Inconstitucionalidade da Prisão Temporária Diante dos Princípios Constitucionais



INCONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO TEMPORÁRIA DIANTE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS[1]

DANILO CARDOSO REIS[2]

RESUMO: A prisão temporária vem sendo utilizada no ordenamento jurídico brasileiro como justificativa para a garantia da ordem pública, bem como satisfazer os anseios de uma sociedade que prima por sanções imediatas e repressivas. Com a imposição deste tipo de prisão provisória, princípios garantidos pela Constituição Federal estão sendo violados, antecipando a aplicação de penas e cerceando os meios de defesa do acusado.

PALAVRAS-CHAVE: prisão temporária; violação dos princípios constitucionais; antecipação de pena;

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA; 3. AS PRISÕES PROVISÓRIAS; 4. PRISÃO TEMPORÁRIA; 4.1 CABIMENTO; 4.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS; 5. ADEQUAÇÃO DA PRISÃO TEMPORÁRIA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA; 6. DEVIDO PROCESSO LEGAL; 6.1 DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA; 6.2 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO; 7. PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO CONTRA O ACUSADO; 8. PRAZOS DA PRISÃO TEMPORÁRIA; 9. DESNECESSÁRIA APLICAÇÃO DA PRISÃO TEMPORÁRIA EM RAZÃO DA PRISÃO PREVENTIVA; CONCIDERAÇÕES; REFERÊNCIAS.

1- INTRODUÇÃO

Através deste ensaio pretendemos avaliar a aplicação da prisão temporária no ordenamento jurídico brasileiro, através de uma análise crítica sobre este tipo de prisão provisória, mostrando não ser um meio apropriado e justo para garantir a eficácia do processo penal, sempre direcionando para o cerceamento de defesa do acusado e a privação antecipada de sua liberdade.

É perceptível a grande preocupação que a sociedade brasileira vem tendo com relação ao aumento da criminalidade no país e conseqüentemente quais punições que deverão ser impostas aos criminosos. Grande parte da população pede medidas imediatas e repressivas, como penas privativas de liberdade, afastando o criminoso do âmbito social.

Ocorre que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, não podendo este aplicar penas sem que o imputado seja considerado culpado pela prática do fato delituoso. Deste modo, haverá um desrespeito às leis estabelecidas na Constituição Federal de 1988, que garantem todos os direitos fundamentais individuais do cidadão. Entretanto, é o que está acontecendo com aplicação da prisão temporária, tendo em vista que o investigado tem sua liberdade privada, pelo simples fato de está sob suspeita das autoridades policiais.

Assim, de extrema relevância é o questionamento sobre de que forma a prisão temporária infringe princípios garantidos pela Constituição Federal e qual a real finalidade para sua aplicação?

A discussão deste tema contribuirá para o aprimoramento dos debates que estão sendo desenvolvidos pelos aplicadores do direito, sendo de extrema relevância para toda sociedade, já que princípios que são garantidos pelo instrumento jurídico máximo do Estado, continuam sendo violados pelos operadores da justiça brasileira, ainda carregando traços inquisitoriais na aplicação desta espécie de prisão.

É o momento de se fazer uma análise sobre se o instituto da prisão temporária, inserido no sistema prisional, poderá fazer parte de um Estado Democrático de Direito.

2- PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA

Prisão é o instituto imposto pelo Estado para punir o sujeito que cometi um ato delituoso, privando a sua liberdade, o seu direito de ir e vir. Deste modo, o instituto da prisão é uma sanção aplicada para todos que não apresentarem uma conduta condizente com as normas vigentes.

A Constituição Federal impõe alguns limites para que a pessoa seja privada de sua liberdade de locomoção, estabelecendo no seu art. 5o, LXI, que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de uma autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar, definidos em lei".

Para Eugênio Pacelli, com a Constituição Federal de 1988, houve duas conseqüências imediatas:

a)"a instituição de um princípio afirmativo da situação de inocência de todo aquele que estiver submetido à persecução penal;

b)a garantia de que toda prisão seja efetivamente fundamentada e por ordem escrita de autoridade judiciária competente." [3]

O Código Penal com seu art.282 acompanha a disposição da Constituição estabelecendo que "À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão em virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente".

Veja que são estabelecidos diversos requisitos para a que haja a restrição da liberdade do cidadão, devendo sempre ser considerado o estado de inocência e a motivação da aplicação da prisão.

Existem dois tipos de prisão: a chamada prisão-pena, que apresenta uma finalidade de repressão, a qual é decorrente de uma decisão penal condenatória irrecorrível, e a prisão processual ou cautelar, que não é decorrente de uma condenação, já que é decretada antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

De acordo com os princípios fundamentais garantidos pela Constituição Federal, como a presunção de inocência, só deveria existir a prisão-pena, como forma de aplicar uma sanção ao sujeito que apresenta uma conduta que se desvincula das normas postas no ordenamento, cumprindo determinação da sentença penal condenatória irrecorrível. Ocorre que são decretadas prisões mesmo sem ser instaurado o processo penal, com a justificativa de garantir a eficácia da justiça, tendo assim o acusado que permanecer preso.

