A História como Arma



Interessante pensar no poder da História e no quanto esta serve de arma e ao mesmo tempo de brinquedo. Há momentos cruciais em que o domínio da História serve para engendrar poder em detrimento daqueles que ignoram os fatos do passado.

Napoleão Bonaparte construiu sua imagem através das obras conduzidas pelo grande J. L. David. Tão poderoso quanto foi Adolf Hitler, cada qual a sua época. Ambos conheciam a História. Com discurso implacável e política arbitrária, o füher fez milhões de alemães acreditar no sonho da dominação. Hitler, personificação da ditadura, estava determinado a galgar o sucesso não importando as penas. Ele perdeu e consigo caíram os governos autoritários em grande parte do Ocidente.

O pós-guerra trouxe um luminar de liberdades, ensejando democracias (veladas pela tensão bipolar EUA x URSS) e iniciando os anos dourados. No Brasil, os jovens cantam poesia numa roda de violão. A Bossa Nova canta ao lado do samba melodias que embalam a sociedade na aparente calmaria. O cinema, os festivais de música, o crescimento do país corroboram o período da expressão popular. Vargas volta remodelado em 1951 para ser empossado Presidente da República democraticamente. Ele dominava a História. Numa cartada política magistral entrou para a História, e aquele que ficou conhecido como pai dos pobres, símbolo dos líderes que o povo amou, está nos estandartes políticos até hoje. Ecos de um passado que engenhosamente se manifesta reiteradas vezes.

Outro símbolo da representação popular entrou nos lares brasileiros vendendo a imagem do predestinado. O romance JK exibido na televisão, competente na esfera artística, constrói a imagem do herói que fez o Brasil crescer 50 anos em 5. Quem assistiu e quem escreveu teriam o mesmo conhecimento histórico? Abre-se a discussão sobre tamanho crescimento. A transferência de poderes para a recém-nascida Brasília, exemplo da modernidade arquitetônica e urbanística, que esvaziou os cofres públicos quando foi construída, é o ocaso do Rio de Janeiro, a outrora capital dos Bragança e primeira capital republicana. Rolou a bola de neve da dívida monetária brasileira que irá provocar a avalanche econômica na moratória dos anos 80.

A guerra fria que assombrou tantas mentes por décadas permeava os fatos. A democracia da década de 1940 foi esfacelada com a ditadura militar nos anos 1960 no Brasil e outros países do cone sul. Cuba tornou-se independente da dominação indireta dos EUA e em 1962 aliou-se à URSS, união temida no Ocidente, num ponto geopolítico de suma importância. Trocou uma dominação por outra.

Quem aplicou o golpe militar (que se tornaria regime de governo por mais de duas décadas) no Brasil conhecia a História e a partir de então alijou a todos das análises desta. A expressão popular foi vetada, a violência grassava solta, os chamados subversivos, repelidos, para não perturbar a Ordem e o Progresso tão bem protegidos pelos militares. Governo de poucos para poucos, onde a memória da tranquilidade e desenvolvimento da época cria falsa nostalgia de um equilíbrio virtual, pregado pela imprensa cuidadosamente acompanhada pela censura; impressão determinada pelo sistema onde a maioria via somente o que era preciso. Lamarca foi um de tantos que não concordou. Pagou o preço da ousadia.

Os 21 anos de governo militar moldaram a nova face da cultura. A guerra fria e o medo nuclear se espraiavam. A juventude lê tudo isso, pensa, escreve, produz e no olho da furação surge a chamada cultura transviada, com músicas de protesto e guitarras distorcidas abalando a ordem instituída. Em plena ditadura estão Caetano, Gil, Mutantes e tantos outros mandando seus recados em poesias que são hoje atestados de um período de nossa história. Raul Seixas, mosca na sopa do sistema, falava do ouro de tolo... Nascem outras vozes de resistência nos anos 1970 como o heavy-metal, amadurecido nos 80. O estilo de música pesada, de protesto ao estado de coisas, abarca uma crescente gama de fãs, capaz de reunir, nos anos 90, cerca de 1 milhão de pessoas em plena Moscou, interessadas no rock pesado ocidental.

Não é mais a época da bossa nova, e sim das bandas de rock, das músicas rápidas embalando a massa num transe outrora incompreensível. As mensagens dos grupos da década de 1970 ganham novas formas e sentidos no Brasil que se redemocratiza na década de 80 e surgem novos representantes da juventude naquele momento de efervescência política. Guessinger citava Fidel e Pinochet, Renato Russo perguntava: Que país é este? Jovens que viveram a história e leram além das manchetes escreveram músicas que se tornaram a pedra de toque para questionamentos sobre a sociedade atual sobre nomes de ontem e de hoje que integram o cenário político.

A partir de 1989, os ideais soviéticos sucumbem, o capitalismo vence, o neo-liberalismo se consolidou e com isto chegou-se a falar do fim da História. A História não acabou, chegou até aqui. Para se poder determinar os caminhos futuros é imprescindível o uso da História como arma para que se levantem questionamentos sobre atos e fatos que regem a vida quotidiana. O povo que tem domínio de seu passado não permite manipulação de seu futuro.

Roger dos Santos

Professor na Faculdade de Engenharia de Sorocaba (Facens) e Anhanguera Educacional Sorocaba.


Autor: Roger Santos


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