A ''Lusitânia Perdida''



Por Fernando Oliveira Santana Júnior

Graduado em Letras pela UNICAP – Universidade Católica de Pernambuco

Mestrando em Teoria da Literatura pela UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar sucintamente a situação da língua portuguesa na chamada "Lusitânia Perdida", considerando a possível ameaça de extinção dessa língua nas regiões que outrora foram colônias lusitanas.

INTRODUÇÃO

Ao estudarmos a situação da língua portuguesa no mundo, é imprescindível que tenhamos conhecimento da realidade lusófona de alguns países colonizados por Portugal. Neste trabalho, abordaremos, com certa proeminência, países em que a sobrevivência da língua de Camões viveu, vive (ou viverá?) períodos comprometedores, beirando à extinção parcial ou total.

O professor Sílvio Elia, em seu livro "A língua portuguesa no mundo", denomina Lusitânia Perdida as "regiões da Ásia ou da Oceania onde já não há esperança de sobrevivência para a língua portuguesa" (1989, p. 17). Não obstante, desde a época em que esse autor escreveu seu livro, até hoje, a esperança, então à beira da extinção, foi-se renovando, mesmo em variados graus. Por essa razão é que colocamos a expressão "Lusitânia Perdida" entre aspas, pois, diante da catástrofe luso-linguística iminente em algumas localidades, sinalizada por Elia em 1989, o português ainda sobrevive, conquanto sem preponderância máxima. Para demonstramos isso, lançaremos mão da Revista Continente – Documento, intitulada "A viagem da língua portuguesa – os desafios dos países lusófonos" (2005), a qual está mais atualizada em relação à situação do português em dois dos três países constituintes da Lusitânia Perdida mencionados por Sílvio Elia[1].

As localidades que compõem a Lusitânia Perdida, segundo o professor Sílvio Elia (1989, p. 49-53), são Índia (especificamente, Goa, Damão e Diu), Macau e Timor (especificamente o leste).

1 A SITUAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA NA ÍNDIA

Comecemos pela Índia, em que a situação do idioma português é mais complexa. Antes, faz-se mister a apresentação da Índia Portuguesa, ou seja, de Goa, Damão e Diu, em um mapa panorâmico, que está em anexo, e pedimos ao leitor que o veja:

Em 1961, após cerca de quatro séculos de dominação portuguesa, as regiões de Goa, Damão e Diu, devido à invasão militar indiana, foram devolvidas à soberania da Índia. Entretanto, esse fato contribuiu para que a língua lusitana entrasse em declínio, pois, conforme o professor Carlos Xavier:

[Ela] passou rapidamente a perder terreno, cedendo o seu lugar à língua inglesa. Isso aconteceu porque, em poucos dias, toda a máquina administrativa do antigo Estado Português da Índia passou a ser dirigida por funcionários da administração indiana que só sabiam aquela língua" (apud ELIA, 1989, p. 49).

O que começava a suceder na ambiência política logo no início da dominação da União Indiana, passava a ser refletido no meio social. Por exemplo, nas escolas do antigo Estado Português da Índia, segundo o professor Sílvio Elia, "o português foi-se esvaindo como língua de cultura. Razões de ordem pragmática interferiram no processo" (1989, p. 49). Para elucidar esse acontecimento linguístico, Elia cita o professor Carlos Xavier, que numa comunicação intitulada "O declínio da língua portuguesa em Goa, Damão e Diu", proferida em 1983, disse:

"Os pais por sua vez alarmaram-se. O português já não serviria para os seus filhos se empregarem nas repartições públicas ou nas firmas comerciais. O inglês era a língua aceita em toda a Índia. Não houve, portanto, pais que quisessem declarar que o português era a língua materna dos seus filhos [e se houve foram muito poucos. Nota de Elia]. O português desapareceu, assim, abruptamente como língua veicular do ensino primário" (1989, p. 49).

