A POLÍCIA PRENDE E A JUSTIÇA SOLTA



Em função do envolvimento de figuras proeminentes do cenário nacional em algumas ocorrências policiais nos últimos tempos, a frase que eu mais tenho ouvido é aquela de que “não adianta nada, pois a policia prende e a justiça solta”.

 

Pura filosofia de boteco, já que totalmente fundada no desconhecimento de nosso ordenamento jurídico no que tange ao direito penal e processual penal.

 

Em primeiro lugar, por sua própria iniciativa a polícia somente poderá prender no caso de prisão em flagrante. Nessa situação, ela tem a obrigação de prender, porém qualquer do povo poderá (faculdade) fazê-lo.

 

Já a prisão temporária é cabível apenas nos casos em que, havendo fundadas razões de autoria ou participação do indiciado em alguns crimes taxativamente previstos na legislação, a prisão se mostra imprescindível para as investigações do inquérito policial ou quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. Acontece que quem decide sobre o cabimento ou não de tal espécie de prisão é o juiz em resposta a uma representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público.O prazo de tais prisões, é de cinco dias prorrogáveis por igual período e sempre deverá ser determinado mediante despacho fundamentado do juiz. Findo o referido prazo, o indiciado deverá ser solto imediatamente sob pena de aquele que prolongar tal restrição de liberdade, responder por abuso de autoridade, a não ser que já tenha sido decretada a prisão preventiva do acusado.

 

Como se vê, não se trata de policia prendendo e justiça soltando, já que se tais prisões ocorreram, foram amparadas pela decisão fundamentada de um juiz.

 

Já, em relação à prisão preventiva, uma vez provada a materialidade do crime e havendo indícios da autoria, ela poderá ser decretada sempre que necessário para a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução crimina ou para assegurar a aplicação da lei penal. São aqueles casos em que o indiciado solto poderá causar clamor público, interferir nas provas, ameaçando testemunhas ou destruindo documentos ou ainda, demonstra sua disposição para se evadir para não cumprir uma eventual pena. Fora desses casos, a prisão preventiva não poderá ocorrer.

 

E a quem é que cabe decretar a prisão preventiva? É ao juiz de ofício, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou por representação da autoridade policial. Mais uma vez, podemos ver que a polícia não pode tomar a iniciativa de efetuá-la, devendo sua ação ser sempre respaldada em uma decisão judicial prévia.

 

Necessário deixarmos claro que existe um ponto comum aos três tipos de prisão anteriormente citados. É o de que as três são espécies do gênero prisão provisória, ou seja, aplicam-se a pessoas que não têm contra si uma decisão final condenatória transitada em julgado. São fundadas apenas em suspeitas, que embora se exija sejam fundadas, motivadas, ainda assim são apenas suspeitas. Sendo assim, uma vez desaparecidos os motivos pelas quais foram decretadas, imediatamente o indiciado deverá ser colocado em liberdade, sob pena de contrariarmos alguns preceitos importantes de nossa Lei Maior, a Constituição Federal/88. Entre eles, o da presunção de inocência de qualquer pessoa, consubstanciado no inciso LVII da Constituição Federal que dispõe claramente que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Lembrem-se de que o poder que tem competência para processar e sentenciar é justamente o judiciário e não a polícia. Ninguém pode ser privado da liberdade sem o devido processo legal e ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Esses são alguns mandamentos constitucionais básicos que devem preponderar sobre qualquer sede de vingança sumária e privada que possa aflorar em quem quer que seja.

 

Necessário recordarmos que é um dos princípios fundamentais do direito processual e penal universal aquele segundo o qual “a regra é a liberdade; a prisão é a exceção”. Não podemos querer resolver todas as nossas mazelas exigindo que todo o mundo seja recolhido à prisão sumariamente, até porque, a lei que muitas vezes exigimos que seja endurecida em relação a terceiros, poderá um dia se voltar contra nós ou nossos entes queridos. Geralmente quando isso ocorre, não hesitamos em bradar que se trata de uma injustiça que não poderia estar ocorrendo.

 

Enfim, criei coragem de escrever estas palavras apenas porque tenho visto e escutado, inclusive pelos órgãos de imprensa, a divulgação dessa frase destituída de verdade, já que ela fica endeusando uma instituição e demonizando outra, coisa que pode ser deletéria em tempos de crise, momento em que a sociedade e os organismos do Estado devem agir conjuntamente.

Jorge André Irion Jobim. Advogado. http://jobhim.blogspot.com/


Autor: Jorge André Irion Jobim


Artigos Relacionados


Culpado Por OmissÃo

Anjo DecaÍdo

Tua Ausência

Ícaro Moderno

A Morte De Matilde

A Marquise

Gata Mineira