Jeferson Carvalho conceitua a Liberdade Provisória:

"Liberdade provisória é o estado de liberdade de quem se encontrava preso provisoriamente, ficando vinculado ao processo penal até sua decisão. Sua concessão importa a substituição da prisão provisória pelo estado de liberdade, ante a existência de previsão legal" [4]

O instituto da liberdade provisória tem previsão na Constituição Federal no artigo 5o, LXVI: "ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança". No Código de Processo Penal, a liberdade provisória está prevista no artigo 310:

Art. 310. Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do artigo 19, I, II, III, do Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.

A liberdade provisória reflete o que dispõe o princípio da presunção de inocência. Sendo estabelecido que só se pode imputar pena depois da sentença condenatória transitada em julgado, a regra é que o sujeito sendo preso possa responder em liberdade sob determinadas condições queassegurem a sua presença no processo. Demonstrada que a prisão é desnecessária, o juiz concederá a liberdade provisória do preso, sendo um direito subjetivo deste.

Mirabete acompanha este entendimento:

"Tem-se entendido, por vezes, que o parágrafo único do artigo 310 atribui ao magistrado a mera faculdade de conceder a liberdade provisória. Trata-se, porém, de um direito subjetivo processual do acusado que, despojado de sua liberdade pelo flagrante, a readquire desde que não ocorra nenhuma das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva. Não pode o juiz, reconhecendo que não há elementos que autorizariam a decretação da prisão preventiva, deixar de conceder a liberdade provisória. Além disso, embora a lei diga que a liberdade é

concedida quando o juiz verificar a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, deve-se entender que quer dizer que deve concedê-la quando não verificar a ocorrência de uma dessas hipóteses, pois caso contrário estaria exigindo a evidência de um fato negativo, o que não se coaduna com o sistema probatório do processo penal."[5]

3 - AS PRISÕES PROVISÓRIAS:

A prisão faz com que o indivíduo tenha sua liberdade ambulatorial restrita, não tendo condições de conviver no âmbito social conforme seus interesses e necessidades, já que o preso ficará restrito ao mundo carcerário, cheio de regras e imposições.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5o, LIV, estabelece que: "ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;". No mesmo artigo, agora no inciso LVII, dispõe que: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;"

Percebe-se que nestes dois dispositivos do art. 5o,protege-se a liberdade do indivíduo, de forma que sobre este não seja antecipada algum tipo de sanção que o coloque em um sistema carcerário ou restrinja seus meios de defesa, sem que haja a certeza sobre a materialidade ou a autoria de algum delito. Porém, o que se percebe é o aumento de decretações de prisões antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, são as chamadas prisões provisórias, como a prisão em flagrante, prisão resultante de denúncia, prisão por sentença não definitiva, a prisão preventiva, e a prisão temporária, que é a que nos interessa neste exame.

Toda privação de liberdade provisória deve ter caráter cautelar, onde estejam presentes requisitos que garantam o resultado útil do processo. A finalidade da prisão provisória consiste em garantir a eficácia do processo penal, fazendo com que se busquem meios comprobatórios sobre os reais acontecimentos de cada caso concreto. Devem ser de caráter excepcional, e preventivo e não permanente.

Sobre o assunto, afirma Delmanto Junior:

De outra parte, para que a prisão cautelar possa ser aplicada, o magistrado deverá verificar, concretamente, a ocorrência do fumus commissi delicti e do periculum libertatis, ou seja, se a prova indica ter o acusado cometido o delito, cuja materialidade deve restar comprovada, bem como se a sua liberdade realmente ameaça ao tranqüilo desenvolvimento e julgamento da ação penal que lhe é movida, ou à futura e eventual execução.[6]

A prisão temporária é decretada durante o procedimento de inquérito policial, onde os juízes acolhem requerimento de autoridades policiais, sobre alegação de que a prisão será um meio eficaz de se chegar à resolução do fato investigado, ou seja, encontrar aspectos que dêem embasamento para a autoria e materialidade do suposto crime.

A aplicação desta prisão é totalmente repugnante, pois se permite que seja decretada para a realização de investigações da polícia judiciária, já constando como uma pena imposta ao indivíduo, que foi preso tendo sua defesa cerceada e sendo-lhe atribuída uma culpabilidade que ainda não ficou comprovada.

É preciso colocar um freio no poder sancionador do Estado concernente para a liberdade dos cidadãos brasileiros, aplicando um processo consistente de equilíbrio entre estes dois pólos, para que assim, não haja supressão aos direitos individuais impostos pela Constituição Federal/88. A atividade repressiva estatal não pode passar dos limites constitucionais.

4 - PRISÃO TEMPORÁRIA

4.1 Cabimento

Através de uma medida provisória, foi instituída a prisão temporária no ordenamento jurídico brasileiro, sendo este tipo de prisão cautelar regida pela Lei no 7.960/1989. Por ter surgido através de uma MP, e não por um projeto de lei que passou pelo processo legislativo adequado, a prisão temporária foi estabelecida pelo poder executivo, o que ensejou o entendimento de alguns doutrinadores pela inconstitucionalidade formal deste instituto.

