BLACKOUT



Quando menos se espera, a surpresa: falta a luz. Se for durante o horário nobre da televisão ou na hora do futebol, ouve-se um murmúrio de desilusão e reprovação que vem de toda a vizinhança.

 

Pois é. Dia destes aconteceu, justamente no horário da famosa novela das oito. Como hoje já é mais raro o denominado blackout, nome sofisticado que se dá à falta de luz, dificilmente estamos prevenidos com várias velas. Assim sendo, tateamos no escuro até encontrarmos um toco de vela abandonado no fundo da gaveta da cozinha há bastante tempo. Foi a única que encontramos no momento.

 

O filho que estava no computador, teve que abandona-lo e aproximar-se da sala,  única peça onde havia luz. A filhas que estavam estudando no quarto também. Logo estávamos todos reunidos ao redor da chama vacilante da única vela que possuíamos. Silêncio total. Havia cessado o som da televisão, do computador, do rádio em que eu escutava o programa de esportes enquanto lia um novo livro e a música alta que vinha dos vizinhos. Até estranhamos, já que apenas ouvíamos o som dos cães e dos gatos da rua.

 

É engraçado. Parece que não sabemos mais como agir tendo como fundo apenas os sons da natureza. Ficamos perdidos sem os ruídos eletrônicos que nos acompanham a cada passo hoje em dia.

 

Eu comentei qualquer coisa a respeito do que poderia ter acontecido para que ocorresse aquela falta repentina de luz. Minha mulher queixou-se do fato de que perderia um capítulo importante da novela e o filho lamentou o fato de que havia perdido parte do que já havia escrito no computador.

 

Tive a idéia de trazer à tona algumas de minhas lembranças de menino. Comecei a contar que na minha infância, como ainda não havia televisão na cidade em que morávamos, logo após o jantar todos se reuniam na sala e ali os mais velhos contavam antigas histórias da carochinha para as crianças e alguns “causos” como se costumava dizer. Não sei se eram verídicos ou não, porém tinham como ponto comum as pinceladas inevitáveis da criatividade de quem contava.

 

Pediram-me que eu reproduzisse algumas dessas histórias, coisa que eu fiz com muito prazer já que todos pareciam estar atentos a cada detalhe. Era como se de repente, na falta de imagens reais ou virtuais, tivessem resgatado a imaginação.

 

Contei ainda que uma das brincadeiras que fazíamos naqueles tempos distantes, era aquela em que cada um cantava e interpretava uma melodia que achasse bonita. Logo o violão estava nas minhas mãos e relembramos juntos várias velhas canções que pareciam estar perdidas no fundo de nossas mentes. Desfiamos músicas como As Rosas não Falam, Carinhoso, Ronda, Negue, Felicidade, Gauchinha bem Querer, Naquela Mesa e outras tantas. Ficávamos emocionados ao escutar cada uma dessas canções, como se tivéssemos redescoberto o fato de que a música ainda pode ter letras e melodias lindas que podem ser tocadas apenas com um violão e nossas vozes, completamente ao contrário do que escutamos hoje nos potentes aparelhos de sons que a tecnologia nos põe à disposição. Neles, encontramos muitos decibéis mas pouca criatividade e beleza melódica.

 

Atraído pelo som do violão, um vizinho aproximou-se trazendo um velho lampião aceso e com a esposa entrou na roda de conversa, passando a contar e relembrando algumas antigas histórias e letras de música, coisa que fazia com muito talento, já que, segundo ele, também havia vivido aquela época em que, por não terem a pluralidade de opções tecnológicas que dispõem hoje, as pessoas se relacionavam com muito maior intensidade.

 

Assim, embevecidos com tantos “causos” e canções, não nos demos conta de que já haviam se passado quase quatro horas. Lá pela meia-noite voltou a luz com toda a sua majestade e resplendor. Chegamos a ouvir uma exclamação de alegria vinda novamente de toda a Vila Norte.

 

Com a chegada da luz, apagamos o lampião e logo as coisas retornaram ao seu lugar. Os vizinhos se foram, o filho voltou ao computador, as filhas voltaram às suas lições, a mãe foi assistir o programa de entrevistas e eu voltei para o meu livro, cada qual isolado no seu canto. Desfez-se a roda de conversa, o violão voltou para sua capa empoeirada e calaram-se as cantigas. Recomeçamos a escutar os sons eletrônicos abafando os ruídos dos animais.

 

Engraçado, naquele dia eu não consegui mais me concentrar na leitura que eu havia me predisposto a terminar naquela noite. Estranhamente me peguei a pensar em quando será que aconteceria um novo blackout? Era como se eu, secretamente desejasse que isso voltasse a acontecer o mais breve possível.

 

 

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
Autor: Jorge André Irion Jobim


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