Insônia



 

            Enquanto milhares de seres humanos dormem nesta cidade pacata de clima bucólico, descansam para um novo dia, que se aproximará quando os primeiros raios solares brilharem ao Norte, lá estou curtindo a insônia, resistente à TV, aos livros, aos chás... O tempo parece uma eternidade. Escuto os gritos da loura ao ser agredida pelo namorado ao sair daquela casa de shows; há poucos minutos notei um casal homossexual ser perseguido por um desconhecido em uma motocicleta; observo aquela extensa avenida com as corridas ilegais realizadas por jovens embriagados mantidos e avalizados por seus pais. O mundo encarregar-se-á da sua criação. São mais crianças e cada vez menos pais. A escola educa, os pais já não fazem a mínima questão. Não perguntam mais: cadê meu pupilo?

            Apagou-se a luz do apartamento vizinho; pudera, já passávamos das duas da manhã. Eu aqui sentindo o cheiro de relva, o coachar das rãs e a melodia dos veículos noturnos. Na calçada trafegam vários jovens, um se adianta ao grupo e num movimento brusco espatifa-se no chão. O sangue desce, alguns gritam clamando por ajuda. Pego o celular, mas a bateria acabou há três dias. Pouco uso. Começa a chover, o sangue juvenil mistura-se a água enquanto o socorro não vem. Observo tudo. Não sou um voyer, apenas uma vítima da insônia.

            Leio mais um trecho da História Concisa da Literatura Brasileira, do competentíssimo Alfredo Bosi, livro este que a professora Renata diz ter lido e não o leu. Vem sono, nada. Penso em tomar cervejas, embriagar-me e conseqüentemente dormir o sono dos bêbados, mas já são três anos sem colocar qualquer gota de álcool em meu corpo e, também, ninguém merece a ressaca no dia seguinte. É de matar!

            O cachorro late chamando pela cadela no cio. Lá, também, os gatos se estranham em uma disputa acirrada pela gata em plena fertilidade. É o mundo animal. Em sua racionalidade afetada, homens procuram prostitutas para demonstrarem sua virilidade animal. Mas há quem afirme que prostitutas não atuam mais em bordéis: estão espalhadas por todos os lugares. Camufladas. Lojas, escolas, bancos, delegacias, supermercados, escritórios, prefeituras, igrejas, câmaras, residências familiares...

            O sono chega quando o galo acabara de cantar, todos trabalharão; para mim: mais um feriado.


Autor: Sergio Sant'Anna


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