Xavier ainda ressalta que esse fenômeno de aparente extinção lingüística do português, iniciado com a invasão militar indiana, se propalou também para o ensino secundário, levando-se em conta que a língua de Camões findou no ensino primário. Diante disso, "a maioria das escolas mudou o veículo para o inglês e outras para o marsta e o guzerate" (apud ELIA, 1989, p. 50).

Finalizando as observações sobre o ex-Estado da Índia Portuguesa, diante de todo o processo de declive do idioma português nessa região, convém ressaltar que, segundo a professora Graciette Batalha, ele já é ignorado pelas gerações novas. Em suma, efetivamente, em Goa, Damão e Diu, a língua do povo que atravessou mares nunca dantes navegados está em processo de extinção lingüística, a língua dos pais está vindo a ser a língua dos avós (Cf. Idem, 1989, p. 50).

2 A SITUAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM MACAU, NA CHINA

Passemos a Macau, na China. Os portugueses chegaram a Macau por volta de 1550, mas a colônia teve sua fundação em 1557. Todavia, foi transferida ou restituída para o governo chinês no dia 20 de dezembro de 1999.

Para termos um conhecimento inicial do contato da ex-colônia portuguesa com a língua lusitana, há uma curiosidade histórica, envolvendo Camões:

"Segundo reza a tradição, um rochedo na Colina de Patane, conhecido como o "Rochedo de Camões", seria onde o escritor português teria feito alguns de seus poemas. Embora o lugar seja bastante visitado todo dia 10 de junho, para lembrar a data de sua morte, não há registro oficial da passagem do autor de Os Lusíadas por ali" (REVISTA CONTINENTE – DOCUMENTO, 2005, p. 50).

Mesmo tendo sido proferida em 1983, pela professora Graciette Batalha, esta comunicação, cujos excertos foram citados pelo professor Elia, ainda tem projeções atuais em relação à situação do português em Macau:

"Quem atualmente [a autora falou em 1983] visite Macau, não espere ouvir falar o velho dialeto crioulo ali chamado o patoá, que pensará, talvez, ser hoje a língua familiar da terra e que foi a língua familiar de todos os macaenses até meados do século passado. Aliás, não espere ouvir falar muito português. Poderá mesmo deambular pela cidade vários dias sem ouvir uma palavra da nossa língua.

[...].

É assim que noventa e sete por cento da população que formiga nas ruas da cidade nasce, vive e morre em Macau sem nunca falar mais que meia dúzia de palavras em português.

[...].

Mas, quando se esperaria um caminhar decisivo na direção do português normal, com o número sempre crescente de escolas e de professores que ensinam português, de há meio século para cá, fatores de ordem social vieram alterar o curso evolutivo da língua.

[...].

Os jovens macaenses só falam chinês uns com os outros [a Profa. Graciette refere-se aos jovens das escolas sob administração portuguesa. Nota de Sílvio Elia] – na rua, nos jogos, nas festas, nos corredores e pátios das escolas, nas próprias aulas se o professor não estiver sempre alerta. O hábito tomou tal extensão, que mães metropolitanas me dizem que seus filhos, apesar de falarem português com os pais, quando entregues às suas brincadeiras só falam chinês uns com os outros!

[...].

Numa compreensível aspiração de segurança para o futuro de seus filhos, segurança que nem Macau nem Portugal lhes dá, muitos pais que podem suportar as despesas dum colégio particular de língua inglesa em Macau preferem pôr os filhos a estudar inglês desde o ensino infantil, com vista a fazerem mais tarde curso no estrangeiro, ou pelo menos terem facilidade de colocação em países de língua inglesa" (1989, p. 51).

