Concepções Sobre A Assistência Social



 

CONCEPÇÕES SOBRE A ASSISTÊNCIA 1

1.1 - Breve Histórico.

A Assistência 2 ao contrário do que muitos pensam constitui-se numa prática bastante antiga na humanidade. Com outra nomenclatura, a Assistência surgiu e vem se desenvolvendo como um produto da civilização na qual está inserida. Ander (1995:67,68) destaca que nas sociedades primitivas,a ajuda aos mais necessitados era prestada pelas famílias aos indivíduos pertencentes a mesma tribo ou clã, face ao vínculo afetivo, aos costumes e as crenças.

Acreditava-se, na Antiguidade, que a miséria era um castigo dos deuses aos pecadores, cabendo aos sacerdotes enquanto representantes das divindades, interferirem nos males sociais. Os templos, além de serem um lugar santificado, serviam como hospitais e dispensários de esmolas. No Império Romano, por exemplo, foi instituído um sistema de distribuição de esmolas com o intuito de ajudar aos mais necessitados. Na Grécia antiga, especificamente em Atenas, a ajuda aos pobres e doentes foi estabelecida pelo Estado através da distribuição de farinha, azeite e trigo e de uma espécie de pensão que garantia o mínimo de sobrevivência.

A partir do surgimento da civilização Cristã, a questão da ajuda assume outra postura, passando a ser vista como expressão de caridade e benevolência ao próximo. Vieira (1973:20) destaca que a "caridade era um meio para alcançar méritos para a vida eterna; ser pobre ou doente não constituía castigo, mas conseqüência da imprevidência individual".

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1- O presente artigo é um extrato do meu trabalho de Conclusão de Curso – TCC , intitulado: A importância da visão crítica na intervenção do Assistente Social: Uma reflexão sobre a prática de estágio no Centro Educacional Dom Bosco.

2- Segundo a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8742, de 07/12/1993) a Assistência Social é direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativas pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

Durante toda Idade Média, a Igreja detinha o privilégio de administrar as obras de caridade e as campanhas religiosas através dos diáconos e diaconisas.

As Obras Sociais que funcionavam nos conventos e mosteiros, não eram suficientes para atender aos males sociais da época, surgindo, portanto, congregações religiosas destinadas à prestação da Assistência Social. Várias instituições privadas de caridade surgiram além daquelas criadas pela Igreja. No século XIV na França, foi criada a associação Damas de Caridade, com o objetivo de prestar socorro aos pobres e doentes. Posteriormente, São Vicente de Paula 3 cria as Filhas de Caridade, recrutando camponesas que estivessem disponíveis para prestar serviços aos pobres.

Esse tipo de prática, pautada pela ótica do favor e da benesse, ao invés de ajudar os mais necessitados, tornava-os cada vez mais dependentes das esmolas, pois, o objetivo das pessoas que prestavam esse tipo de assistência visava atender apenas ao caráter emergencial das necessidades. "O contexto analítico mostrava a assistência social fundada na concepção funcionalista da sociedade que adotava a noção de carência, marginalização social, do conceito ideal da família, do trabalhador" (SPOSATI, 1991:14).

Com o declíneo do sistema feudal, o sistema capitalista entra em vigência, trazendo consigo o aumento da pobreza, a exploração da força de trabalho e a busca incessante pelo lucro. A exploração do trabalho, ao concentrar a divisão das classes sociais, desenvolve a chamada questão social. As desigualdades sociais advindas do sistema capitalista, até então, não eram vistas como expressões da questão social e sim como um caso de polícia ou como uma disfunção individual.

Os modelos assistenciais que atendiam esses tipos de disfunções individuais encaminhavam-se rumo à internação ou eram alocados para o âmbito da solidariedade da sociedade civil, especificamente aquelas ligadas à Igreja Católica.

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3- De acordo com Vieira (1973:24), São Vicente foi um sacerdote, filho de uma família camponesa das Landes no sul da França. Criou as instituições Damas de Caridade e Filhas de Caridade no século XVI na França.

A questão social no contexto, é fruto direto das relações entre o capital e o trabalho, refletindo as contradições inerentes ao próprio sistema capitalista, caracterizado pela apropriação da riqueza produzida, e pela busca excessiva do lucro.

