CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO JURÍDICO DA AFETIVIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88



I – INTRODUÇÃO

Este artigo busca analisar a atual relevância dada ao princípio da afetividade no que atine ao direito de família, uma vez que este passou a ser o cerne do conceito de família e de suas concepções hodiernas.

O trabalho trará, a priori, o conceito de família e sua evolução no decorrer das transformações de nossa sociedade; depois de elucidado tal conceito, será apresentado o novo enfoque dado ao Direito de Família após a constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana. Por fim, mostrar-se-á a ênfase que vem sendo dada ao princípio da afetividade no que tange ao Direito de Família, apresentado sucintamente quais as principais esferas em que esse princípio atua.

As informações aqui apresentadas foram conseguidas através de pesquisas, obtidas de diferentes fontes, realizadas entre novembro e dezembro de 2007.

II. REPRESENTAÇÃO FAMILIAR NA SOCIEDADE BRASILEIRA

Durante séculos, o conceito de família esteve consubstanciado na noção de casamento, conjunto de pessoas ligadas a um casal unido através do matrimônio. Também vinha à mente a imagem da família patriarcal, na qual o pai era figura central, e tinha a companhia de sua esposa, além de estar rodeado de filhos, genros, noras e netos. A família matrimonial era a única entidade familiar existente e costumava se formar por interesses patrimoniais, políticos ou de procriação, sendo composta pela tríade pai – mãe – prole, conforme elucida Pontes de Miranda.

Às vezes exprimia a reunião das pessoas colocadas sob o poder pátrio ou manus de um chefe único. A família compreendia, portanto, o pater familias, que era o chefe, os descendentes ou não, submetidos ao pátrio poder, e a mulher in manu, que se considerava em condição análoga à de filha: loco filiae. O pater familias e as pessoas sob seu poder eram unidos entre si pelo parentesco civil (agnatio). (MIRANDA apud GRUNWALD).

Esse conservadorismo existente, calcado na estrutura patriarcal, casamentária e hierarquizada, levou o legislador, ao redigir o Código Civil de 1916, a reconhecer juridicidade apenas ao matrimônio. Desta feita, a lei passou a identificar a família como a relação decorrente do casamento. Nesta compreensão de família, existia um julgamento que não era científico, mas sim moralista, pois utilizava um padrão como referência e considerava os outros inadequados.

Nota-se, nesta conjuntura, que a família era considerada indissolúvel e percebida não apenas pelos laços de sangue, mas também pelo patrimônio que fora construído por seus genitores, como elenca Michelle Perrot, "a família, como rede de pessoas e conjunto de bens, é um nome, um sangue, um patrimônio material e simbólico, herdado e transmitido. A família é fluxo de propriedade que depende primeiramente da lei" (PERROT apud GRUNWALD).

Entretanto, a família sofre as interferências do mundo social e de novas realidades históricas, as quais vão produzindo pessoas diferentes e novas subjetividades. A conquista da mulher ao direito de voto e a sua inserção no mercado de trabalho foram alguns dos marcos que fizeram com que as formas familiares se multiplicassem, não apenas no sentido jurídico, mas também no seu modo de organização.

No contexto atual, os papéis de pai/mãe, marido/mulher já não são bem definidos como eram na época do patriarcalismo. São inúmeras formas de estruturas familiares vigentes: família de pais separados, família chefiada por mulher, nuclear, extensa, etc. Desta feita, o modelo familiar patriarcal, assim como os valores morais que o embasaram foram superados.

Atualmente o conceito de família é entendido de forma ampla, desvinculando-se, destarte, de um modelo familiar legalizado pelo Código Civil de 1916 e unicamente modificado por leis esparsas. Esse atual conceito passou a ser tutelado pela Constituição Federal/88, que garantiu a família proteção em suas diferentes formas de constituição e de reconhecimento.

III. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A FAMÍLIA NO ÂMBITO CONSTITUCIONAL

A Constituição da República Federativa do Brasil erigiu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art.1º, inciso III, da CF), constituindo-se o ápice do nosso ordenamento jurídico. Tal princípio, como valor supremo que é, "deve informar todas as relações jurídicas e está sob seu comando a legislação infraconstitucional", conforme dispõe Gustavo Trepedino (1999, p.47 e 48).