Sobre este tema discorre Elmir Duclerc:

"Para os que defendem esse ponto de vista, qualquer restrição ao direito fundamental demandaria Lei no sentido restrito, isto é, ato do Poder Legislativo. A inconstitucionalidade, assim, decorre do desatendimento ao processo legislativo regular, pouco importando, no caso, que a medida provisória, tenha sido convertida em lei pelo Congresso Nacional". [7]

Apesar de entendermos que o posicionamento desta parte da doutrina possui fundamentos calcados na competência do poder legislativo, não entraremos neste mérito, ficando apenas na análise da inconstitucionalidade material referente a prisão temporária.

A Prisão Temporária é um tipo de prisão provisória, cuja principal função tem natureza cautelar, garantindo a eficácia nas investigações policiais, tendo seu tempo de duração e os requisitos necessários para sua aplicação expressamente na lei. Esta prisão é decretada em uma fase anterior à instauração do processo penal, de forma que não respeita os princípios norteadores da Constituição Federal, como a presunção de inocência, devido processo legal e ampla defesa.

O artigo 1o da Lei 7.960/89 estabelece os requisitos necessários para o seu cabimento:

Art. 1 – Caberá prisão temporária:

"I- quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II- quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III- quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: homicídio doloso, seqüestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio, tráfico de drogas (art. 12 da lei 6368/76) e crimes contra o sistema financeiro (Lei 7492/86)."

Estes requisitos vêm sendo alvo de diversas discussões há muito tempo, pois não há um consenso se para que haja a decretação da prisão temporária, necessariamente os incisos terão que ser cumulativos ou alternativos, ou seja, se é imprescindível a presença de todas as hipóteses, de apenas uma ou de mais de uma. Para uma parte da doutrina, estes incisos devem ser aplicados de forma isolada, o que não deve ser acolhido, pois se por exemplo, apenas for aplicado o inciso III, será decretada a prisão temporária à uma pessoa por uma mera suspeita de ter cometido um determinado delito previsto pelo dispositivo citado.

Mirabete acompanha esse posicionamento quando diz que:

"ao contrário dos demais incisos, que embasam a prisão temporária, nessa ultima hipótese,não é necessário demonstrar a necessidade da prisão, bastando para ela a existência de indícios suficientes da autoria. Diante da enumeração legal do inciso III, pode-se concluir que tal medida é destinada a aplacar o clamor público e a indignação social diante dos crimes graves mencionados, mas a Lei não exige que tais situações estejam presentes no caso particular."[8]

Discordamos dessa posição. Nosso entendimento acompanha o entendimento de grande parte da doutrina e da jurisprudência, de que para que seja garantido o caráter cautelar da prisão temporária seria necessária pelo menos a presença de dois dos requisitos. Afinal, sendo uma prisão cautelar, não se pode prender alguém apenas por ser suspeito de um dos atos delituosos determinados pelo inciso III, ou por não apresentar residência fixa, inciso II. Estes dispositivos não podem ser requisitos para a instauração da prisão temporária de forma isolada, em razão de perder sua natureza cautelar.

Antonio Pacelli de Oliveira acompanha este entendimento,

"Pensamos, por isso mesmo, que devem estar presentes, necessariamente, tanto a situação do inc. I imprescindibilidade para a investigação policial, quanto aquela do inc. III. A hipótese do inc.II repetimos, já estaria contemplada pela aplicação do Inc. I. Assim, a prisão temporária somente poderá ser decretada, e desde que presentes os requisitos cautelares (indícios de autoria e prova da materialidade), quando imprescindível para as investigações policiais e quando se tratasse dos crimes expressamente arrolados no inc.III do art. 1o." [9]

O referido inciso I estabelece a imprescindibilidade para as investigações policiais, ou seja, sem a instauração da prisão temporária, a polícia não poderá usufruir de todos os meios possíveis para fornecer os elementos da prova da materialidade do crime e os indícios da autoria.

Ocorre que, como bem afirma Emir Duclerc (2006, p. 347) "se a prisão temporária é imprescindível, é porque sem ela a autoridade policial não conseguirá reunir esses elementos". Ocorre que para a instauração da prisão temporária é necessário que já estejam dispostos todos estes elementos, havendo assim uma grande contradição.

4.2 Princípios Constitucionais

Os direitos humanos são postos como fundamentais na Constituição Federal de 1988, sempre incluídos nas discussões dos conflitos individuais e coletivos. Os princípios constitucionais servirão como parâmetros para a resolução desses conflitos, sendo essenciais para a proteção dos direitos fundamentais.

Apresentam-se como normas do sistema processual que vão dar o alicerce na formação do sistema constitucional, além de terem uma função de estabelecer critérios para se chegar a interpretação de outras normas conflitantes.

