos outros.

Finjo me importar.

Mas, coisa nenhuma importa

Pessoa;

Cidade;

Verdade;

Pois não nasci para nada.

 


Autor: Rafael de Andrade


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