Pesca e aquicultura: o mergulho da tragédia



A obtenção das carnes aquáticas – de peixes, crustáceos e moluscos –, tratadas por alguns como alimentos sagrados, não só vem causando tragédias ecológicas como ela própria é uma tragédia por excelência. Em nome da "saúde" humana, bilhões de animais aquáticos morrem a cada ano em agonia muito sofrida, populações são dizimadas pela pesca industrial e importantes ecossistemas são destruídos para dar lugar a tanques de aquicultura.

As tragédias do sofrimento, da morte em massa, da limpeza populacional e da destruição ecossistemática são inerentes à cultura que temos de comer animais da água, do mesmo jeito que a pecuária. A pesca sempre foi um meio de matança, mas foi apenas recentemente que tomou a feição de desgraça ambiental, junto à aquicultura.

Os livros didáticos elogiam muito o valor nutricional da carne aquática: proteínas, ômega 3 e 6, vitamina D... Mas esquecem tanto de sua dispensabilidade, já que existe a alternativa vegetariana, como da triste agonia que o ser humano impõe aos seres da água.

Esse sofrimento deve ser descrito tintim-por-tintim para que seja mostrado como comer "frutos-do-mar" faz mal, muito mal.

No caso de pescar com varas, primeiro a mandíbula é perfurada, com o anzol mordido varando a pele do peixe, e em seguida o bicho é içado velozmente, potencializando a dor do gancho. É como uma pessoa ser furada na coxa por um arpão vindo de cima e levantada com toda força de modo que fique pendurada pela lança. Já na pesca por rede de arrasto, um cardume é surpreendido por um obstáculo e põe-se em agitação máxima, no desejo incontrolável e desesperado de resistir ou fugir da predação.

Depois de ser posto no assoalho do barco, no samburá ou em outro lugar que guarde cadáveres, o animal começa um sofrimento que vai durar minutos. São minutos, que mais parecem uma eternidade, de uma luta pela vida que irá invariavelmente fracassar. Procura-se inutilmente por água que contenha oxigênio diluído. Debate-se longe da água, tanto na tentativa de se locomover para voltar ao seu ambiente aquático como pela agonia de não poder mais respirar.

Depois de geralmente menos de dez minutos de angustiada luta contra a morte, a "indesejada das gentes" – e dos não-humanos também – vence. Triste fim, morte muito sofrida, sofrimento comparável ao causado nos piores e mais cruéis matadouros.

Quanto aos crustáceos, há três formas mais comuns de morte nas mãos humanas. O sofrimento causado, no entanto, é quase uniformemente extremo.

a) Fervura: Depois de certo tempo – de horas a dias – confinado na colônia de pesca ou no bar onde sua carne será comida por pessoas, o animal é jogado vivo em água fervente pelos cozinheiros. É um terrível ardor que lembra o inferno descrito pelos cristãos. A agonia da fervura dura menos que a asfixia de outras espécies animais, mas é um terror, uma crueldade que não dá para ser descrita em palavras.

b) Choque elétrico: Os crustáceos são confinados num reservatório com água e em seguida mortos por descargas elétricas. Os pulsos podem ser múltiplos e demorar alguns segundos. O terror do sofrimento é indescritível. É como uma execução humana por cadeira elétrica, mas menos demorada.

c) Choque hipotérmico: Os animais morrerão dentro de um tanque contendo água a quase zero grau e gelo picado, por choque térmico. Estarão mortos depois de uma média de três minutos de sofrimento com lenta decadência das funções orgânicas. Um verdadeiro inferno gelado.

A pesca industrial e a aquicultura cresceram e tornaram-se implacáveis inimigos de ecossistemas marinhos e estuarinos. Chamam a nossa atenção alguns fatos sobre o poder destrutivo dessas formas de explorar e matar animais aquáticos:

- Mais de 75% da população de peixes do mundo está ameaçada por causa da pesca predatória;

- A carcinocultura no litoral tropical da América do Sul tem sido responsável pela destruição de muitos mangues;

- Para cada camarão capturado no mar e encaminhado para piscinas de carcinocultura, cem peixes morrem presos nas redes;

- A pesca em larga escala no Mar do Norte vem competindo com aves que sobrevoam o mar, roubando até 30% das presas de que elas se alimentam;

- Em locais como o Mar do Norte e o Mar da Irlanda, a pesca de arrasto tem diminuído as populações de diversas espécies bentônicas (habitantes do assoalho marinho) ao longo das últimas décadas em até 50%;

- A captura de certas espécies de peixes em ambiente natural vem implicando a destruição de corais de água fria milenares.

Uma vista em imagens de satélite nos permite ver também a destruição causada pelo "cultivo de frutos-do-mar" em estuários, onde são notadas devastações parciais.

Comer animais da água, mesmo que seja talvez saudável para o organismo humano, não o é para a ética nem para o meio ambiente. Se ingerir sua carne é algo "sagrado", então pode-se dizer que o intenso e terrível sofrimento da asfixia também o é. Não somos obrigados a insistir nessa alimentação, uma vez que existem outras fontes, livres de crueldade, para os nutrientes dos "frutos-do-mar". Assim podemos parar de viver da matança nas águas do planeta e prestar respeito à natureza e à vida animal não-humana. O valor de poupar vidas é infinitamente mais saudável e sagrado do que a ingestão de carne de peixes, crustáceos e moluscos.

Referências:

Dawkins, Richard (1987) apud Mutschler, Hans-Dieter. Introdução à Filosofia da Natureza. [S.l.]: Loyola, 2008. p. 176.

Ribeiro, P.A.P. Criação de camarões de água doce. Disponível em http://www.editora.ufla.br/BolExtensao/pdfBE/bol_20.pdf , acesso em 10 de abril de 2009.

Despescas. Criar e plantar. Disponível em http://www.criareplantar.com.br/aquicultura/camarao/zootecnia.php?tipoConteudo=texto&idConteudo=629 , acesso em 10 de abril de 2009.

SIAC - Sistema de imobilização e abate de crustáceos. Disponível em http://www.patentesonline.com.br/siac-sistema-de-imobilizacao-e-abate-de-crustaceos-138903.html , acesso em 10 de abril de 2009.

Impacts of fishery activities. FAO Fisheries and Aquaculture Department. Disponível em http://www.fao.org/fishery/topic/12273 , acesso em 9 de dezembro de 2008.

Kenchington, E.. The effects of fishing on species and genetic diversity. Disponível emftp://ftp.fao.org/fi/document/reykjavik/pdf/14kenchington_v6_final.PDF, acesso em 9 de dezembro de 2008.

The state of world fisheries and aquaculture. Rome: FAO Fisheries Department, 2004. p. 117. Disponível emftp://ftp.fao.org/docrep/fao/007/y5600e/y5600e03.pdf, acesso em 9 de dezembro de 2008.


Autor: Robson Fernando


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