O Direito da Família, consoante a tendência personalista do Direito Civil, "assumiu como seu núcleo axiológico a pessoa humana e como seu cerne a dignidade humana" (PEREIRA, 2005).

Sendo a família a responsável por desempenhar papel primordial na transmissão da cultura, ideologia e na formação do caráter e valores do indivíduo, esta tornou-se umimprescindível instrumento de consolidação do princípio da dignidade da pessoa humana e de transmissão de tal conceito à sociedade.

Assim sendo, todos os outros princípios constitucionais do Direito da Família devem ser edificados à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, já que aqueles visam à plenitude da realização da dignidade e da personalidade de cada integrante da família:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar. (MORAES, 2004. p.52)

Nesse diapasão, a Constituição Federal/88 promoveu significativas mudanças na concepção de família, buscando a reconstrução dos preceitos existentes acerca do conceito de família, a fim de inserir nessa nova conceituação o princípio da dignidade da pessoa humana, privilegiando a prevalência do indivíduo em detrimento do objeto:

Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[...]

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

A Lei Maior, diante da necessidade de reconhecer a existência de entidades familiares fora do casamento estendeu o conceito de família, passando a reconhecer as relações monoparentais (composta por qualquer um dos pais e seus descendentes), o que acabou distanciando a idéia de família da necessidade do matrimônio; e a união estável entre homem e mulher, transpondo a juridicidade ao relacionamento existente antes do casamento.

A ruptura do paradigma da família tradicional, caracterizada por concepções patriarcais, ou até mesmo biológicas (família como sinônimo de procriação), aferiu maior relevância ao princípio da afetividade, como preleciona Oliveira (2002, p.233):

A afetividade, traduzida no respeito de cada um por si e por todos os membros – a fim de que a família seja respeitada em sua dignidade e honorabilidade perante o corpo social – é, sem dúvida nenhuma, uma das maiores características da família atual.

Corrobora Perlingiere (2002, p.243) acerca da tutela constitucional garantida à família:

A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem. O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas, que se traduzem em uma comunhão espiritual e de vida.

Depreende-se, portanto, que as modificações introduzidas na Constituição de 1988 deram maior relevância ao princípio da afetividade, tornando-o fundamento primordial nas relações familiares.

IV. DIMENSÕES CONSTITUCIONAIS ACERCA DO PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

Tendo em vista o acima exposto, pode-se perceber que a atual tendência da família contemporânea é a sua composição baseada na afetividade.

No contexto do mundo contemporâneo, com a inserção da mulher no mercado de trabalho, os avanços da engenharia genética, os métodos contraceptivos e a ruptura da concepção patriarcal da família, foram rompidos os paradigmas a que a família estava submissa: reprodução, casamento, sexo, como já exposto alhures. Atualmente, não há necessidade de haver casamento, ou mesmo dos filhos serem biológicos, ou ainda, da presença do pai e da mãe para que possa se configurar uma família. Diante dessa pluralidade do conceito de família, emprestou-se juridicidade ao vínculo de afeto que enlaça as pessoas. Maria Berenice Dias (1997, p.301) escreve: "[...] amplo é o espectro do afeto, mola propulsora do mundo e que fatalmente acaba por gerar conseqüências que necessitam se integrar ao sistema normativo legal".

Silvana Maria Carbonara (1998, p.286) fala sobre o afeto como um novo elemento a ser considerado juridicamente:

Ganhou dimensões significativas um elemento que anteriormente estava à sombra: o sentimento. E, com ele, a noção de afeto, tomada como um elemento propulsor da relação familiar, revelador do desejo de estar junto a outra pessoa ou pessoas, se fez presente.

A Constituição Federal intensificou esse entendimento no âmbito jurídico, protegendo o afeto em três esferas, a saber: como direito individual, como direito de certas categorias sociais e como direito de todos contra todos.

Ainda que a palavra "afeto" não conste na Lei Maior como um direito fundamental, pode-se dizer que este decorre da valorização do princípio da dignidade da pessoa humana e "merece ser visto como uma realidade digna de tutela" (DIAS, 2006).