Essa apropriação desigual é a causadora das expressões das questões sociais como a injustiça, a miséria, o desemprego estrutural, a violência, porém estas não representam de fato a gênese das questões, apresentam apenas as suas diversas manifestações. Como destaca Raicheles (1988: 62):

o processo de agudização da questão social relaciona-se intimamente com o desenvolvimento dos grandes centros urbanos em função da intensificação do processo industrial, que, como contrapartida necessária, tem como conseqüência a presença política das classes sociais fundamentais e o intenso processo de luta que desencadeiam pela defesa de seus interesses antagônicos.

Em meados do século XIX, com o auge do capitalismo liberal, entra em cena o Estado Mínimo, limitado às funções de defesa, proteção e provedor de obras públicas caso não fossem executadas pelas iniciativas privadas. Pode-se perceber que este modelo estatal é omisso de responsabilidades sociais, pois, não investe recursos com os pobres nem garante medidas de Proteção Social, visto que esta não era vista como um direito.

Com o aumento do movimento operário na cena política e social, há o enfraquecimento de algumas concepções liberais, fazendo com que a burguesia ainda que de forma restrita, reconhecesse a presença política da classe operária e os direitos sociais desta classe. O fim deste modelo culmina no surgimento do Estado de Bem-Estar Social. Este Estado tem como objetivo intervir nas desigualdades sociais, garantindo aos cidadãos a oportunidade de acesso a certos serviços e benefícios mínimos, de modo a evitar qualquer desordem política e social, pois, desenvolve o capitalismo e simultaneamente incide sobre as demandas do trabalho.

O acesso a bens e serviços no Welfare State, está articulado ao próprio desenvolvimento e as condições do capital. O Estado tem o dever de regular à economia de mercado com o propósito de assegurar o pleno emprego e prover serviços sociais universais através de uma rede de serviços assistenciais. Com isso, o Estado ao mesmo tempo em que regula as atividades do mercado, deve prover o acesso aos bens e serviços.

Assim, como aborda Faleiros (1986:31):

o cidadão pobre tem apenas certos direitos iguais aos ricos, porém, para manter sua subsistência e o processo de produção de riquezas, é preciso que seja trabalhador, isto é, que venda sua força de trabalho ao capitalista, o que exige uma análise mais detalhada das relações entre a economia e as práticas sociais.

Mesmo com a atuação restrita, no que se refere a prestação de bens e serviços, o Welfare State proporcionou ganhos à população, contemplando os desempregados, inválidos, crianças, idosos, prevendo aposentadoria, acatando demandas no campo da saúde e da educação, melhores salários e condições de acesso do Estado Keynesiano.

O Welfare State privilegiou também a relação capital-trabalho, pois ao mesmo tempo em que assegurava e consolidava a seguridade social para os trabalhadores, oferecia bases para a acumulação capitalista. Pode-se considerar um avanço o sistema de saúde pública, direitos previdenciários e o ensino gratuito. Neste modelo, a redistribuição (contribuição prévia) de renda em favor da classe trabalhadora, foi fator primordial para um amplo crescimento econômico e a consecução do pleno emprego.

No Estado Keynesiano, a classe trabalhadora era mais organizada e através de lutas acentuadas por melhores condições de vida e de trabalho, fez com que as possibilidades de negociações com o capital fossem ampliadas e concretizadas, e que a assistência social estivesse mais visível do ponto de vista dos direitos sociais, ou como afirma Sposati (2002:115,116):

ele assumiu progressivamente as funções de reprodução da força de trabalho (educação, saúde, habitação, transporte, previdência), produziu maior eqüidade social, expandiu a demanda de consumo dos bens produzidos pela economia capitalista, assim como processou a difusão uniformizante do consumo de massa.

O enfraquecimento deste modelo na década de 60 mostrou a enorme necessidade de o Estado buscar novos padrões de acumulação compatíveis à nova ordem mundial, caracterizada pela reestruturação produtiva. O conjunto destas transformações econômicas revela um Estado marcado por uma contínua crise fiscal, pelo gasto excessivo e pela pouca arrecadação de recursos.

Diante da crise estatal, as idéias liberais configuram-se com a nomenclatura de neoliberalismo, trazendo consigo a abertura da economia ao capital internacional, privatização dos patrimônios públicos e redução dos direitos sociais. O ideário neoliberal, o qual prevalece até os dias atuais favorece a fragmentação da sociedade em grupos de interesses, formulação e implantação de políticas públicas seletivas e descentralizadas, redução dos gastos públicos na função de Proteção Social e a transferência das responsabilidades sociais para as organizações filantrópicas do Terceiro Setor de modo à complexificar e efetivar a busca pelos direitos sociais.

