Sobre a democracia: uma imposição da vontade da maioria.



Muito se fala sobre a democracia, em debates, seminários, colóquios, nos meios de comunicação e principalmente no meio acadêmico. Neste último, há renomados e consagrados autores, que deram sua contribuição para o desenvolvimento desse tema, cada um defendendo seu ponto de vista, sua percepção sobre o tema e a abrangência deste sobre a esfera social e política na sociedade.

Quando falamos em democracia no sentido etimológico da palavra, vemos que seu significado é "governo do povo", ou o "governo da maioria" (ROSENFIELD 2006: p. 07), e essas definições conceituais de seus significados não é nosso foco principal. Nosso objetivo é analisar se está maioria esta preparada para tomar estas decisões, se ela detém "o conhecimento dos problemas e vontade em se preocupar com o bem comum e encontrar soluções racionais" (TOURAINE 1996: p.118).

Um dos questionamentos e/ou dúvidas que é colocada por diversos autores em pauta, é se a democracia atende realmente as expectativas e necessidades da massa, ou seja, será que a democracia realmente leva em questão a vontade da maioria, ou será que essa maioria pode sofrer influências que moldem sua opinião e vontade? Ou ainda: será que esta maioria, que as vezes pode não ter consciência do poder que detém, não impõe sua vontade sobre os demais, uma vontade nem sempre dotada de racionalidade?

Neste sentido, em que a democracia pode ser instrumento de manipulação e legitimação de atos controversos a seus princípios referente à igualdade, a democracia perde parte de seu significado, pois, deixa de ser um governo de todos os indivíduos, e passa a ser um governo de uma minoria, que usando da democracia pode impor suas convicções e vontades políticas, mantendo assim o status quo.

Ainda refletindo no sentido conceitual de democracia, Hirst fala que a democracia representativa é uma das ferramentas mais poderosas que legitimam algumas ações. Neste caso, através dela é que os cidadãos escolhem seus representantes, para ele a "democracia é um bem inquestionável" (HIRST 1992: p.30). O autor ainda dirá que a democracia é uma forma de se exercer o poder através das massas, já que esta detém o poder da escolha.

Há outros pontos nos quais podemos refletir quando falamos de democracia, um deles seria que as leis propriamente ditas, não são criadas pelo povo puramente e sim por um corpo representativo escolhido pelos indivíduos ou pela sociedade que tomam as decisões e elaboram as leis em nome dessa legitimidade concedida.

Outro ponto interessante, é que em um regime democrático, temos a idéia de que as leis são plenamente aplicáveis a todos os cidadãos, e isso como se vê hoje, não é bem assim que acontece. Infelizmente as leis não são aplicáveis a todos e sim somente a uma parcela da população, na maioria das vezes, às mesmos favorecidas, porque estas mesmas leis que deveriam ser iguais para todos, mudam de acordo com a cor, o tamanho da conta bancária e a influência deste cidadão na sociedade.

Touraine discutirá que se um governo democrático deve representar os interesses da maioria, é, antes de tudo, para que "seja expressão das classes mais numerosas" para que se "defina em favor de seu elo com os interesses das categorias populares" – as que, além de serem as mais numerosas, "são também as mais dependentes das decisões tomadas pelas elites". O autor enfatizará que "a idéia de democracia nunca é totalmente neutra" e afirma que "o que dá tonalidade popular à idéia democrática é que esta opõe um princípio de igualdade às desigualdades sociais" (TOURAINE 1996: p.88/89).

Podemos observar que em todos os conceitos referentes à democracia, o homem, o indivíduo, tem um foco especial quando se fala em tomada de decisão, segundo Franco Montoro este direito e dever cívico e esta contemplado até na Declaração Universal de Direitos Humanos que diz:

Todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos... A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegura a liberdade do voto (MONTORO 1979: p. 33/34).

Montoro irá refletir em sua obra sobre a importância da população participar e exercer seu direito de forma consciente, não só em períodos eleitorais, mas, começando "a exercer estes direitos dentro das associações de moradores, sindicatos, movimentos estudantis, cooperativas, associações de consumidores, instituições culturais e esportivas" (MONTORO 1979: p. 34), enfim, é necessário participar do desenvolvimento da sociedade de todas as formas e fazer este dotado de esclarecimento sobre a situação real de seu bairro, cidade, Estado e País.

Mas, voltemos ao questionamento inicial que fizemos no início deste artigo: Será que essa maioria pode sofrer influências que moldem sua opinião e vontade? Será que há uma minoria, que, usando da democracia pode impor suas convicções e vontades políticas, mantendo assim o status quo?

Tudo leva a crer que sim. Infelizmente, tomando como exemplo, parte do povo brasileiro, podemos perceber ao longo de nossa história como a massa pode e vem sendo manipulada pelos coronéis do poder, que usam de vários artifícios para continuarem detendo este poder e permanecendo nele por décadas.

Luiz Vaz traz uma série de reportagens intituladas "A ética da malandragem", em um livro onde o autor retrata o submundo do Congresso Nacional, e revela em textos interessantes o que ocorre em períodos eleitorais, e o que os candidatos fazem pelo voto. Aqui, usaremos como exemplo para ilustrar nosso tema, a reportagem publicada no dia 05 de Abril, com o título; "Governador do Acre pede voto com presentes". Em seu livro o autor conta como conseguiu a reportagem, as provas deste ato e suas conseqüências sob o título de "O preço do voto".

Motores de popa, máquinas de costura e geradores de energia elétrica estavam expostos em frente ao palanque das autoridades. Moradores formavam uma longa fila, sob um sol forte, à espera dos equipamentos... O governador havia entregue, além de equipamentos, 1.200 sacolões com alimentos. Cada cesta continha 16 quilos com arroz, feijão, farinha, açúcar, sal e café (VAZ 2005: p. 143).

