QUE QUE É ISSO, MINHA GENTE



Maria Ângela Coelho Mirault Pinto*

Não pude acreditar no que eu vi. Amanhecemos com inúmeras faixas assinadas pela Prefeitura de Campo Grande expostas em muitas ruas da cidade, desde a entrada do aeroporto até a saída para São Paulo, com alguns dizeres: "Campo Grande tem orgulho..." "Campo Grande torce por você...". Orgulho de que, cara pálida? De uma moça que está "honrando" a cidade e o nosso povo, pelo simples fato de ser uma das finalistas do big-brother , e, simples assim, por isso, prestes a ganhar um milhão de reais?! Seria esse fato tão relevante a ponto de merecer a manifestação pública em nome da Prefeitura e da Câmara Municipal? Façam-me o favor, isso é absolutamente inadmissível. Isso nos envergonha. Quais são os significados da palavra honra, orgulho, para os senhores? Quais são seus valores? O que ensinam para os seus filhos? Já não bastava a colonização global que submete todo um povo, que, alienado, diante da tevê, anestesiado, ainda, paga pelo seu voto, para que alguém - sem ter praticado qualquer ato de heroísmo cidadão, sem possuir um diferencial de talento pessoal ou honradez - ganhe um milhão de reais custeados pelos nossos míseros centavos, por intermediação de uma empresa de telefonia, sócia dessa empreitada? Os senhores sabem mesmo quanto um trabalhador ganha aqui por 170 horas de trabalho mensal? Os senhores já observaram à saída do turno noturno de nossas faculdades, na quantidade de jovens, que, depois de um expediente de trabalho exaustivo, ainda buscam forças, alimentam esperanças de melhorarem suas vidas para tornarem-se orgulhos dos seus pais, de suas famílias, mesmo ganhando tão pouco, mesmo utilizando nosso precário sistema de transporte?Já não bastou o mau exemplo do final do ano, com a exposição acintosa de rostos policromados de alguns vereadores e deputados nos outdoors da cidade, nos desejando feliz natal? Com o dinheiro de quem, agora, essas faixas chegam ás ruas? Mas, ainda: sob a decisão de quem, manifesta-se tanto ufanismo? A troco de quê? Onde estão os assessores, meu Deus?! Um ser de bom senso que impedisse esse desvario? Não tem qualquer justificativa, ou explicação, uma cidade chegar a esse ponto de alienação. Este ato demonstra que Campo Grande prestes a se tornar uma metrópole, com seus quase 800 mil habitantes, desvela-se no seu mais reles provincianismo imposto por seus políticos!

Em nosso nome não, por favor! Nós (alguns de nós) não nos orgulhamos da "moça-do-big-brother", não por isso. Nós não, não podemos fazer isso. E os senhores que fazem parte da elite política não têm o direito de fazê-lo em nome de toda uma população. Não, enquanto em nossos semáforos tantos jovens fazem malabarismos para ganharem um trocado. Não, enquanto nossos postos de saúde estiverem lotados, dispensando jovens como a "moça-do-big-brothe" (algumas já são até mães!) porque não têm atendimento suficiente. Não podemos; enquanto existirem ainda muitas crianças fora das creches, e com esse direito constitucional não atendido, verem escoar suas infâncias e suas vidas. Não, senhores políticos, alguns de nós não podemos comemorar com vocês, essa absurda manifestação pública. Podemos, sim, questionar, exigir que sejam prestadas contas à população. Exigir, sim, que retirem o quanto antes essa inadmissível comemoração em nome de toda uma cidade e que agride nossa cara. Eu quero! Quero saber quem teve a idéia, quem autorizou e quem pagou? Quero prestação de contas, sim, senhores.

Quem sabe, reclamar à justiça, à diocese, ao poder executivo, ao papa. Por enquanto, eu e muita gente estamos é morrendo de vergonha, porque uma cidade como Campo Grande não pode mais ser tão pequena de valores. E, não se iluda, mocinha, com o agrado dos nossos políticos: você (ainda) não é (e não pode ser) nosso orgulho! Vá, primeiro, trabalhar, vá estudar, vá contribuir com sua gente, como tantas moças como você, apesar de todos os obstáculos, anonimamente, o fazem.

Ai de ti Campo Grande, continuas sem rumo e sem dono, conspurcada como nunca por quem recebeu a confiança do teu povo, para representar-lhes, e que, ainda, não se deu conta da imensa responsabilidade que os nossos votos lhes outorgou. Agora, minha última esperança é que, a provável passeata em carro aberto, em homenagem a "heroína", não se dê pelo valoroso e honrado Corpo de Bombeiros e sob as sirenes de nossa Polícia Militar. Aí sim, seria o máximo do arbítrio, do abuso do poder público e da improbidade administrativa. E teríamos, todos, que voltar à escola, para,urgentemente, aprendermos os novos significados das palavras, e, rever tudo de novo que temos a respeito de valores!

  • Educadora, Doutora e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
  • Esse artigo foi publicado dia 09/04/2009, no jornal diário Correio do Estado, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul

Autor: maria angela mirault


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