Celso Bastos traz o seguinte entendimento sobre os princípios:

[...] nos momentos revolucionários, resulta saliente a função ordenadora dos princípios. [...] Outras vezes, os princípios desempenham uma ação imediata, na medida em que tenham condições para serem auto-executáveis. Exercem, ainda, uma ação tanto no plano integrativo e construtivo como no essencialmente prospectivo. [...] Finalmente, uma função importante dos princípios é a de servir de critério de interpretação para as normas. Se houver uma pluralidade de significações possíveis para a norma, deve-se escolher aquela que a coloca em consonância com o princípio, porque, embora este perca em determinação, em concreção, ganha em abrangência. [10]

O direito processual penal deve estar atrelado aos aspectos constitucionais, estendendo a proteção dos direitos fundamentais do indivíduo, que muitas vezes serão violados tanto pelo próprio Estado, como por terceiros. A interpretação da Constituição é influenciada diretamente por princípios, estando estes integrados no sistema jurídico.

Para Celso Antonio bandeira de Mello, princípio constitucional é:

"Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas comparando-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido hamônico".[11]

5–ADEQUAÇÃO DA PRISÃO TEMPORÁRIA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O princípio da presunção de inocência está positivado na Constituição Federal/88 no art. 5o LVII, dispondo que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, tutelando a liberdade do cidadão.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 11.1, estabelece que:

"Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para a sua defesa".

O acusado é considerado inocente até que provem ao contrário, cabendo este dever de comprovação dos fatos alegados à acusação. Deste modo, o Poder Público ao investigar a prática de um delito, não pode tratar o acusado de forma que este sofra restrições pelo possível cometimento do crime e conseqüentemente receba sanção. Enquanto não forem esgotados todos os meios de defesa do acusado, não se pode aplicar qualquer sanção que restrinja o direito de liberdade da pessoa, bem como não se pode presumir a culpabilidade.

Segundo posicionamento de Mirabete,

[...] existe apenas uma tendência à presunção de inocência, ou, mais precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado. Por isso, a nossa Constituição Federal não 'presume' a inocência, mas declara que 'ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5o, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado. [12]

Ficando o magistrado sem a comprovação do teor das acusações, não tendo a certeza do nexo causal entre fato e autoria, a incerteza deve beneficiar o acusado, já que não ficou comprovada a sua participação no delito. Assim, podemos concluir que durante toda fase processual o acusado é considerado inocente, somente podendo ser declarado culpado através de uma sentença penal condenatória irrecorrível.

O ônus da prova é apontado para a acusação, não tendo o acusado dever de provar sua inocência, sendo considerado inocente até a sentença penal condenatória irrecorrível.

É manifesto que as prisões provisórias são decretadas como medidas cautelares de restrição a liberdade do indivíduo no curso do processo, com a justificativa de dar eficácia ao provimento jurisdicional. Ocorre que a prisão temporária incide em uma fase exoprocessual, sendo este tipo de prisão decretada antes mesmo da instauração da ação penal, não há ainda atividade de caráter processual, dirigindo-se exclusivamente para a fase das investigações policiais. A prisão temporária atenderia apenas a finalidades investigatórias prévias, já que na conclusão do inquérito, quem foi preso poderá nem ser mais indiciado.

O que se percebe é que a prisão temporária alcança traços inquisitoriais ao utilizar o encarceramento como forma de coagir o acusado, buscando a confissão deste o quanto antes. É importante ressaltar que como conseqüência do princípio da presunção de inocência, o acusado pode se manter em silêncio, não sendo obrigado a construir provas contra si, conseqüentemente fornecer ao magistrado sua versão dos fatos. O acusado não pode ser compelido para fornecer prova de sua inocência, esta é presumida.

Entendo que este tipo de prisão sirva para que a polícia mostre à sociedade que está trabalhando, que prendeu o "bandido", porém após os 5 dias, se não for prorrogado pelos mesmos, será solto, agora carregando um peso de ter sido encarcerado, sem nem mesmo ter tido oportunidade de se defender. Estabelecida a prisão temporária, o indivíduo preso ficará com status de culpado, sendo exposto a situações humilhantes, como uso de algemas, bem como a divulgação de sua imagem pela imprensa, sofrendo conseqüências não apenas no âmbito processual, mas também no seu convívio social. Haverá assim um pré-julgamento por parte da população, pois muitos entendem que por ter sido preso, foram achadas provas concretas da autoria e materialidade do crime, que permitiram ao Estado aplicar determinada sanção ao "criminoso".

Nota-se assim, que o indivíduo que está sendo investigado por um suposto fato criminoso, fica preso por um tempo determinado para que o Estado investigue se o imputado é ou não o causador do tipo penal. Ou seja, a pessoa sofre restrição de sua liberdade, já sendo aplicada a ele uma sanção, antes mesmo de ser declarado culpado.

Ora, vivemos em um Estado Democrático de Direito, não podendo este aplicar penas sem que o imputado seja considerado culpado pela prática do crime. Do contrário, os direitos fundamentais individuais protegidos pelo Estado, não seriam garantidos a todos os cidadãos.