"O afeto é primariamente uma relação entre indivíduos que se afeiçoam" (BARROS, 2005). Logo, a Constituição o protege como um direito individual, trata-se de uma liberdade constitucional implícita, cujo respaldo é encontrado no § 2º do art. 5º.[1]

Contudo, o afeto não deve ser visto unicamente como uma liberdade individual, uma vez que se desenvolve e evolui como uma relação social, gerando direitos e obrigações acerca de vários bens, quais sejam: alimentos, moradia, saúde, etc. Deste modo, a afeição, através de sua função social inerente, evolui para além do direito individual e entra na dimensão dos direitos sociais.

Tendo por base a função social do afeto, Barros (2006) preleciona:

Com esse fundamento é que o art. 229 da Constituição determina que "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade". Também é por esse fundamento que o § 6º do art. 227 equipara os filhos, inclusive os adotivos. Igualmente, porque o afeto tem função social, gera responsabilidade social, a Constituição abrigou a união estável e a família monoparental e não impede reconhecer outras categorias de família geradas pelo afeto, como a família anaparental (entre descendentes privados de ambos os pais) e a família homoafetiva (entre pessoas do mesmo sexo).

Por fim, o afeto difunde-se na sociedade como um fator de solidariedade, o que faz com que a Constituição o ampare como um direito difuso, ou seja, direito do gênero humano.Nessa dimensão, o afeto gera responsabilidade solidária, assumindo compromisso com o gênero humano.

No que concerne à hodierna função social da família, a Constituição Federal preconiza os fundamentos essenciais do princípio da afetividade:

Art. 226.

[...]

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Art. 227.

[...]

§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

À luz dos dizeres de Barros acerca da função social do afeto, e tomando como base os fundamentos constitucionais supracitados, pode-se inferir que a Constituição Federal/88 prevê relações familiares fundadas no afeto.

Acrescenta-se, também, que a dimensão do afeto, como princípio constitucional que é, deve ser julgada tendo por fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que é através desse princípio que a Constituição Federal proporciona a proteção do afeto, pois, nas palavras de Kant (1986, p.77):

No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade [...]

V. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA

No que tange ao direito de família, o princípio da afetividade reflete-se em três âmbitos principais: união estável ou constituição de casamento, estado de filiação e guarda dos filhos.

Como já exposto, não é mais necessário a constituição do casamento para que configure-se uma família. A Magna Carta reconhece a união estável como família, consoante previsto em seu art. 226, §3. Após a sua promulgação, advieram duas leis com o objetivo de regular a previsão constitucional da união estável. A lei nº. 8.971/94 reconheceu como estável a união com vigência de 5 anos ou com filhos, entretanto apresentou uma série de limitações para o reconhecimento de tal união. Já em 1996, surgiu a lei nº. 9.278 a qual proporcionou maior campo de abrangência, uma vez que não quantificou o prazo necessário de convivência, além de albergar as relações entre pessoas somente separadas de fato. As duas leis supracitadas foram de extrema importância para a concretização do conceito de união estável, além de implementarem avanços, no sentido de reconhecer como família não só aquela proveniente do casamento. O reconhecimento da união estável, portanto, reafirma a prevalência da afetividade existente nos membros de uma dada família.

Hodiernamente, tem salutar importância a discussão referente ao reconhecimento das uniões homoafetivas, uma vez que o não reconhecimento dessas uniões fere o princípio da afetividade e da igualdade. A Lei Maior, tendo como escopo o exercício de um controle social, emprestou juridicidade apenas às relações heterossexuais. Todavia, o conceito moderno de família, calcado no afeto, no amor e no carinho, não apresenta motivos que justifiquem o não reconhecimento de tais uniões no nosso ordenamento jurídico.

