DO CRIME DE DESACATO NO BENEPLÁCITO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO



I – DAS CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O crime de desacato encontra suas origens no Direito Romano.

À época, o agente que insultava o magistrado, no exercício de suas funções, cometia um delito grave, punível até mesmo com a pena capital.

Em o Brasil, o Código Penal de 1890 adotou o nomen juris de desacato para definir a conduta do agente que se dirigia de forma desrespeitosa ou desprezível contra o funcionário público no exercício de suas atividades.

Hodiernamente, com o advento da Lei n° 9.099/95, o desacato passou a ser considerado como uma infração penal de menor potencial ofensivo, possuindo previsão legal no art. 331 do Código Penal Brasileiro, que dispõe ipsis literis:

"Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, ou multa".

Ademais, é válido salientar que o bem jurídico tutelado no crime de desacato é a Administração Pública, mormente em seu interesse moral.

II – DO SUJEITO ATIVO E PASSIVO

O desacato é crime comum. Por isso, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.

Ponto de realce na doutrina condiz com o crime de desacato praticado por funcionário público contra funcionário público.

Os que defendem a impossibilidade desse crime fixam-se no fato de que o desacato se encontra no capítulo dos crimes praticados "por particulares" contra a Administração em geral, ou seja, o agente deve ser um "estranho". Se for funcionário público, não haverá desacato, e a infração é considerada autônoma — injúria, lesão, difamação, calúnia, ameaça etc.

Acórdãos há em que a inteligência ao artigo ora em foco gizam que, dentro do princípio da reserva legal, que informa o nosso sistema penal, não é extensível ao funcionário norma criada para punir o ilícito praticado por particular. Dessarte, a omissão do legislador não seria suprida pela aplicação analógica da norma incriminadora, em face da garantia constitucional da legalidade dos delitos e das penas.

Em contrapartida, os que apóiam a possibilidade de o crime ser praticado por funcionário público fundamentam tal posição no fato de que o funcionário, ao praticar o delito contra outro funcionário, despe-se dessa qualidade, equiparando-se ao particular. De fato, se o bem jurídico a ser tutelado é o prestígio da função pública, é incompreensível como possa ocorrer lesão jurídica tão-somente quando a conduta é praticada por particular.

Nesse lamiré, há o pressuposto, consoante dispositivo legal, de que o sujeito ativo há de ser um estranho; contudo, a este se equipara o funcionário público que, ao praticar o delito, despe-se dessa qualidade. Se maltrata física ou moralmente outro funcionário in officio ou propter officium, torna-se irrelevante que seja de categoria idêntica à do ofendido. E até mesmo se o ofensor é superior hierárquico do ofendido.

Quanto ao sujeito passivo, primeiramente é o Estado. Secundariamente, tem-se o funcionário público desacatado.

O Estado tutela o prestígio de seus agentes e o respeito devido à dignidade de sua função, isso porque a ofensa que lhes é irrogada, seja na presença dele ou no exercício de sua atividade funcional, ou ainda, em razão dela, atinge a própria Administração Pública. Daí não haver, in casu, injúria, difamação ou desrespeito ao funcionário, pois são esses considerados crimes contra a pessoa.

III – DA MATERIALIDADE

Aduz o artigo 331:

"Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, ou multa."

É notório que o objeto material desse delito se encontra em desacatar funcionário público.

Desacatar, semanticamente, é faltar ao respeito devido a alguém, desprezar, menoscabar, afrontar, vexar. Pressupõe-se, pois, que se alguém faltar com o devido respeito ao funcionário público, afrontá-lo, vexá-lo, estará incurso no artigo 331 do Código Penal Pátrio.

Não obstante, o conceito "faltar ao respeito devido a..." é muito amplo. Ademais, depende do contexto em que ocorre. O que pode ser insignificante em certas situações, não o será em outras.

Além disso, integra a figura típica do delito a circunstância de que a ação seja praticada contra funcionário no "exercício da função ou em razão dela". Eis o nexo causal, indispensável para que o delito se configure.

Isso porque, a tutela penal relaciona-se com a função e não com a pessoa do funcionário. Por isso, deve o funcionário encontrar-se no exercício de sua função, ou seja, realizando, no momento do fato, qualquer ato de ofício ou correspondente às atribuições do cargo que desempenha. O nexo é ocasional.

De outro lado, não exige o tipo que o funcionário esteja apenas no exercício da função, mas também que, ao ser praticado o ato, esteja ele "em razão dela".

Aliado ao quanto aduzido, tem-se que, embora a lei não expresse literalmente, é constitutivo da figura que o desacato seja praticado na presença do funcionário ofendido. Se o delito for praticado, em razão de suas funções, na ausência do funcionário haverá crime qualificado contra a honra.

Portanto, deve o funcionário estar presente ao local onde a ofensa é praticada, tomando conhecimento do fato.

Caso a ofensa seja irrogada por escrito, haverá a tipificação do crime contra a honra.

IV – DO TIPO SUBJETIVO

Em o crime de desacato, o elemento subjetivo é o dolo específico, consubstanciado no agir, uma vez que o agente tem por objetivo desrespeitar ou desprestigiar a função pública exercida pela vítima.

O delito é consumado no local e no instante em que ocorre a prática do ato ofensivo, ou no momento em que o agente profere as palavras ofensivas que configuram o desacato, na presença do ofendido.

V – DA AÇÃO PENAL

A ação penal é pública incondicionada. Inexiste, assim, possibilidade de retratação.

O delito de desacato é crime de pronta e rápida execução, instantâneo, em que o agente exaure, sem demora, os atos exigidos para sua consumação.

VI – DA CONCLUSÃO

Em nível de desfecho, é cabível elucidar a tênue linha que distingue uma atuação rigorosa dos funcionários públicos, na execução de seus deveres, de um comportamento injusto, agressivo, que fere direitos que a CRFB/1988 outorga a todos os cidadãos.

A Administração Pública deve zelar pelos seus funcionários, através da previsão do delito de desacato, preservando o direito do cidadão, constantemente afligido por condutas ilegais e agressivas daqueles que deveriam zelar pelos interesses do povo.

Aliado a tudo quanto exposto, conclui-se que desacatar significa menosprezar, menoscabar, desprezar, humilhar. A conduta do agente se dirige contra funcionário público no exercício de sua função, ou em razão dela. E concebe-se como funcionário público, em âmbito penal, quem, embora provisoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública, vez que é latente a impressão de que apenas policiais civis, militares ou federais podem ser vitimas do crime de desacato. Todavia, o conceito que a lei penal utilizou na definição de funcionário público é mais amplo, englobando desde um ministro do Conselho Nacional de Justiça até um serventuário da justiça comum estadual.

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, v. 3, Parte Especial. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 399.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 7.ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. p. 524.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, 4º volume, Parte Especial. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 133.

PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: Parte Geral – arts.1.º ao 120.5.ª ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 556.


Autor: Rafael O. Carvalho Alves


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