Pára, pai!



Pára, pai ! ─ Vizinhos garantem ter ouvido uma criança proferir estas palavras na noite do crime. Essa criança pode ter sido Isabella, de seis anos, que morreu, ou seu irmãozinho, de três, que sobreviveu.

Digo proferir palavras, provisoriamente, sabendo que uma criança de três ou seis anos ainda não aprendeu a proferir, isto é, ainda não objetivou a palavra como entidade diferenciada de suas vivências. A criança, como sabemos, carrega o coração na mão, vale dizer, opera o milagre de jungir numa unidade só a fala e o sentimento.

- Pára, pai – portanto, na percepção infantil será tudo, menos um discurso.

Será antes o arranco de um primeiro impulso moral, logo sufocado pela incapacidade de conter os horrores que se perpetravam ali, na noite do crime.

Em leitura recente deparei com a idéia de que não cabe atribuir estilo às criações infantis. Naquela altura tomei, e ainda hoje tomo por razoável a proposição, visto que estilo, como definiu Buffon, é a marca do homem, isto é, do homem desenvolvido.

Nada obstante, atrevo-me a identificar estilo em Pára, pai.

Não, é claro, o estilo consciente das estruturações estéticas, mas o estilo mágico das motivações espontâneas.

Defendo que a seqüência Pára, pai – e não Pai, pára – reflete a hierarquia da  cena aos tenros olhos infantis. Primeiro, a carência elementar do instante, a ruptura da ordem natural, o alarma  iminente da concussão.  Em seguida a aridez do desamparo, que consolida o trauma.

Pára!  foi, portanto, o comando categórico,  imediato, que irrompeu das profundezas d'alma, em favor da dignidade e da vida.

Será preciso descer um pouco mais ao fundo, como os "mergulhadores de Coromandel", para arrancar a pérola encravada no vocativo pai.

Quero auscultar ali a pulsação debilitada de um coração exangue, a inflexão minguante da razão que desertou, o frio impiedoso  da solidão absoluta.

Quero, enfim, ouvir ali o gemido amargo da Inocência mais uma vez crucificada.

Desgraçadamente esse e outros tipos de tortura contra crianças e adolescentes avançam a passos largos em direitura da banalização. Gestações precoces, pais despreparados, droga, bebida, financiamento fácil da miséria, e o mais de podre que anda solto por aí.

Sugiro debater esse cancro logo mais ao almoço, entre a compota e o café, neste festivo Dia das Mães.


Autor: Osorio de Vasconcellos


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