Antonio Magalhães Gomes Filho ilustra que:

"A inclusão do principio da presunção de inocência nas modernas Constituições corresponde, assim, uma opção em favor dos valores essenciais de respeito à pessoa humana no âmbito do processo penal, representando, mais do que uma dádiva humanitária, uma verdadeira condição do exercício de repressão no Estado de Direito". [13]

É entendimento jurisprudencial que desde que a restrição à liberdade atue em benefício do processo penal, com a intenção de assegurar o cumprimento de todas as etapas processuais, não haverá violação ao princípio da presunção da inocência. Acontece que no momento da decretação da prisão temporária não há instauração do processo, nem mesmo acusação formal, existindo apenas etapa da investigação.

Consoante aludimos anteriormente, a medida cautelar há de ter uma finalidade constitucionalmente legítima, que a doutrina considera como: conspirar o risco de fuga do indiciado ou acusado, evitar que este obstrua a instrução probatória e assegurar a presença do imputado nos atos processuais, bem como evitar o cometimento de outros delitos.

No mesmo sentido, decorre Gomes Filho:

"à luz da presunção de inocência, não se concebem quaisquer formas de encarceramento ordenadas como antecipação da punição ou que constituam corolário automático da imputação, como sucede nas hipóteses de prisão obrigatória, em que a imposição da medida independe da verificação do periculum libertatis." [14]

Assim, há uma dissonância com o Estado Democrático de Direito ao coagir uma pessoa que ainda está sendo investigada.Ressalta-se que a liberdade deve ser entendida como regra, sendo que o sistema prisional consiste em uma exceção.

6 - DEVIDO PROCESSO LEGAL

Outro principio constitucional violado pela decretação da prisão temporária é o devido processo legal. A Constituição Federal estabelece em seu art.5o, LIV que ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Assim será garantido para todos os acusado os mesmos meios de defesa, bem como os recursos durante o processo penal. Este princípio visa proteger o cidadão das arbitrariedades impostas pelo Estado, fazendo com que haja uma isonomia no processo entre acusação e acusado.

Do devido processo legal, entendemos que emergem outros princípios fundamentais, dentre eles, o contraditório, a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição.

6.1 Do contraditório e ampla defesa

O princípio do contraditório garante a ampla defesa do acusado, tendo este o direito de apresentar sua defesa contra os fatos alegados pela acusação sem nenhuma limitação. O acusado deve ter total informação sobre o teor da acusação, ter possibilidade de produzir provas, ser ouvido, ou seja, apresentar igualdade de condições em toda relação processual.Não pode haver privilégio para uma das partes, é necessário que haja igualdade de armas.

Como já foi dito, a prisão temporária é estabelecida em uma fase onde ainda não foi instaurada a ação penal, sendo feita na fase de inquérito policial, que por sinal, é um procedimento administrativo que visa à descoberta da materialidade do crime e os indícios de autoria, porém não há abertura para a presença do contraditório.

Rogério Sanches e Ronaldo Batista esclarecem o tema:

"Diz-se procedimento administrativo na medida em que, inexistindo acusação formal (apenas investigação) nenhum dos princípios constitucionais acima mencionados (ampla defesa, contraditório, publicidade, etc.) são nele aplicáveis, á exceção do princípio da oficialidade".[15]

Não há acusação formal contra ninguém, por isso o investigado não terá chance para se defender, não podendo apresentar sua contrariedade em relação à prisão decretada.

Observa-se que instaurada a prisão temporária, o acusado não tem condições alguma de intervir no processo, seja apresentando algum tipo de prova ou mesmo recorrer de alguma decisão. É no momento de sua defesa que o acusado participa do processo como sujeito processual. O indiciado no inquérito policial é objeto da investigação, e não sujeito de direitos.

Segundo Guilherme de Souza Nucci :

"é a posição natural ocupada pelo indiciado durante o desenvolvimento do inquérito policial. Não é ele, como no processo, sujeito de direitos, a ponto de poder requerer provas e, havendo indeferimento injustificado, apresentar recurso ao órgão jurisdicional superior. Não pode no decorrer da investigação, exercitar o contraditório, nem a ampla defesa, portanto.[16]

Assim, percebe-se que o encarceramento é realizado durante um procedimento administrativo que visa apenas apurar a prática e autoria de um crime, não cabendo o contraditório, nem nenhuma matéria de defesa. Ou seja, há um cerceamento de defesa que impossibilita o investigado de enfrentar procedimentos irregulares com a decretação da prisão temporária, além de não contribuir para o convencimento do juiz sobre o delito imputado.

Reconhecendo-se a isonomia entre as partes, através do princípio da ampla defesa o acusado poderá utilizar de todos os meios possíveis e legais para contraditar a acusação de forma completa.

Eugênio Pacceli dispõe que: "Enquanto o contraditório exige a garantia de participação, o princípio da ampla defesa vai além, impondo a realização efetiva desta participação, sob pena de nulidade, se e quando prejudicial ao acusado." [17]

Pois bem, para que haja total regularidade no procedimento judicial, em concordâncias com as normas estabelecidas na Constituição Federal/88, é necessário que a sentença que condene o indiciado tenha sido instruída de contraditório e ampla defesa, fazendo com que o acusado apresente sua defesa contra as acusações que lhe foram imputadas, ensejando assim aspectos sérios de convicção.