Parte significativa dessa comunicação da professora Graciette Batalha é ratificada mais de quinze anos depois pelo professor de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Nagazaki, Geoffrey C. Gunn, em um artigo intitulado "A herança portuguesa em Macau", apresentado na Revista Continente – Documento, número 29, de 2005:

"Existe um único liceu português, que sofre cada vez mais com a perda de alunos. Desnecessário é dizer que o domínio do português falado também encolheu, com os jovens sino-macauenses vendo no inglês uma ferramenta mais útil [que o português] para buscar empregos. No fim das contas, fora dos escritórios de governo e alguns círculos sociais, dificilmente se fala português" (2005, p. 52-53).

Como podemos notar, a língua camoniana parece estar, efetivamente, caminhando para a extinção em Macau, conquanto seja a segunda língua oficial dessa cidade juntamente com o chinês. Não obstante, a cultura portuguesa sobrevive em Macau através de vários restaurantes portugueses. Neles, a presença influente dos "doces, bolos e, naturalmente, do pão e do vinho português" (GUNN, 2005, p. 52) servem como reminiscência da língua lusitana. Paralelamente, nomes de ruas (como "Avenida Alameda Ribeiro", mesmo ao lado do cantonês, Sammalo, "Rua dos três cavalos"), cassinos (como o "Cassino Lisboa") e as construções de igrejas católicas na cidade cumprem também esse papel reminiscente (Cf. Idem, 2005, p. 53).

Uma informação relevante dada pelo professor Gunn é que "a China enxerga em Macau uma janela para o mundo lusófono. Por exemplo, o governo chinês envia seus futuros diplomatas a Macau para fazê-los aprender português" (2005, p. 53). Não obstante, Gunn não vê com muito entusiasmo o fato de a herança portuguesa ser forte em Macau: "É possível imaginar, numa bola de cristal, que a influência demográfica chinesa irá diluir a herança portuguesa em Macau" (Idem, 2005, p. 53).

Agora, Timor Leste, que é localizada no sudeste da Ásia. Através da expansão marítima, Portugal chega a essa região no início do século XVI e começa um lento processo de colonização (do comércio, passando pelos fatores religiosos, políticos e econômicos). Segundo Sílvio Elia, "essa tardia colonização não permitiu satisfatória ascensão cultural das populações nativas: o censo de 1970 revelou um índice de analfabetismo na casa dos 90%!" (1989, p. 52).

3 A SITUAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM TIMOR LESTE

Em Timor Leste, a outra língua falada oficialmente junto com o português é o tetum, uma mistura de português com os falares locais. Após sair de sob o domínio português, que durou até 1975, e indonesiano (esse foi agônico e findou em 1999), Timor Leste vive uma independência. Não obstante, fazendo uma breve consideração sobre a invasão da Indonésia e o que vem acontecendo em Timor Leste, sobretudo em termos lusófonos, queremos frisar que a situação da língua portuguesa é melhor que em Macau e na ex-colônia portuguesa da Índia, loci já analisados. Ainda assim, segundo o professor Luís Filipe, "o português não é [...] a primeira língua da maioria esmagadora dos timores [ou timorenses]" (apud ELIA, 1989, p. 53).

Antes da invasão da Indonésia, o português seguia firme na sua transmissão em Timor Leste, de modo que até surgiu, no início dos anos 1970, um documentário chamado "A Voz do Timor", transmitindo via rádio em língua portuguesa, como um exemplo dessa transmissão. Contudo, com a invasão da Indonésia, em 1975, uma das pautas necessárias dizia respeito à criação de uma escola para transmitir a língua "dos invasores", o que aconteceu. Sobre isso discorre o professor de História Moderna no Trinity College, da Universidade de Oxford, Peter Carey, que também é especialista em História e Política da Indonésia e do Timor Leste:

"Todas as crianças leste-timorenses de 6 a 13 anos deviam ser educadas na língua do país que não conheciam e, assim, garantir uma maior aceitação do que a que possuía a geração anterior sobre o governo da Indonésia. A geração pré-1975, educada em português, era considerada como radicalmente oposta à invasão" (2005, p. 65).

