O FMI e a pá de cal na economia mundial



Sabe aquele seu amigo chato? Aquele que quando abre a boca é sempre para falar mal de alguém ou para fazer alguma previsão pessimista. Aquele que tem na ponta da língua o último número do desemprego, ou da queda das vendas do comércio? Aquele que acha que a crise foi a melhor coisa que já aconteceu, afinal agora ele tem bastante assunto.

Pois o FMI deu uma de amigo chato no dia 22 de abril ao anunciar suas projeções para 2009. Logo agora que sua estrela estava voltando a brilhar desque que o G-20 decidiu triplicar os recursos direcionados para ele.

Parecia que o amigo chato teria uma chance. Contudo, agora que a turma voltou a dar atenção para ele, o FMI se recusa a lançar uma luz de esperança sobre o mundo. Quanto mais os políticos demonstram esperanças de recuperação, mais pessimista o FMI fica.

Segundo o Fundo a economia mundial deve se contrair em 1,3% este ano, na maior retração no período pós-Segunda Guerra. Para o Brasil, o prognóstico é de contração de 1,3% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2009 e expansão de 2,2% em 2010. Além disso, ele elevou sua estimativa para as baixas contábeis financeiras agregadas para US$ 4,1 trilhões, justo quando o secretário do Tesouro dos Estados Unidos dizia que os bancos estão bem capitalizados. Agora, o FMI divulgou previsões de crescimento que farão até mesmo os mais pessimistas ficarem assustados.

Só catástrofes
Os Estados Unidos permanecem no epicentro da crise e que é fundamental que as autoridades norte-americanas combatam as crescentes dívidas tóxicas e a incerteza sobre a solvência dos bancos, informou o Fundo que cortou a previsão para os EUA para uma contração de 2,8% neste ano e crescimento zero do PIB do país em 2010, à medida que acabem os danos do aperto de crédito, a queda dos preços de moradias e de ações e os altos níveis de incerteza.

O Fundo prevê que a produção industrial dos EUA vai cair colossais 2,8% este ano. Ao contrário da maior parte dos economistas que estão prevendo recuperação no segundo semestre, o FMI não espera melhoria alguma antes de meados de 2010. E mesmo aí ele calcula que o crescimento será de anêmicos 1,5%. Por outro lado, o Gabinete do Orçamento do Congresso dos EUA prevê um crescimento de 4% em 2010.

Enquanto isso, a economia da zona do euro deve ter contração de 4,2% este ano e de 0,4% em 2010, segundo o FMI, criticando o bloco em relação às fracas respostas públicas e coordenação. Segundo o Fundo, a recessão deve ser "particularmente severa" na Irlanda e "bastante severa" na Grã-Bretanha e que o desemprego em economias europeias desenvolvidas deve aumentar em torno de 10% no fim de 2009 e continuar acelerando até 2011.

Na Ásia, o FMI estimou que a recessão do Japão deve se aprofundar mais que o previamente imaginado, enquanto a economia chinesa tende a crescer em um ritmo mais lento. O Fundo espera que a produção japonesa caia 6,2% em 2009, previsão muito pior que o declínio de 2,6% estimado em janeiro. Para a China, o Fundo reduziu a previsão de crescimento em 2009 para 6,5%, ante 6,7%, taxa equivalente à metade da registrada em 2007 e bem abaixo dos 9% registrados no ano passado.

Sobrou até para os bancos latino-americanos
O prolongamento da recessão mundial ameaça criar riscos significativos até mesmo para bancos que hoje parecem sólidos e não foram contaminados pela crise de confiança que abalou o setor financeiro nos países avançados, disse o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn.

"A América Latina não tem uma crise bancária hoje, mas tem uma crise financeira", disse Strauss-Kahn na tarde de terça-feira, em entrevista ao Valor e outros três jornais latino-americanos. "Se a desaceleração da economia continuar por muito tempo, até os bancos da América Latina vão carregar ativos podres."

Ele teme que o aprofundamento da crise submeta instituições financeiras que hoje exibem saúde, como as brasileiras, a pressões semelhantes às enfrentadas pelos bancos americanos com os problemas no mercado imobiliário e o aumento da inadimplência. "Não é o caso hoje, mas essa é uma possibilidade", afirmou.

O diretor do Fundo disse que o mundo não sairá da recessão enquanto os Estados Unidos e outros países ricos não conseguirem tapar os buracos encontrados na contabilidade dos bancos e estabilizar o sistema financeiro, permitindo que ele volte a ampliar a oferta de crédito.

Resultados divulgados nas últimas semanas indicaram que alguns dos maiores bancos americanos voltaram a dar lucro no primeiro trimestre, mas há dúvidas sobre a capacidade que terão de repetir o desempenho nos próximos meses. "Instituição financeira dando lucro não quer dizer que a distribuição de crédito voltou ao normal", disse. "Os esforços dos governos ainda não foram suficientes para destravar o crédito."

