A velha casa caiada



A VELHA CASA CAIADA

 

(ao poeta pernambucano Mauro Motta)

 

Sapatos largados na entrada da porta

tia corre

- menino danado, não deixe chinelo emborcado.

Seria o inverso há algum tempo

em que cataria sem querer sapatos dos meus filhos.

 

Não existe trilha certa, o coração é que manda

que comanda nossos pés e nossos atos.

A velha casa caiada e mofada

em que eu odiava estar preso ali

quem diria agora ser paixão e sonho de minha vida.

 

Venderia os olhos de minha cara

e compraria de volta a velha casa

onde hoje passam carros de época

ontem passaram rebanhos de rês

e de quando em vez o trovão assola o mundo;

o regresso ao antigo já evem.

 

Do teto cai, goteja

água barrenta do pó da telha

parece que parede vai desabar

mas o burburinho na bica

azedo

não faz olhos pestanejar como dantes.

 

Ah! A velha casa caipira

branca e manchada que nem a Mestiça

primeira vaca já feita que ganhei das mãos de meu pai

e tia rezou dois credos:

- homem bom se transformou.

Já não tinha mais angústia

e o ódio não tinha mais.

 

Casa velha e caiada, cheia de lodo

e limo escorrendo às paredes

me mostra a canção que mãe cantava

sem que eu jamais pudesse vê-la

o que fez de minha tia tomar conta de nós seis.

 

Deixar noivo na cidade linda e grande de Sobral

futuro de mulher de doutor

lavar roupa, lavar prato

ajudar com a boiada

cuidar de menino malino, era coisa pra devoção 

Padre Cícero, São José e o nosso Frei Damião.

 

Era grande a nossa luta

a labuta de meu pai

sem nenhuma instrução

que o fez meio carrasco.

Mesmo morte de um dos filhos

por uma vaca mal comprada não fez ele chorar.

Arrancou arame e cerca

fez alta fogueira do curral

acabou produção leiteira, embrenhou um canavial.

 

Mais triste ficou nossa sina

arar campo sem olhar para trás

sem notar a dureza do chão

mas, não foi o trabalho,

foi um carro que levou meu outro irmão.

Desgostoso nosso pai deu casa por pouco preço

foi viver em Mato Grosso

carregou somente os outros

menino muito pequeno morre mais fácil.

 

Nossa vida, eu e tia, era verdadeira agonia

achava que ali seria o fundo do nosso poço.

Mas tia não se abateu

lavou roupa mais que nunca

pegou febre quase morreu.

Quase fiquei sozinho na vida

e o mais triste, me lembro agora, foi a nossa despedida.

 

Tia morreu velhinha, me viu casado e feliz

era para ela um sonho, uma glória

sua verdadeira salvação

me ver doutor que nem seu noivo amado

e eu lhe fiz essa questão.

 

Mas, ingrata é essa vida que a gente leva,

apanha e não aprende

e só gosta quando sente a saudade apertar

de sofrer com as lembranças

triste da minha infância

do sofrimento vivido meu antigo lar.

Comprei de volta a velha casa caiada

porque era o meu lugar

branca, manchada e mofada.


Autor: Roberto Remígio


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