6.2 Duplo grau de jurisdição

A Constituição Federal prevê o princípio do duplo grau de jurisdição em seu artigo 5o LV, bem como no art.93, III dispondo sobre o acesso aos tribunais de segundo grau.

Toda vez que alguém se sentir prejudicado pelo decisão proferida, diante do princípio do duplo grau de jurisdição poderá recorrer à uma instancia superior, pleiteando a reforma da matéria proferida pelo juiz singular. Através desse princípio, trará maior certeza para aplicação do direito, já que a causa será reexaminada por juízes de maior experiência.

Nota-se com extrema indignação que não há previsão de possibilidade de interposição de recurso, por parte do acusado, contra a decisão que deferiu a prisão temporária, infringindo o duplo grau de jurisdição.

Em relação ao habeas corpus, a Constituição prevê que este remédio constitucional atua como um meio de proteção ao direito de liberdade de ir, vir e ficar do indivíduo, para os casos de ameaça ou lesão a este direito. Todavia, tendo em vista que a prisão temporária possui um prazo curto de duração, torna-se inviável fazer algum tipo de contestação de sua decretação por intermédio de habeas corpus. Não haverá tempo necessário para que o tribunal realize o julgamento deste remédio constitucional. Nenhum habeas corpus será julgado pelo tribunal no prazo de 5 ou 10 dias (se prorrogada a prisão).

Segundo Tourinho Filho:

"Ademais, a medida é tão estúpida, que, se realmente não houver necessidade para sua decretação, nem haverá tempo para jugulá-la mercê de um habeas corpus: primeiro porque em face da exigüidade do tempo e, em segundo lugar, porque em sede de habeas corpus, normalmente, não se faz um exame analítico das provas".[18]

Conclui-se então que a prisão temporária é extremamente avessa à impugnação do acusado, até mesmo por causa de seu curtíssimo prazo expressamente estabelecido.

7 - PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO CONTRA O ACUSADO

Como já foi dito acima, o inquérito policial é um procedimento administrativo com a finalidade de se encontrar indícios de autoria e materialidade do delito imputado ao investigado. Sendo um procedimento administrativo, de extremo caráter inquisitivo, não há espaço para o contraditório e a ampla defesa.

Desta forma, não podendo o investigado produzir algum meio de prova que contradiga as imputações da acusação, esta não pode se valer de provas antecipadamente produzidas em fase extraprocessual, que poderiam ser confirmadas em juízo. Estas provas serão postas em desfavor do réu quando for instaurada a ação penal.

Nota-se que neste caso, serão utilizadas provas colhidas fora do processo penal, quando o indivíduo nem mesmo é considerado réu, desviando a finalidade do inquérito que é de ato preparatório para instauração do processo.

O que se vê na prática, é que essas provas produzidas na fase de investigação pela autoridade judiciária possuem especial valor, dando credibilidade para o magistrado chegar ao seu convencimento, enquanto que o acusado não possui condições de apresentar meios de defesa.

A validade dessas provas é um erro, pois só contribui para enfraquecer os direitos individuais do cidadão, violando os princípios constitucionais.

8 - PRAZOS DA PRISÃO TEMPORÁRIA

Quantos aos prazos de duração da prisão temporária não pode passar despercebido, uma vez que há também aspectos que infringem a Magna Carta, tornando estes procedimentos, a nosso ver, inconstitucionais.

De acordo com o art.2o, parágrafo 4o da Lei 7.960/89, estabelece que o prazo para a duração da prisão temporária, é de 5 dias podendo ser prorrogados em mais 5. Note-se que este tempo é compatível com o tempo para concluir o inquérito, que é de 10 dias estando o acusado preso. Ao término desse prazo, o preso deve ser imediatamente libertado pela autoridade policial, não dependo de expedição de alvará de soltura pelo juiz.

Ocorre que para os crimes hediondos, o prazo de duração da prisão temporária é maior. O art.1º da Lei n.º 8.072/90, estabelece quais são os crimes hediondos: homicídio doloso, seqüestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, envenenamento de água potável, ou substancia alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio, tráfico de drogas, crimes contra sistema financeiro.

Em seu art. 2o,parágrafo 3o indica que: "A prisão temporária sobre a qual dispõe a Lei 7.960/89, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade."

Percebe-se que a Lei dos crimes Hediondos estabeleceu prazo diferenciado para a prisão temporária. Quem estiver sendo indiciado por um destes crimes citados ou equiparado, terá prazo para prisão temporária de até 30 dias, podendo ser prorrogado em mais 30. Ou seja, foi criado um prazo diferenciado para este instituto, em razão apenas da gravidade do fato.

Não se preservou neste caso o principio da isonomia processual, já que as pessoas que estão sendo acusados de cometer um crime, seja hediondo ou não, estão recebendo tratamento diferenciado, embora estejam na mesma situação de inocente, pois ate o trânsito em julgado da sentença penal condenatória a inocência é presumida. Deve prevalecer a máxima de que todos são iguais perante a lei, prevista na Constituição.