Neste artigo, Vaz dá outros exemplos surpreendentes e apavorantes de como a massa pode ser manipulada em períodos decisórios a favor de determinadas classes, pessoas e posições, na qual sempre favorece uma minoria que deseja persistir no poder.

E é esse questionamento que fazemos aqui: será que o povo tem o preparo necessário para decidir sobre certos assuntos? Não estamos querendo dizer que a massa é desprovida de racionalidade, ou ainda, que somente um pequeno grupo de "escolhidos" teriam o direito de decidir para todos os demais.

A análise que propomos aqui, é que o povo, deve sim, participar ativamente dos processos decisórios, mas antes disso, ela deve fazer uma análise do que realmente é benéfico para a coletividade, e não tomar suas decisões baseadas em favores.

No Acre, todas as pessoas que foram favorecidas pelo Governador Cameli (1995 – 1999), disseram a Vaz, que certamente votariam no mesmo, porque este lhes favoreciam no que estavam precisando de imediato, comida e equipamentos para tocarem suas vidas. Essa atitude e reflexão só são possíveis por causa da falta de informação, por causa da falta de conhecimento sobre a política pública e o que está poderia lhes proporcionar se suas decisões fossem embasadas na real necessidade de toda a comunidade local.

Essa preocupação, também é demonstrada por Touraine; embasado nas reflexões a partir de Tocqueville, o autor questiona: "Como impedir que, após a destruição das hierarquias tradicionais, a tirania da maioria venha criar uma ordem social em contradição com a razão?" (TOURAINE 1996: p. 119).

Para Tocqueville a "tirania da maioria" consiste na possibilidade da vontade da maioria ser mais poderosa que a própria justiça, além disso, o autor questiona "a máxima de que, em matéria de governo, a maioria de um povo tem o direito de tudo fazer"(TOCQUEVILLE 1987: p. 193). O autor justifica sua posição argumentando que ao se recusar obedecer a uma lei que possa ser injusta, não está afrontando ou "negando a vontade da maioria e o direito desta de decidir", mas, sim, "exercendo sua soberania proveniente do direito referente ao gênero humano".

José Álvaro Moisés (1995) em "Os brasileiros e a democracia" relata que o pensamento dos brasileiros vem mudando com o passar dos anos, principalmente, após os anos 70. Para o autor, de uma forma geral a "opinião pública", ou seja, o povo está bem mais atento aos "processos decisórios políticos, e vêem nas instituições democráticas" uma maneira eficiente de mudar as desigualdades econômicas, sociais e regionais que perpassaram durante todos estes anos em nosso país.

E esse fato é fundamental e de extrema importância, pois, com um número maior de pessoas conscientes e bem mais informadas, as decisões por esta maioria tendem a ser mais embasadas nas suas reais necessidades e menos manipuláveis, visando não só o beneficio de pequenos grupos, mas, coletividade.

Estamos caminhando a passos lentos, mas, continuamente, no caso do Acre, o PSDB entrou com uma representação no Tribunal Regional Eleitoral, depois do escândalo, contra Cameli e seus aliados, após um mês da publicação da matéria, este renunciou a disputa pela reeleição.

Em todo o país sempre vemos nos jornais e noticiários vários escândalos referente a improbidade administrativas, corrupção de todas as formas e maneiras, e isso não enfraquece a democracia, mas, faz com que ela se fortaleça, e deixanos cidadãos um censo crítico mais aguçado, fazendo os pensar, e renovar suas convicções e ideais políticos.

Céli Regina (2004) relata que "quanto mais gente tem poder (no caso, o poder de decisão), menos alguém pode tomar a posição contra os outros" (p.38), ou seja, a população detentora desse poder tem que se fazer ouvida, mais antes disso, tem que realmente ter consciência de suas reais necessidades, assim, as decisões democráticas irão beneficiar um número maior de cidadãos e assim a democracia estará cumprindo seu papel, que é de promover a justiça e o bem estar de toda a coletividade.

Concordamos que a maioria deve sim decidir, e entendemos que se esta as vezes toma decisões não favoráveis ao bem estar coletivo e porque ela pode ter sido influenciada e direcionada a trilhar esse caminho. Não estamos aqui os condenando, mas sim discutindo formas para se evitar essa manipulação, assim, o que propomos é uma maior conscientização da massa em favor dos benefícios de políticas públicas para toda a sociedade, o que propomos é a busca de informação, visando um esclarecimento e reconhecimento do poder que detém, para poder decidir de forma clara, correta e não influenciada, a direção da política nacional e em conseqüência traçar o caminho de crescimento do país.

Referências Bibliográficas:

HIRST, Paul Q. A democracia representativa e seus limites. Rio de Janeiro: Zorge Zahar. 1992.

MOISÉS José Álvaro. Os brasileiros e a democracia. Bases sócio-políticas da legitimidade democrática. São Paulo: Ática, 1995.

NONTORO Franco. Da "Democracia" que temos para a democracia que queremos. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra S/A, 1974.

PINTO Céli Regina Jardim. Teorias da democracia: Diferenças e identidades na contemporaneidade. Porto alegre: Edipucrs, 2004.

ROSENFIELD Denis L. O que é democracia. São Paulo: Brasiliense, 2006.

TOCQUEVILLE Alexis de. A democracia na América. São Paulo: Itatiaia, 1987.

TOURAINE Alain. O que é a democracia? Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.

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Autor: Fabiana Pereira Barbalho


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