E o Brasil então....
As previsões do Fundo para o Brasil são bem mais pessimistas do que as feitas pelo governo e por muitos bancos brasileiros. O último relatório do Banco Central sobre a evolução da inflação, publicado em março, previu uma expansão de 1,2% neste ano. Os bancos esperam uma contração de 0,49%, segundo a média das projeções coletadas pelo BC na semana passada.

Na avaliação do FMI, o impacto da crise tem sido subestimado pelo governo e pelos bancos brasileiros. Os economistas do Fundo acreditam que os choques provocados pelos problemas existentes nas economias avançadas estão sendo transmitidos para os mercados emergentes com mais força do que observadores com uma visão menos abrangente da economia global são capazes de perceber.

"Não é que o Brasil esteja particularmente fraco", disse o diretor-adjunto do departamento de pesquisa do FMI, Charles Collyns, numa entrevista em que os economistas da instituição apresentaram a nova edição do seu relatório semestral sobre o cenário econômico global. "As projeções para o Brasil foram rebaixadas em linha com nossas projeções para a economia mundial."

O Fundo vê os problemas que o Brasil enfrenta com a crise como decorrência de sua crescente integração na economia global, e não como resultado de políticas equivocadas. "O que está acontecendo não é culpa das autoridades brasileiras", disse o diretor do departamento que monitora a América Latina, Nicolas Eyzaguirre. "O Brasil será capaz de surfar a onda quando ela subir de novo."

Strauss-Kahn afirmou que a capacidade de resistência demonstrada pela América Latina diante do agravamento da crise o surpreendeu. "Há diferenças entre os países, mas na média a região não está melhor nem pior que a média mundial", disse. "As crises do passado atingiram a região com muito mais força."

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse em Buenos Aires que as previsões dos organismos internacionais estão "muito voláteis e mudando muito em função dos últimos acontecimentos". "É prematuro chegarmos a uma conclusão baseados em cada nova previsão dos organismos internacionais", afirmou. Meirelles disse que o Brasil tem reagido bem à crise, a indústria automobilística está se recuperando e, embora considere a situação econômica mundial "grave", disse que o país está "forte e bem preparado" para enfrentar a crise. Meirelles não quis antecipar qual a projeção de crescimento do Banco Central que será divulgada em junho.

Onde está a luz do fim do túnel?
Na opinião do FMI, a economia mundial só voltará a crescer depois que for restabelecida a saúde do sistema financeiro dos países avançados, o epicentro da crise atual. A falta de crédito e as dificuldades que empresas e consumidores têm encontrado para renegociar suas dívidas deverão continuar reprimindo o consumo e os investimentos por um bom tempo, prevê o Fundo.

O Fundo prevê uma recuperação lenta, que poderá começar em meados do ano que vem e levará tempo para ganhar velocidade. O FMI acredita que medidas como os vários planos de estímulo econômico lançados nos Estados Unidos e em outros países nos últimos meses ajudarão a evitar uma recessão mais profunda, e o relatório sugere que novas iniciativas desse tipo poderão ser necessárias em 2010.

Restaurar a confiança no setor financeiro será essencial para evitar um ciclo vicioso que pode prolongar a crise, na avaliação do FMI.

A fragilidade dos bancos dos países avançados encolheu dramaticamente os fluxos de capital externo para países emergentes como o Brasil. O FMI prevê que neste ano os mercados emergentes enfrentarão uma saída líquida de capitais privados de US$ 190 bilhões, com a fuga de investidores que tinham apostado nas bolsas de valores e dificuldades para rolar dívidas contraídas com bancos estrangeiros. De acordo com o Fundo Monetário, o fluxo de capital externo privado para países emergentes atingiu um pico em 2007, com US$ 617 bilhões em termos líquidos.

Economias do Leste Europeu que se endividaram muito nos últimos tempos serão mais atingidos do que países como o Brasil, que reduziu seu endividamento externo. Mas o impacto da crise será significativo mesmo assim. O Fundo prevê que a América Latina receberá neste ano um fluxo líquido de capital externo de apenas US$ 13 bilhões, um décimo do volume de recursos observado em 2007.

Sabe aquele seu amigo chato? É melhor deixar ele quieto e esquecer de convidá-lo para a próxima reunião da turma.

Bibliografia:
Revista Isto É Dinheiro, edição 603 de 29 de abril de 2009
Revista Veja, edição 2.110 de 29 de abril de 2009
Revista da Semana, edição 85 de 30 de abril de 2009
Revista Época, edição 571 de 25 de abril de 2009
Jornal O Estado de São Paulo de 23 de abril de 2009
Jornal Valor Econômico de 23 de abril de 2009
Jornal Gazeta Mercantil de 23 de abril de 2009
 
 

Autor: Alexsandro Rebello Bonatto


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