Reality Show: Fórmula para salvar o capital das empresas de TV



Cláudia Figueiredo Modesto[1]

Nem bem acabou um reality show[2] e outro canal de televisão já anuncia a formação de mais um. A Record está apostando no programa 'Fazenda das Celebridades', que deve estrear em junho, com a missão de alavancar a audiência para aumentar o faturamento do departamento comercial da emissora. O escolhido para assumir o comando da atração é o jornalista Britto Jr, ex-global que atualmente está no papel de apresentador do matutino 'Hoje em Dia' e tem contrato com a casa até 2014.

O jornalista confirmou que, após três anos e meio, deixará o 'Hoje em Dia' para se dedicar à apresentação da nova atração e à observação da rotina de 14 celebridades, todas confinadas em uma fazenda do interior de São Paulo. Britto declarou em entrevista que não sente saudade da Globo e que não assiste ao Big Brother[3] Brasil. O jornalista disse ainda que não tem medo de ser comparado a Pedro Bial, que comanda o reality show global.

O reality show da Record, será um programa diário, com 12 ou 14 personalidades, onde o apresentador vai interagir com os participantes e com o público e deve durar cerca de três meses. Resta saber se o formato também será o mesmo utilizado pela TV Globo, o de apresentar como a vida real, contestada por vários autores. Para Curvello (2002), existe uma construção da ficção como se fosse a própria realidade. Criam-se efeitos de realidade.

Pode-se afirmar essa ficcionalização devido: (1) ao fato de as pessoas

saberem da presença das câmeras e da utilização indiscriminada das imagens, isso faz com que não ajam naturalmente, tornam-se personagens de si próprias, ou como personagens de um grande teatro; (2) à necessidade constante de disputa pela simpatia do público, de forma a permanecer no programa através do voto, visando o prêmio maior; (3) à questão contraditória da concorrência e das dificuldades de relacionamento entre os participantes e a necessidade de conquistar, ao mesmo tempo, sua simpatia; (4) ao fato de os participantes terem a obrigação de falar sobre suas experiências na casa em um lugar chamado "confessionário", no mínimo, uma vez por dia. Devido a tudo isso, a construção simbólica apresentada pelo programa não só não é expressão da realidade como dela se distingue. (CURVELLO, 2002, p. 3)

No Brasil, pode-se dizer que a "onda" de reality shows começou, basicamente, com o programa 'No Limite', baseado em Survivor[4], em 2000. Em 2001, foi criado o programa 'Casa dos Artistas', fenômeno notável de audiência do SBT. Em 2002, surgiu o maior expoente deste gênero no Brasil, o programa Big Brother Brasil.

O Big Brother Brasil foi criado em 1999 por John de Mol[5], um magnata bilionário da mídia holandesa. Em 2005, a revista Forbes[6] o nomeou entre as 500 pessoas mais ricas do mundo. O programa foi comercializado para vários países em todo o mundo.

Os sucessos desses programas são evidenciados pelo custo relativamente baixo em comparação uma novela ou um seriado e com excelente retorno e expressiva audiência [...] É uma nova dramaturgia, um novo formato híbrido, com nova arquitetura resultante dos gêneros jornalístico, talk show, auditório. (MEDEIROS; OLIVEIRA, 2008, p. 6)

Os elementos comuns que caracterizam o reality show são os personagens e suas histórias supostamente tomadas da vida cotidiana. Os protagonistas, normalmente, apresenta-se como cidadãos comuns, dispostos a atuar como estrelas das telas de TV. Além da busca pelo prêmio máximo (sair o grande vencedor do programa), eles buscam a mudança de fazer pública sua vida privada, ter o que os leigos chamam de "15 minutos de fama". O sujeito anônimo da grande massa se converte numa celebridade, com passaporte outorgado pelo status que a TV gera.

Há também algumas discussões a respeito de um desejo do ser humano por reconhecimento e fama, estimulado todos os dias pelas mídias, pela publicidade, pelos modelos estéticos de beleza, etc. Segundo essas discussões, o gênero reality-show representaria a percepção, por parte das emissoras de televisão mundiais, da possibilidade de exploração desse desejo. (CURVELLO, 2002, p. 5)

No caso da Record, os participantes já serão conhecidos do grande público, como a 'Casa dos Artistas', do SBT. O 'Fazenda das Celebridades' é uma versão para 'Quinta das Celebridades', apresentado com sucesso em Portugal, e será instalado numa fazenda no interior de São Paulo, com direção de Rodrigo Carelli e produção de Alexandre Frota[7] (que participou da edição portuguesa).