O objetivo da ideologia neoliberal é fragmentar ainda mais as políticas públicas, desuniversalizar e assistencializar as ações via corte dos gastos sociais, ao mesmo tempo em que enfraquece o poder de luta e reivindicação da classe trabalhadora. Os neoliberais utilizam as políticas sociais como meio de alienar a classe subalterna, no que se refere à aceitação das políticas como doações e não como direitos conquistados.

Nesse sentido, a política social perde seu caráter universal submetendo os usuários a intermináveis processos seletivos, ou seja, além de comprovarem sua necessidade, devem ainda encaixar-se no perfil de desassistido ou necessitado social. Como destaca Sposati (2002:09)"necessitado é, aqui aquele que não tem renda própria. Em decorrência, a assistência social constituiria um substantivo do salário, e não um salário indireto, como os sérvios sociais ofertados pelas políticas sociais". Ou ainda (idem:17):

a assistência social para além do aparente, isto é, como mecanismo social e político no interior das relações sociais, constitui forma seletiva e discriminada de atenção a um segmento da população que não é outro senão o mais pauperizado, o mais espoliado. È, portanto uma forma diferenciada de ação a segmentos da população.

Pode-se ver, diante dessa abordagem que em nenhum momento histórico citado, houve de fato a prática da assistência social enquanto direito do cidadão, pois, esta enquanto política social deve priorizar o caráter universal, ampliando o acesso aos benefícios sociais. Não de maneira individualizada, mas direcionando suas ações ao coletivo, fazendo com que todos os cidadãos sejam incluídos no atendimento de suas necessidades sociais, contribuindo assim para o rompimento com a prática assistencialista.

1.2 - Notas sobre a Política de Assistência no Brasil.

Como já foi citado anteriormente, em meados anos 30, a pobreza era vista como uma disfunção social particular do indivíduo. Essa e outras expressões da questão social eram controladas pelo Estado de forma repressiva com a finalidade de integrar os indivíduos ao sistema. As instituições solidárias, especificamente as religiosas, auxiliavam o Estado atendendo os pobres através de encaminhamentos para asilos ou internatos. Essa pratica era realizada, com objetivo de ajudar os assistidos, no sentido de mascarar suas reais condições de vida. Pode-se dizer que nesta ótica, a Assistência não era compreendida como um direito, mas sim como uma pratica pragmática e imediaticista.

Na década de 30, com a passagem da economia agroexportadora para a industrial juntamente com as péssimas condições de vida e de trabalho, a classe operária vai ser reconhecida pelo Estado. Os fatores fundamentais para esse reconhecimento, foram às lutas e protestos empreendidos mediante enfraquecimento das organizações trabalhistas, e, sobretudo pela exploração a qual a classe era submetida.

As leis sociais, oriundas do estado corporativista de Getulio Vargas (1883-1954), fizeram com que a presença política da classe operária fosse reconhecida e que as necessidades sociais fossem consideradas, ainda que minimamente.

Neste mesmo período, especificamente em 1933, o Serviço Social foi implementado no Brasil, inicialmente para dar enfrentamento às questões da classe operária, de forma pragmática e direcionada à solidariedade. Surge, segundo Raichelis (1988:63. 64):a partir de iniciativas de grupos sociais majoritariamente femininos vinculados à Igreja Católica, cuja origem social pode ser localizada na burguesia e aristocracia agrárias da época, é que constituirão exatamente a base social do movimento leigo.

A crise mundial do capital foi um dos fatores que contribuiu para que o Estado de Vargas, se reposicionasse diante da sociedade, regulando a compra e venda da força de trabalho, através da criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943. Diante disso, o Estado passa a ter responsabilidades com a população, sendo obrigado a compreender a questão social como uma questão política, onde os serviços sociais deveriam ser prestados pela Assistência de forma a regular e controlar os conflitos sociais.

A política trabalhista no governo de Vargas, centrada no paternalismo, visava o controle dos movimentos operários e das greves que por ventura fossem realizadas, por meio do Sistema de Seguridade Social. Este sistema fora implantado via institutos de Previdência para industriários, bancários e outras categorias trabalhistas. Foram criados ainda nesse período, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, a Carteira de Trabalho e a Legislação Trabalhista. Nesse aspecto, é relevante citar que os trabalhadores rurais ficaram fora deste sistema devido à falta de uma organização de caráter reivindicatório e pela forte pressão dos latifundiários.

