De Mãos Dadas



A minha namorada, nos meus vinte anos era uma menina legal, alegre, simpática, só que cheia de esquisitices, não gostava que eu passasse o braço no ombro dela, perto dos pais não podia andar de mãos dadas. Bem, naquela época, estou falando do milênio passado, até que justificava certas frescuras que hoje em dia são coisas naturais.

E como eu andava sempre afobado por um carinho, algo mais íntimo que preenchesse a minha carência afetiva, vivia a fazer um cortejo algo pesado, insistente.

Essa política feminina de ter um NÃO sempre como resposta, um carimbo repetitivo para todas minhas insinuações, era terrível.

Era um NÃO bem expressivo, bem treinado nas diversas aulas maternais que deve ter assistido como aluna mais assídua.

E fui tolerando, que outro remédio quando a gente está a fim e não chega lá?

A minha paciência ia se esgotando nessa história cheia de "não me toques"

Eu estava reputo da vida a última vez que afirmou, -"Nada de mãos dadas por enquanto"

Lembro que fomos atravessar uma grande avenida, de mãos soltas por exigência dela, quando olhando pra mim, ela não viu um caminhão que se aproximava a grande velocidade.

Quando achei que estávamos na linha de tiro dele, numa posição perigosa no meio da rua, eu parei de imediato e tentei dar um puxão na mão dela.

E cadê a mão? Nesse exato momento não estava perto da minha, não consegui agir a tempo nessa fração de segundo, quando de repente ela deu o passo fatal à frente do Scania que ficou com uma estampa nova no frontal.

O formato de minha namorada grudou certinho na grade e pára-choque do monstro metálico de 18 rodas.

Parecia um adesivo colado, um tapete igualzinho aos desenhos animados.

Só que não deu para enrolar e carregar, foi necessário chamar o pronto socorro para desgruda-la.

Bem para resumir, fui visitá-la por 12 meses no hospital de fraturas da capital.

A coitadinha estava com polifraturas no corpo inteiro, parecia uma múmia, enrolada da cabeça aos pés, no rosto só os olhinhos e um buraquinho na boca para passar o canudinho para se alimentar.

Então um dia eu comentei pra ela, quando já que escutava bem:-Tá vendo, não quis andar de mãos dadas, ai está o que dá.

Se não fosse assim, tinha puxado vc e estaria salva.

Percebi que ela não estava a fim de escutar sobre isso, pus olhar de indiferença, mirando pro infinito.

Então para descontar a raiva eu disse: -A verdade que eu vi o caminhão e não falei nada, gostou? Assim vc aprende a andar como eu gosto na rua!

Após uns instantes, escutei ela balbuciando algumas vocais quase inaudíveis.

Acerquei-me com o ouvido perto do buraquinho da boca e escutei só vogal:

-Io da ua!!! Falei: - O que? Não estou entendendo nada.

Ai que ela caprichou mais um pouco dentro de suas péssimas condições: -Io da uta!!!

Bem, confesso que não entendi. Ou pelo menos falei e fingi que não entendi.

Foi melhor para nós dois, uma despedida sem xingos, sem ameaças e sem ressentimentos.

Demorou muito tempo para melhorar algo, eu não voltei mais.

Quem me perguntava por ela, eu respondia que se alistou como mercenária na guerra do Vietnam.

Alguns amigos meus a viram depois de muito tempo e me comentaram, -Pôxa meu, parece que toda artilharia inimiga explodiu na cara dela!!!

Depois dessa lição, acredito que nunca mais andará de mãos soltas com outro namorado.

E assim aprendem que um pouco de carinho, não faz mal a ninguém, ao contrário.

Hoje, depois de tantos anos, a cabeça já mais madura.......tenho certeza de que eu seria mais paciente e se repetisse aquela cena, a teria poupado e salvo disso sim, certamente que sim.


Autor: Enrique Andres Kun Segade


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