Segundo a direção da emissora do Bispo Edir Macedo, os 14 participantes ainda estão sendo escolhidos, mas ficou ventilado na imprensa a possibilidade de ter Marina Mantega (filha do Ministro da Fazenda Guido Mantega) e o ator Dado Dolabella como possíveis integrantes.

Pelo nono ano consecutivo a Globo emplaca o programa Big Brother Brasil nas noites televisivas. O brasileiro, sem muita opção pelos canais abertos do país, acaba sucumbindo e acompanhando o programa que hoje é um dos produtos que mais arrecada verba publicitária na tv brasileira.

Neste ano, o programa alterou seu formato, incluindo novas fórmulas em um conteúdo que o público pensava dominar: quarto branco, casa de vidro, bolha, entre outras novidades. O Big Brother Brasil pode ser comparado a gladiatura romana, conforme analisou Minerbo (2007).

Como os participantes do BBB, os gladiadores também lutavam entre si até o fim. Quando o gladiador vitorioso encurralava o oponente, convocava o voto popular, que podia ser referendado pelo imperador: polegar para cima, vida; polegar para baixo, morte. A vida do perdedor podia ser poupada, se o público o considerasse um lutador valoroso e digno. Em caso contrário, "paredão". (MINERBO, 2007, p. 154)

E, para acirrar ainda mais esta luta pela "sobrevivência" no programa, ocorre também uma tentativa de descivilização: "remova as bases elementares da vida civilizada, organizada – comida, abrigo, água potável, um mínimo de segurança pessoa – e em questão de horas voltaremos ao estado de natureza hobbesiano, à guerra de todos contra todos". (ASH, 2005)

Em Roma, a luta dos gladiadores era real, empolgava a platéia ao vivo, era, assim, um reality show. E assim como no Big Brother Brasil, os participantes eram escolhidos pelo porte físico e podiam ser pessoas comuns, do povo.

Os participantes eram escolhidos em função de seu porte, de sua força e de seu físico. Eram treinados para proporcionar um bom espetáculo, combatendo com bravura e morrendo com dignidade. Podiam ser

escravos, prisioneiros de guerra ou cristãos, mas até mesmo homens livres se candidatavam, pois era um caminho possível e rápido para a ascensão social. (Ibid)

Depois que saem, do programa, no tão temido "paredão", os participantes experimentam o êxtase do mito criado pela exposição na mídia. Porém, alguns logo caem no esquecimento. Para Bauman (2004) isso reflete uma cultura de que "tudo é reciclado sem parar, tudo nasce com a marca de morte iminente, tudo deixa a linha de produção com um 'prazo de validade' afixado". É o que Bauman denominou de modernidade líquida concebida por Bauman, uma civilização do excesso, da superficialidade e do refugo.

Na guerra por maior audiência o sistema midiático televisivo tem necessidade frenética de celebridades, produzidas e consumidas pela própria mídia. São chamadas celebridades instantâneas, que aparecem e desaparecem da mídia na mesma velocidade tecnológica a serviço do jogo midiático. (MEDEIROS; OLIVEIRA, 2008, p. 9)

Nesse sentido, no mundo da mídia, o BBB, mostra espetacularmente, "quem manda quem para a lata de lixo" (Bauman, 2008). O paredão é como se a morte fosse decretada. E, no universo da Globo, o apresentador Pedro Bial ainda emposta a voz, como se ela fosse ouvida do além (para quem está dentro da casa). A porta parece ser o passaporte para o paraíso ou o inferno.

Assim como em 'O Show de Truman'[8], também há interferência da direção na vida dos participantes, seja escolhendo as roupas para as festas regadas a álcool, ou na censura à algumas conversas com teor supostamente não permitido.

E críticas ao programa sempre existirão. Seja pela audiência, ou por causa dela, os programas no formato reality show ainda serão explorados pela TV, numa busca frenética por mais e mais lucros financeiros.

Referências Bibliográficas

ASH, Timothy Garton. It always lies below. The Guardian, 8 Setembro 2005.

BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2004. p.81-164.

CURVELLO, Vanessa. Big Brother Brasil: realidades espectacularizadas. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt Acesso em 05/04/2009.

MEDEIROS, Douglas Alves; OLIVEIRA, Amilton Gláucio de. O Reality Show Big Brother Brasil como marcas do refugo humano. Trabalho apresentado na Sessão Comunicação audiovisual (cinema, rádio e televisão), da Intercom Júnior – Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Natal, RN – 2 a 6 de setembro de 2008.

MINERBO, Marion. Big Brohter Brasil, a gladiatura pós-moderna. Psicologia USP, 2007, 18(1), 153-158.




Autor: Claudia Figueiredo Modesto


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