Na ótica da política paternalista, foi criada em 1942, a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Segundo Torres (2002:85,86),tratava-se de um órgão beneficente coordenado e chefiado pela primeira-dama Darcy Vargas. Inicialmente visava a atender as famílias dos soldados que iam ou estavam envolvidos com a Guerra. Posteriormente em 1946, passa a dedicar também sua atuação a infância e a maternidade, legitimando o Estado e acentuando ainda mais o assistencialismo a partir das obras de caridade.

Na verdade, Vargas cria esta instituição com o intuito de legitimar o seu governo usando o assistencialismo como estratégia política, pois, a figura da primeira-dama representava a generosidade e a caridade humana, diante da classe subalterna.

Na década de 50, durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), a prioridade continuava sendo dada à economia. A política desenvolvimentista abre as portas ao capital estrangeiro consolidando assim, a dependência econômica. Mesmo com enfoque voltado a esta questão, Kubitschek desloca a sua atenção para outros segmentos sociais, principalmente àqueles ligados aos programas de Desenvolvimento de Comunidade. As lutas populares e os conflitos entre as classes intensificam-se nesse período, fruto dos processos de urbanização e industrialização. Destaca-se nesse período a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) em 1959 e o apoio governamental aos programas de Desenvolvimento de Comunidade.

O governo de Jânio Quadros (1961-1964) e João Goulart (1961-1964) na década de 60 foi marcado pela estagnação econômica face ao endividamento externo e o aumento da inflação. As forças populares pressionavam o Estado no sentido de ampliar o espaço de participação tanto politicamente quanto economicamente. Merece destaque a criação do 13º salário, do salário família para os trabalhadores urbanos e a criação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), atendendo apenas aos trabalhadores em regime de CLT, definindo o período de aposentadoria de cinco anos para as mulheres (60 anos) e para os homens (65 anos).

Em 1964, o Brasil é marcado pelo regime ditatorial fortemente caracterizado por repressões, torturas, censuras, e pela associação entre segmentos da burguesia e capitais estrangeiros. A forte repressão da década de 60, não impossibilitou o crescimento econômico nem tampouco a concentração de riqueza, pelo contrário, o Estado utilizava as políticas sociais como instrumentos de legitimidade do sistema, estimulando e concentrando ainda mais a renda. Um exemplo disso foi a criação do Instituto Nacional de Previdência (INPS, no intervalo entre 1964-1966), com a finalidade de proporcionar o aumento da produtividade.

Como destaca Yazbek (1993:40) "a matriz conservadora e oligárquica, e sua forma de relações sociais atravessadas pelo favor, pelo compadrio e pelo clientelismo, emoldura politicamente a história econômica e social do país, penetrando na política social brasileira". Neste sentido, pode-se dizer que, neste período não houve avanços em ralação a Assistência, visto que, a coerção dos militares possibilitava o aumento das desigualdades sociais e a fragmentação no que se refere ao acesso a bens e serviços.

Na década de 80, a questão mostra-se mais evidente em decorrência do aumento da pobreza e das lutas pela democratização do país. Foi um período de recessão econômica, a qual resultou no corte das importações, na restrição de crédito, na tentativa de elevação das taxas de juros culminando com o arrocho salarial e conseqüentemente com a precariedade das condições da população. Com o propósito de derrubar o arrocho salarial, as lutas dos trabalhadores intensificaram-se, ampliando a possibilidade de abertura democrática pela força tanto dos trabalhadores como também da sociedade civil, através dos movimentos pelas eleições diretas.

Gradualmente a ruptura com o Regime militar foi se concretizando. A transição democrática completou-se no Governo de José Sarney (1986-1990), com a instituição do Plano Cruzado (1985-1986) e com a ampliação do consumismo pelos trabalhadores como reflexo direto do congelamento dos preços, mesmo durando pouco tempo, e principalmente por constituir uma nova concepção de Proteção Social.

Só no final da década de 80 a Assistência foi reconhecida como um direito social. As concepções de universalidade, descentralização, direitos e equidade passam a ser utilizadas como norteadoras para a construção de um novo padrão de política social. Em 1988 a nova Constituição brasileira entrou em vigor, representando um avanço no que se refere à democracia e a Seguridade Social.