Devido à baixa qualidade e à predileção discriminatória pelos alunos provindos da Indonésia (em detrimento dos alunos leste-timorenses), a educação indonésia "reforçou o sentimento da separação e validou as aspirações políticas de independência" (CAREY, 2005, p. 65). Com efeito, a independência redentora viria ulteriormente. Com isso, segundo Carey, o Conselho Nacional de Resistência Timorense adotou a língua portuguesa como oficial[2], considerando "os jovens educados pelo sistema indonésio como representantes de uma geração perdida" (2005, p. 65). Perdidos política ou lingüisticamente? Ambos, a despeito de o fator de perda pender mais para o lado lingüístico, conforme depreendemos, porquanto essa geração da época indonésia ignora a língua lusitana. Diante disso, tal geração prefere o tetum ou o bahasa, da Indonésia (Cf. CAREY, 2005, p. 65).

Com a escolha oficial pelo português, começaram a ocorrer tensões conflitantes entre as gerações leste-timorenses: a da época da ocupação, por se achar desprezada pela política leste-timorense independente (formada pelos ex-exilados nas antigas colônias portuguesas africanas, que voltaram ao poder) e a da pós-ocupação. Não obstante, parece que ambas línguas (o tetum e o português) caminharão juntas no Timor Leste. À vista disso, entendemos que a língua portuguesa caminha firme com a política de lusofonização no Timor Leste. Por isso, não o consideramos, pois, uma "Lusitânia Perdida".

CONCLUSÃO

Neste trabalho apresentamos sucintamente a situação da língua portuguesa na chamada Lusitânia Perdida, fazendo um cotejo de dados entre Sílvio Elia (1989), Peter Carey (este falando especificamente do Timor-Leste) e Geoffrey C. Gunn (este falando especificamente de Macau, na China). Não obstante os informes apocalípticos em torno da extinção da língua portuguesa na chamada Lusitânia Perdida, é possível observar a sobrevivência dela no Timor-Leste e em Macau, na China. O mesmo não pode ser dito em relação a Goa, Damão e Diu, na Índia. A Revista Continente (2005) não faz menção à situação desses lugares.Segundo o  professor de Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas, na Universidade de Montreal, Luis Aguilar, não se pode esquecer Goa, Damão e Diu, pois - conforme entendemos - "foram deixados importantes vestígios culturais" neles (2005, p. 13), ainda que a língua portuguesa não seja mais falada nesses lugares.

REFERÊNCIAS

AGUILAR, Luís. Luso-Afonias e Cultura da Língua Portuguesa. Revista Continente – Documento: A Viagem da Língua Portuguesa no Mundo: os desafios dos países lusófonos. Recife, n. 29, p. 52-53, jan. 2005. ISSN: 1518-5095.

CAREY, Peter. Conflitos de gerações e linguagens. Revista Continente – Documento: A Viagem da Língua Portuguesa no Mundo: os desafios dos países lusófonos. Recife, n. 29, p. 64-65, jan. 2005. ISSN: 1518-5095.

ENCICLOPÉDIA WIKIPÉDIA ON-LINE. Timor Leste. Site. Disponível na Internet: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Timor-Leste> Acesso em 09 de set. 2007.

ELIA, Sílvio. A Língua Portuguesa no Mundo. São Paulo: Ática, 1989. 80 p. (Série Princípios, 169).

GUNN, Geoffrey C. A herança portuguesa em Macau. Revista Continente – Documento: A Viagem da Língua Portuguesa no Mundo: os desafios dos países lusófonos. Recife, n. 29, p. 52-53, jan. 2005. ISSN: 1518-5095.

Revista Continente – Documento: A Viagem da Língua Portuguesa no Mundo: os desafios dos países lusófonos. Macau. Recife, n. 29, p. 50, jan. 2005. ISSN: 1518-5095.




Autor: Fernando Oliveira Santana Júnior


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