Vê-se, portanto, que a sociedade enxerga a convivência homossexual com extremo preconceito. É necessário compreender que a convivência homossexual em nada se diferencia da união estável, pois assim como esta, é desencadeada pelo afeto, e diz respeito também à família. Além do mais, é o afeto a exteriorização do ser, de modo que o Judiciário não pode se exonerar de emprestar a tutela jurisdicional a essas uniões, utilizando como simples argumento o fato da Carta Magna não ter contemplando expressamente a união homoafetiva[2]. Cumpre observar, que embora a Carta Magna não tenha elucidado tal união como relação familiar, conduz com tranqüilidade a aceitação dessa, principalmente quando se considera os princípios basilares da dignidade da pessoa humana, da igualdade substancial, da não discriminação e do pluralismo familiar.

Cumpre referir, neste ponto, a notável lição de Maria Berenice Dias (2006):

A Constituição outorgou especial proteção à família, independentemente da celebração do casamento, bem como às famílias monoparentais. Mas a família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes. Também o convívio de pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, cabe ser reconhecido como entidade familiar. A prole ou a capacidade procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, descabendo deixar fora do conceito de família as relações homoafetivas. Presentes os requisitos de vida em comum, coabitação, mútua assistência, é de se concederem os mesmos direitos e se imporem iguais obrigações a todos os vínculos de afeto que tenham idênticas características. Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode fechar os olhos a essas novas realidades. Posturas preconceituosas ou discriminatórias geram grandes injustiças. Descabe confundir questões jurídicas com questões de caráter moral ou de conteúdo meramente religioso. Essa responsabilidade de ver o novo assumiu a Justiça ao emprestar juridicidade às uniões extraconjugais. Deve, agora, mostrar igual independência e coragem quanto às uniões de pessoas do mesmo sexo. Ambas são relações afetivas, vínculos em que há comprometimento amoroso. Assim, impositivo reconhecer a existência de um gênero de união estável que comporta mais de uma espécie: união estável heteroafetiva e união estável homoafetiva. Ambas merecem ser reconhecidas como entidade familiar. Havendo convivência duradoura, pública e contínua entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituição de família, mister reconhecer a existência de uma união estável. Independente do sexo dos parceiros, fazem jus à mesma proteção. Ao menos até que o legislador regulamente as uniões homoafetivas - como já fez a maioria dos países do mundo civilizado -, incumbe ao Judiciário emprestar-lhes visibilidade e assegurar-lhes os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas. Essa é a missão fundamental da jurisprudência, que necessita desempenhar seu papel de agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade. (...).

No âmbito da filiação o princípio da afetividade também se mostra presente. É sabido que na maioria dos casos a filiação tem seu cerne na relação biológica, podendo fazer emergir o liame afetivo. Do mesmo modo que, através da criação e do convívio, pode surgir a figura de um pai ou de uma mãe.

Graças ao princípio da afetividade e à luz da CF/88 foi afastado o aspecto discriminatório que considerava filho apenas aquele proveniente de relações biológicas. Nesse sentido, elucida Paulo Luiz Netto Lobo (2004):

Em suma, a Constituição não oferece qualquer fundamento para a primazia da filiação biológica, pois amplo é seu alcance. A primazia não está na Constituição, mas na interpretação equivocada que tem feito fortuna, como se o paradigma da filiação não tivesse sido transformado. Até mesmo no direito anterior, a filiação biológica era nitidamente recortada entre filhos legítimos e ilegítimos, a demonstrar que a origem nunca foi, rigorosamente, a essência das relações familiares.

A paternidade sócio-afetiva, constituída no vínculo afetivo que une o indivíduo ao ser humano que o identifica como pai, tem sido utilizada atualmente como um critério hábil para solução de conflitos de filiação, estando apta a superar o vínculo biológico, que por si só, não é capaz de revelar a verdadeira relação paternal. A paternidade sócio-afetiva concretiza o direito à convivência familiar e a proteção ao princípio da dignidade da pessoa humana.

A filiação biológica, portanto, não exerce mais prevalência sobre a filiação afetiva, como visto também nos casos de adoção, em que a guarda do menor muitas vezes é concedida a quem o adotou, e não ao seu genitor.

