Escolas Médicas, Estelionato Contra A Sociedade



Escolas médicas: estelionato contra a sociedade

Preocupa-me, sobremaneira, assistir o ensino médico ser transformado num verdadeiro negócio mercantilista sem que se vislumbre um horizonte menos sombrio.

Como entender, por exemplo, que dias atrás, o MEC, de uma só vez  autorizou por Portarias a criação de cinco novas escolas médicas - uma em Maringá/PR (sub judice), outra em Belo Horizonte e três em São Paulo. Como aceitar que, somente neste começo de século, o mesmo MEC permitiu a criação de 66 novos cursos, totalizando em todo o país 167 escolas médicas (98 delas pertencentes à rede privada). Com isto, o Brasil ocupa hoje o segundo lugar no ranking mundial de escolas médicas, perdendo apenas para a Índia (202), mas colocando-se à frente da China com 150 e dos EUA que têm 125 escolas, mantidas assim há alguns anos. Como imaginar ser possível á esses novos cursos garantir a qualidade do ensino, a maioria, sem professores habilitados, sem hospitais. 

Recentemente, surpreendeu-me ler o noticiário da Gazeta informando a visita de representantes do MEC para avaliar mais quatro cursos de medicina “a serem criados” no Paraná, todos pertencentes à rede privada. Não há necessidade social deles em nenhum dos municípios citados: Curitiba, Ponta Grossa, Foz do Iguaçu e Cascavel. E o que dizer da inafastável garantia de qualidade para o ensino a ser oferecido por essas IES?

Nosso país caminha para o que os EUA passaram em 1906 com 160 escolas de medicina, sem currículo regulamentado, sem corpo docente qualificado, mercantilizando o ensino médico. Algumas até vendiam diplomas. Diante desse quadro dantesco, as autoridades daquele país tomaram uma posição. A Fundação Carnegie para o Avanço do Ensino foi buscar em Abraham Flexner, não médico, professor de grego a  pessoa indicada para a missão de resolver esse grave problema. Flexner, de 1906 a 1910 visitou,  uma a uma das 160 escolas médicas e, ao final, elaborou um extenso relatório, que se consagrou como o famoso Relatório Flexner. Suas proposições foram seguidas à risca durante 23 anos e em 1933 já tinham sido fechadas 94 escolas, reduzindo drasticamente esse número para 66.  Durante esse período, Flexner chegou até ser ameaçado de morte por setores afetados pelo seu trabalho. A repercussão foi tamanha que o ano de 1933, quando a última escola foi fechada, tornou-se um marco no país. As escolas, então, passaram a ser confiáveis, oferecendo as inafastáveis garantias de qualidade de ensino da medicina. Foi estabelecido, também, que a licença para a prática da medicina na América do Norte somente seria concedida após um processo de aferição da capacitação e a aprovação do médico no State Board.

Desta forma, é urgente uma tomada de posição das entidades de classe e do Congresso Nacional. A única saída, do momento, é a suspensão da criação de novos cursos de medicina pelo menos por cinco anos, enquanto se organiza e legaliza critérios mínimos para abertura de escolas e avaliação das já existentes. Ao mesmo tempo, os vestibulares e novas matriculas naquelas que não atendam aos requisitos mínimos ou que sejam comprovadamente irrecuperáveis seriam suspensos.

Saulo Ramos, quando Consultor Geral da República em 1988 já dizia em um de seus pareceres: “Não se pode permitir, isto sim, o desabamento da estrutura do ensino brasileiro, com a instalação de cursos de medicina sem mínimos recursos, sem hospital na região, sem corpo docente, sem bisturi. O dever do estado é ministrar a educação e, no curso superior, assegurar o conhecimento cientifico que irá, efetivamente, beneficiar a comunidade. O simples diploma não cumpre esta finalidade, antes, seria um estelionato contra a sociedade e uma grave lesão à teologia constitucional.”.

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Dr. Antonio Celso Nunes Nassif, 72, médico, professor adjunto e livre docente aposentado da UFPR. Foi presidente da Associação Médica Brasileira

- mais detalhes: acesse www.escolasmedicas.com.br


Autor: Antonio Celso Nunes Nassif


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