Esta passou a ser vista e compreendida através do tripé Saúde, Previdência e Assistência Social.A saúde passou a ter uma cobertura universal através do Sistema Único de Saúde (SUS), e como direito de todos e dever do Estado. A Previdência reafirmou-se como um modelo de gestão publica, via contribuições sociais. A Assistência por sua vez passou a ser responsabilidade do Estado, vista como um direito social, priorizando o atendimento a todos aqueles que dela necessitam, ou seja, a todos aqueles que não possuem condições de satisfazer suas necessidades básicas e de seus familiares.

É importante destacar que no final do governo de José Sarney, prevalecia uma tendência conservadora com enfoque no corte aos gastos sociais, que mais tarde culminaria no resgate da pratica assistencialista, e serviria como estratégia para o não cumprimento da Constituição Federal de 1988.

Mesmo reconhecida pela Constituição Federal como um direito, a Assistência Social só foi regulamentada em 1993 com a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742 de 07/12/1993 – LOAS), passando a ser vista como "direito do cidadão e dever do Estado, política de Seguridade Social não contributiva, que prover os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade,para garantir o atendimento às necessidades básicas". A Política de Assistência assume uma maior visibilidade tornando-se um mecanismo estratégico de acesso a bens e serviços aos excluídos, ou seja, passa a ser vista como uma ponte que liga os programas compensatórios e os serviços sociais aos usuários.

A proposta da LOAS, assenta-se na concepção da Assistência enquanto direito, que deve conferir ao cidadão o amparo legal de ser reconhecido judicialmente como tal. Na prática, a Política de Assistência está presa à ótica do favor e da benesse, tendo em vista que até hoje existem segmentos institucionais públicos ou privados que a enxergam como uma prática meramente caritativa em detrimento a uma dimensão política.

Nesse contexto, a Assistência passa a ser confundida com o assistencialismo encontrando, principalmente nas organizações filantrópicas, o espaço necessário para o desenvolvimento de ações voltadas ao imediaticismo. No âmbito dos direitos sociais, deveria deixar de ser responsabilidade da sociedade civil para ser responsabilidade do Estado.

A Assistência enquanto política social, não pode ser submetida à lógica do mercado nem gerar e buscar lucro, pois se constitui num direito gratuito e não contributivo. Deve ainda prover os mínimos sociais, garantindo o atendimento às necessidades sociais básicas através da universalidade.

Na prática, o princípio da universalidade é esquecido. O que se vê é uma política desarticulada, fragmentada, pontual e descontinua. Assume um caráter altamente seletivo, estimulando cada vez mais as desigualdades sociais e a exclusão dos usuários. Nesta lógica, a pobreza assume uma postura natural em relação às contradições do sistema.

Outro fator que merece destaque, é que a Assistência Social constitui-se numa política altamente contraditória, ao passo que ao mesmo tempo exclui e inclui os usuários aos bens e serviços prestados. A Assistência ora promove a inclusão como forma de efetivar os direitos sociais, ora submete os usuários a seletividade, tendo em vista que o acesso aos benefícios sociais torna-se cada vez mais escasso.

No Terceiro Mundo, incluindo o Brasil, a ausência do acesso a bens e serviços pela maioria da população, introduz o que Sposati (1991:22) chama de "castração da cidadania", ou como diz Fleury é uma espécie de cidadania invertida "já que o individuo passa a ser beneficiário do sistema pelo motivo do reconhecimento da sua incapacidade de exercer plenamente a condição de cidadão" (apudSPOSATI,1991:24).

O que se pode ver é que, o princípio da universalidade inerente à política de Assistência não é devidamente cumprido. Na prática assume-se um caráter altamente seletivo e fragmentado, estimulando cada vez mais as desigualdades sociais e exclusão dos usuários dos serviços.

Um ponto que pode ser abordado como um avanço no que se refere à concretude aos princípios e diretrizes da LOAS, foi a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em 2004, apresentada ao Conselho Nacional de Assistência Social pela Secretaria Nacional de Assistência Social, do Ministério de Desenvolvimento e Combate à Fome, com o propósito de construir uma nova agenda para a cidadania no Brasil.