Consoante disposto, vemos jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

EMENTA:  APELACAO. ADOCAO. ESTANDO A CRIANCA NO CONVIVIO DO CASAL ADOTANTE HA MAIS DE 9 ANOS, JA TENDO COM ELES DESENVOLVIDO VINCULOS AFETIVOS E SOCIAIS, E INCONCEBIVEL RETIRA-LA DA GUARDA DAQUELES QUE RECONHECE COMO PAIS, MORMENTE QUANDO OS PAIS BIOLOGICOS DEMONSTRARAM POR ELA TOTAL DESINTERESSE. EVIDENCIADO QUE O VINCULO AFETIVO DA CRIANCA, A ESTA ALTURA DA VIDA, ENCONTRA-SE BEM DEFINIDO NA PESSOA DOS APELADOS, DEVE-SE PRESTIGIAR A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA SOBRE A PATERNIDADE BIOLOGICA, SEMPRE QUE, NO CONFLITO ENTRE AMBAS, ASSIM APONTAR O SUPERIOR INTERESSE NA CRIANCA. DESPROVERAM O APELO. UNANIME. [3]

Por fim, o princípio da afetividade mostra-se presente na guarda de filhos menores. A história do poder familiar nos mostra que até o final do século XIX, nos casos de dissolução do casamento, a guarda sempre era outorgada ao pai, que se presumia estar em melhores condições econômicas para sustentar os filhos, que, junto com a mãe, eram propriedade sua. (ARCE e FARINA, 2002 apud TRINDADE).

A ruptura de tal paradigma fez com que a guarda dos filhos passasse a ser decidida através de princípios norteadores, nos quais estão calcados o melhor interesse da criança e a proteção integral. Nesse diapasão, surge a afetividade como meio indispensável para resolução de tal conflito.

VI. CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, entende-se que após o advento da Constituição Federal/88, o matrimônio deixou de ser a única forma legítima de se constituir uma família, uma vez que a Magna Carta albergou a nova concepção de família à pluralidade familiar.

Toda a exposição aqui deduzida evidencia que o princípio da afetividade tornou-se de grande relevância após a constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana, já que atualmente a proteção está voltada mais para a o vínculo afetivo que forma uma família, em detrimento do caráter meramente biológico e patrimonial.

Finalmente, registra-se o anseio para que o critério de afetividade ganhe cada vez mais proeminência nas decisões judiciais, e ainda, que sejam ensejadas discussões sobre a problemática das uniões homoafetivas, pois, como já exposto alhures, "incumbe ao Judiciário emprestar-lhes visibilidade e assegurar-lhes os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas" (DIAS, 2006).

VII. REFERÊNCIAS

BARROS, Sérgio Resende de. A Tutela Constitucional do Afeto.In: V congresso Brasileiro de Direito de Família, 2006, Belo Horizonte/ MG. Família e Dignidade Humana. Anais... Belo Horizonte: IOB Thomson, 2005. v. 1. p. 881-889. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/?congressos&evento=5&anais> Acesso em: 26 nov. 2007.

_________________________. A Constituição e o Afeto. Boletim do IBDFAM, Belo Horizonte, 2006. ed.19.Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/?boletim&artigo=112> Acesso em: 28 nov. 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família In: FACHIN, Luiz Edson (coord.). Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.286.

DIAS, Maria Berenice. Efeitos patrimoniais das relações de afeto. Repertorio IOB de Jurisprudência, 15/ 1997, caderno 3, p. 301. Disponível em: < http://www.mariaberenice.com.br/site/frames.php?idioma=pt> Acesso em: 28 nov. 2007.

_________________. Manual do Direito das Famílias. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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GRUNWALD, Astried Brettas. Laços de família: critérios identificadores da filiação. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 112, 24 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4362>. Acesso em: 27 nov. 2007.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. 70.ed. Lisboa, 1986, p.77.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 194, 16 jan. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4752>. Acesso em: 29 nov. 2007.

___________________. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=527>. Acesso em: 28 nov. 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Boletim do IBDFAM, Belo Horizonte, jul./ago. 2005, p.10

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 243.

TEPEDINO,Gustavo. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil - Constitucional Brasileiro. In Temas de Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 47 e 48.

TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia jurídica para operadores do Direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2007.

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Autor: Isabelle Medeiros


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