Criou-se desta forma, um tipo de prisão cautelar que poderá ter duração de 60 dias, sem mesmo existir uma acusação formal. E se ao término da prisão temporária ficar comprovado que o sujeito que foi preso não é o autor do delito? O indivíduo já teria sofrido uma pena, não sendo reparado dos 60 dias injustamente impostos a ele.

Alguns doutrinadores acreditam que o prazo da prisão temporária não estaria presente nos 81 dias para o encerramento do inquérito, devendo ser contado o prazo a partir da decretação da prisão preventiva. Com esse entendimento Pacelli: "Com efeito, a prisão temporária somente se justifica para determinados crimes, mais gravemente apenados, a demonstrar maior complexidade na apuração e individualização das condutas e dos fatos." [19]A negativa se dar em decorrência da prisão temporária se justificar para determinados crimes mais gravosos.

Todavia, entendemos ser manifesta a inconstitucionalidade quanto aos prazos diferenciados estabelecidos para os indivíduos na prisão temporária, pois não garantem tratamento igualitário devido para todos os acusados, sendo estabelecida sanções diferenciadas à indivíduos que estão em uma mesma situação na instrução penal.

9 - DESNECESSÁRIA APLICAÇÃO DA PRISÃO TEMPORÁRIA EM RAZÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

Com o surgimento da prisão temporária, a prisão preventiva vem perdendo espaço na fase de inquérito. Antes da vigência da Lei 7.960/89, a autoridade policial fazia o requerimento da prisão preventiva para que o investigado permanecesse preso durante a fase das investigações. Não há o porquê da criação de um novo tipo de prisão cautelar, que não venha a acrescentar novas atribuições ao processo penal, até porque existem crimes, como o estelionato, que não comportam prisão temporária, sendo o acusado deste tipo de crime, preso cautelarmente através da prisão preventiva.

Há diversos tipos de prisão cautelar, com a mesma finalidade de garantir o cumprimento do processo penal, como os mesmos requisitos do fumus commissi delicti e do periculum libertatis. Para que cada uma seja aplicada em um caso concreto, é necessário que apresentem funções específicas, que atinjam determinado tipo de crime e infrator.

Porém, o que se percebe é que foi instituída a prisão temporária para casos em que já cabia a prisão preventiva. Os requisitos de aplicação dessas prisões se equivalem, havendo assim um exagero por parte do legislador ao criar diversos aparelhos para restringir a liberdade ambulatorial, com o intuito de coagir o acusado em busca da condenação.

Se no caso em concreto tais requisitos cautelares existirem, a aplicação mais justa seria pela prisão preventiva do imputado, em razão de possuir requisitos mais rígidos para a sua decretação. Porém, mesmo aceitando a decretação da prisão preventiva, não pode esta ser instituída como forma de antecipar uma punição ao sujeito em investigação.

Esta assertiva é entendimento pacificado do Superior Tribunal Federal, sendo reafirmando pelo ministro Celso de Mello, que concedeu Medida Cautelar em Habeas Corpus 96219-0/SP, à um acusado de cometer homicídio, ressaltando em sua decisão que ao ser decretada prisão preventiva com intuito de antecipar pena, houve comprometimento do princípio da liberdade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma lei, criada para garantir a correta instrução criminal ou a efetiva aplicação de uma pena, pode violar princípios tidos como fundamentais, que protegem o cidadão contra possíveis atos arbitrários estatais? Este foi um questionamento que o presente exame procurou aludir, e que uma vez resolvido, acrescentará para o aprimoramento das discussões doutrinárias sobre o tema.

O foco sobre os princípios constitucionais, que servirão como parâmetros na resolução de conflitos existentes entre o exercício de um poder sancionador do Estado, que limita a liberdade de ir e vir, e entre o indivíduo que é protegido por uma norma superior, que abrange todos os direitos coletivos e individuais necessários para o convívio regular em sociedade, mostra-se de extrema valia para a discussão da aplicação da prisão temporária.

A liberdade individual deve ser vista como regra, sendo protegida de todas as formas possíveis, desde que não interfira na ordem pública e no bem estar social. Deste modo, todo fundamento da decretação da prisão temporária deve estar baseado no seu caráter de cautelaridade e excepcionalidade, como medida para assegurar a eficácia do processo penal.

Importante a ressalva, que embora seja necessário a realização de um processo penal regular, deve-se atribuir meios igualitários entre os sujeitos do processo, para não haver um desequilíbrio na relação processual.

A prisão temporária, que não é disposta expressamente na Constituição, sendo instituída através de norma infraconstitucional, limita os direitos individuais, pois sendo decretada antes da instauração da ação penal, o Estado concentra mais suas atenções para a sociedade do que para o indivíduo. Esta assertiva encontra sustentação, tendo em vista o desprezo aos princípios da presunção de inocência, da ampla defesa e do contraditório previstos na Carta Magna, onde o Estado preferi acolher os valores sociais em detrimento dos individuais.