Tem como principal objetivo, a construção e a implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), propondo uma gestão descentralizada nas três esferas do governo na provisão das ações socioassistenciais através da intersetorialidade e a participação popular. Define elementos importantes para a execução da Política de Assistência, de modo a qualificar o atendimento, normatizar, ampliar e universalizar o acesso e consagrar a cidadania.

A rede socioassistencial presente na PNAS, deve ser desempenhada pelo SUAS em parceria com os Centros de Referencia de Assistência Social (CRAS). O CRAS, segundo a PNAS, é uma entidade pública, estatal de base territorial localizada em áreas de vulnerabilidade social, que abrange a um total de ate 1.000 famílias/ano. Executa e coordena a rede de serviços sociais locais de proteção social, atuando com as famílias e indivíduos no contexto comunitário, objetivando a orientação e o convívio sócio-familiar. Promove ainda, o encaminhamento da população local para as demais políticas sociais, possibilitando o desenvolvimento de ações intersetoriais, de forma a romper a exclusão e a vulnerabilidade social.

Para minimizar a exclusão social fruto do ideário neoliberal e do capitalismo, o Estado vai buscar parceria com a sociedade civil, com o propósito de complementar a oferta de serviços, programas e projetos sociais. O que o Estado pretende com isso é transferir sua responsabilidade enquanto gestor social para setores da sociedade, especificamente para as instituições que compõem o Terceiro Setor. Como afirma Sposati (2002:24):

por operar com as necessidade dos segmentos populares e até por particulariza-las como questões excepcionais, as ações de assistência social comumentepossuem forte recorte local. Mais ainda, por não construir um perfil de responsabilidade própria, o padrão de ação governamental nesse campo sempre buscou alianças com organismos locais. Seu caráter de ajuda favoreceu o comportamento do partilhar soluções.

O Estado utiliza a parceria como estratégia de legitimação. O objetivo concreto não é a potencialização dos serviços sociais e sim um resgate da prática assistencialista, ou ainda como destaca Sposati(2002:112):

a assistência associada à benevolência passa a ser encarada como uma prática social natural, banal, nascida da própria condição de solidariedade dos indivíduos humanos em sociedade. Em decorrência, guarda um sentido marginal, enquanto dever do Estão, ou seja, ela é secundarizada e se impõe como exigência marginal enquanto dever do Estado. Enquanto exigência marginal, é apreendida como gesto de benevolência; pode ser descartada, já que seus resultados são secundários e paliativos.

Assim, apesar de possuir um caráter universal e ter isso explícito na Constituição Federal e na LOAS, a Política de Assistência utiliza a seletividade e triagem dos mais necessitados considerando o grau de demanda. Dentro das limitações institucionais, direcionada pela perspectiva pós-moderna, o Assitente Social assume o papel de selecionar os usuários que participarão dos projetos e programas sociais.

Para que a intervenção profissional do Assistente Social não se limite a ação emergencial dos usuários, é necessário que o mesmo apreenda a realidade dentro de sua complexidade e historicidade, considere a dinâmica da sociedade analisando-a criticamentee acima de tudo compreenda a Política de Assistência como um direito conquistado.

REFERÊNCIAS

1-ANDER, Egg E. Introdução ao trabalho social. Petrópolis, editora Vozes, 1995.

2-BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social, Secretaria de Assistência Social, Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS - , MPAS, Brasília, 1993.

3-FALEIROS, Vicente de Paula. O que é Política Social?, Coleção Primeiros Passos, editora Braziliense, 2ª edição, São Paulo, 1986.

4-RAICHELIS, Raquel. Legitimidade popular e poder público, Cortez editora, São Paulo, 1988.

5-SPOSATI, Aldaíza de Oliveira. Carta-Tema: A Assistência Social no Brasil 1983-1990, Cortez editora, São Paulo, 1991.

6-SPOSATI, Aldaíza; FALCÃO, Maria do Carmo; FLEURY, Sônia Maria Teixeira. Os direitos (dos desassistidos) sociais, Cortez editora, São Paulo, 2002.

7-TORRES, Iraildes Caldas. As primeiras-damas e a assistência social relações de gênero e poder, Cortez editora, São Paulo, 2002.

8-VIEIRA, Balbina Ottoni. Serviço Social, processos e técnicas, livraria agir editora, Rio de Janeiro, 1973.

9-YASBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e Assistência Social, Cortez editora, São Paulo, 1993.


Autor: cinthya cristiane


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