Há uma aplicação indiscriminada do princípio do "in dúbio pro societate", em detrimento do estado de inocência do acusado, onde mesmo sem o magistrado ter convicções sobre a autoria do crime, entende-se que o investigado deva ser preso para ser realizadas averiguações dos fatos relatados pela parte acusatória. Por força da Constituição Federal, se não há certeza da materialidade e autoria do crime, que a decisão seja proferida em favor do acusado, não da sociedade.

Todas as espécies de prisão provisória possuem regras já ultrapassadas, contendo aspectos autoritários e arbitrários, que se desvinculam do real Estado Democrático de Direito, apresentando assim uma incoerência quanto a sua finalidade.

Não pode ser aceito que seja decretada uma prisão temporária que viole princípios constitucionais, que detém valores fundamentais para validade do nosso ordenamento jurídico e aplicação do direito positivo, devendo estes terem aplicação imediata.

Luis Roberto Barroso Afirma que:

"[...] os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. A Constituição [...] não é um simples agrupamento de regras que se justapõem ou que se superpõem. A idéia de sistema funda-se na de harmonia, de partes que convivem sem atritos. Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que 'costuram' suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos."[20]

Assim, o direito fundamental à tutela penal, ao nosso pensar, exige que o Estado seja dotado de meios suficientes e adequados para, respeitados os demais direitos fundamentais e o devido processo legal substantivo, concretizar o Direito Penal. Como é cediço, inclusive considerando o processo histórico de afirmação da Constituição, não é desejável o Estado ditador, arrogante, prepotente ou violador de direitos, o que contrariaria o Estado Democrático de Direito.

As justificativas que se dão para a decretação desse abominável tipo de prisão, de ser imprescindível para que as autoridades judiciárias encontrem indícios sobre o delito cometido, não pode proceder, não existe investigação que precise encarcerar a pessoa por 5 dias para encontrar suposições.

Percebe-se que a prisão temporária possui os mesmos elementos da prisão preventiva, que em seu artigo 312 do CPP já estabelece a finalidade da prisão cautelar:

Art.312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia de ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver a prova da existência do crime e indício suficiente da autoria.

Desta forma, não há justificativa para a instituição de uma prisão temporária, considerando que já existia a aplicação da preventiva, que pelo art. 312, engloba todos os requisitos para a instituição das demais prisões provisória. Por causa deste exagero de possibilidades de prisões ditas como cautelares, criam-se conflitos que dificultam o andamento do processo penal e conseqüentemente prejudicando nas decisões dos juízes.

Pode-se afirmar, em síntese de conclusão, que a decretação da prisão temporária faz-se inconstitucional, pois viola esses princípios que dão garantia ao indivíduo. A presunção de inocência foi desprezada, tendo em vista que estão sendo aplicadas penas antecipadas ao investigado, já que não há certeza quanto a autoria e materialidade do crime, mas mesmo assim o sujeito tem sua liberdade restrita em uma fase exoprocessual.

Não bastasse a imputação de uma pena antes de sentença penal condenatória, o acusado tem seu direito de defesa cerceado, pois não possui os mesmos meios de comprovação dos fatos que a acusação detém, havendo assim um flagrante desequilíbrio processual, que só vem a prejudicar o investigado. Que espécie de justiça é esta? Onde está o Estado democrático de direito se nem ao menos é permitido que uma pessoa que sofra acusações possa apresentar sua defesa?

O que se defende neste trabalho é que a prisão temporária não tem finalidade cautelar, de assecuratória do processo penal. Fica claro ser mais um instituto colocado para conter o clamor público, buscando a confissão de um modo arbitrário com emprego de coação contra o acusado, que deve ser considerada inocente, até que provem ao contrário e que sejam esgotadas todas as formas de impugnação das alegações da acusação. Reafirmamos assim o valor da preservação dos princípios constitucionais, que servirão de fundamento para se estruturar as leis processuais, além de funcionarem como vetores para a mais correta interpretação dessas leis.

A busca por uma sociedade mais justa, sem criminalidade, por enquanto está longe de ser atingida, principalmente por causa da presença de fatores sociais que diferenciam as pessoas que convivem em um mesmo âmbito social. Porém, é defeso ao Estado extrapolar os limites garantidos pela Constituição Federal, norma maior do nosso ordenamento jurídico, que protege alguns direitos individuais essenciais para se chegar a essa justiça social.

REFERÊNCIAS:

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2001.

CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS E DECLARAÇÃO UNIVERAL DOS DIREITOS HUMANOS. São Paulo: Sugestões Literárias, 1975.

CARVALHO, Jeferson Moreira de. Prisão e Liberdade Provisória. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999

CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Processo Penal: Doutrina e Prática. Editora Jus Podivm. 2008

DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades da prisão provisória e seu prazo de duração. 2ª ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001

DUCLER, Elmir. Direito Processual Penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris 2006

GOMES FILHO, Antonio Magalhães.Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000

MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 13ª Edição – Revista Atualizada até dezembro de 2001. Editora Atlas S.A. – 2002

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 6ª edição revista, atualizada e ampliada. [2007], São Paulo, Editora Revista Dos Tribunais

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 9ª Edição, Editora Lúmen Juris

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 3º vol. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

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Autor: Danilo Reis


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