HOMEM NA FILOSOFIA OCIDENTAL



Joacir Soares d'Abadia

Este artigo versa sobre a Obra de Lima Vaz, Antropologia Filosófica, a qual discorre uma reflexão a respeito do "Homem na Filosofia Ocidental". Para tanto, se tem várias concepções do homem, claro, tudo de forma resumida.

I. A CONCEPÇÃO CLÁSSICA DO HOMEM

A cultura clássica elaborou uma imagem do homem na qual são postos em relevo dois traços fundamentais: o homem como animal que fala e discorre (zôon logikón) e o homem como animal que político (zôon politikon). Esses dois traços estão, de resto, em estreita correlação, pois só enquanto dotado do logos o homem é capaz de entrar em relação consensual com seu semelhante e instituir a comunidade política.

A imagem do homem que a cultua arcaica grega oferece é rica e complexa para a cultura ocidental. Esta imagem do homem encontra um ponto de intersecçõa e convergência no tema do destino (moira), que oferece um fio condutor da visão arcaica à visão clássica do homem.

Na concepção do homem na filosofia pré-socrática é Diógenes de Apolônia (floruit entre 440 e 430 a.C.), é o primeiro pensador que tem a idéia do homem como estrutura corporal-espiritual, cuja natureza se manifesta na cultura por meio de suas obras. Ele é, pois, um ser ordenado finalisticamente em si mesmo e para o qual se ordena, de alguma maneira, a própria ordem do kósmos. Ma são os Sophistês que engloba o saber teórico e as habilidades práticas, revela que o homem e suas capacidades passam a sero objeto principal da filosofia.

Sócrates, na transição socrática, trata da alma (psyché) e "vida interior". A "alma" (psyché), segundo Sócrates, é a sede de uma areté (excelência ou virtude) que permite medir o homem segundo a dimensão interior na qual reside a verdadeira grandeza humana. É na "alma", que tem lugar a opção profunda que orienta a vida humana segundo o justo ou o injusto, e é ela, que constitui a verdadeira essência do homem, sede de sua verdadeira arete.

Portanto, na antropologia platônica encontra-se a relação do homem com o divino (tò theion) que se sobrepõe a todos e permanece como o motivo fundamental da antropologia platônica.Aristóteles celebra também no homem a capacidade de passar além das fronteiras de seu lugar no mundo e eleva-se pela teoria, à contemplação das realidades transcendentes e eternas.

Do fisicismo jônico, a investigação empírica da tradição da medicina e o intelectualismo finalista socrático-platônico surgem à idéia da psyché em Aristóteles como principio vital que é o ato ou a perfeição (enérgeia) de todo ser vivo e ao qual compete, com a psyché do Fedro platônico.

O homem é um ser composto (syntheton) de psyché e de sôma. A psyché é, portanto, a perfeição ou o ato (entelécheia) do corpo organizado, e essa é a sua perfeição. O homem se distingue de todos os outros seres da natureza em virtude do predicado da racionalidade: ele é um "animal racional", um zôon logikón. Ele é um zôon politikón por ser exatamente um zôon logikón, sendo a vida ética e a vida política arte de viver segundo a razão (katá tón lógon zen).

A antropologia helenística se manifesta pelas duas escolas: o Epicurismo e o Estoicismo que partem do mesmo pressuposto, ou seja, da submissão do homem ao logos como condição necessária para se alcança a eudaimonia (felicidade).

Epicuro diz que o homem é essencialmente, um ser-que-sente, e a sua lógica é a codificação de uma teoria sensista do conhecimento, segundo o qual o conhecimento humano começa e termina na sensação (aísthesis) que pode desdobrar-se em "antecipação" (prolípses) ou representações mentais e em sentimentos (pathé) de pena e prazer.

A escola estóica conheceu duas fases na época helenística, o Estoicismo antigo (séculos III-II a.C.) com Zenão de Cítio, os fundadores da escola, Cleanto e Crisipo, e o chamado Estoicismo médio (séculos II-I a.C.), com Panécio de Rodes e Possidônio de Apaméia, às quais, já na época romana, seguiu-se o chamado Estoicismo imperial, com Sêneca, Epíteto e Marco Aurélio.

No centro da antropologia estóica, está igualmente, como no Epicurismo, o problema do indivíduo, onde, trata-se fundamentalmente de definir as condições do seu "viver feliz" (eudaimonia). E entre estas obtém primazia aquelas que tornam o indivíduo independente ou assegura-lhe o senhorio de si mesmo (autárkeia).

O sistema estóico é também tripartido em Lógica, Física e Ética. O conceito fundamental do Estoicismo é o conceito de "natureza"(physis), principio universal e teológico, imanente a todos os seres e que os guia de acordo com a razão ou o logos. O sistema estóico segundo as três dimensões do conhecimento da verdade (lógica), do conhecimento da physis (Física) e do conhecimento do Fim (Ética).

A grande originalidadedos Estóicos que os afasta do antigo intelectualismo grego é a fusão, no homem, do passional e do intelectual, sendo a paixão considerada um juízo da razão e reservando-se assim ao Sábio o exercício verdadeiramente das paixões.

O neoplatonismo vai dar forma definitiva a uma das referências fundamentais do pensamento antropológico no Ocidente: dualismo subjetivo, alma sensível-alma inteligível, ao qual corresponde o dualismo objetivo, sensível-inteligível ou tempo-eternidade.

II. A CONCEPÇÃO CRISTÃO-MEDIEVAL DO HOMEM

A concepção Cristão-medieval do homem procede de duas fontes: a tradição bíblica, vetero e neotestamentária, e a tradição filosófica grega.

A tradição bíblica goza, da formação do pensamento cristão, de uma primazia em termos de normatividade, porque constitui uma instancia última de referência, segundo o qual deve ser julgada a autenticidade cristã das concepções e teorias que se apresentam no campo teológico.

A unidade do homem é pensada, na concepção bíblica, não numa perspectiva ontológica, mas soterológica, e ela se desdobram em três momentos que se articula como momento de uma história ou de um itinerário salvífico. Trata-se, da unidade de um desígnio de salvação que da parte de Deus é dom ou oferecimento e da parte do homem é resposta ou aceitação, a recusa do dom implicando justamente a perda da unidade ou da cisão irremediável do seu ser por parte do homem. Estes três momentos definem uma unidade de origem, expressa nos termos da criação, da queda e também da promessa que se encontram nos primeiros livros da Origem (Gênesis).

A antropologia patrística desenvolve-se toda à luz do mistério da Encarnação, e é esse mistério que transpõe em um nível concreto, pela referência a um arquétipo histórico, o tema da imagem e semelhança Santo Irineu de Lião (século II), foi o primeiro teólogo cristão que fez oposição entre a antropologia cristã e antropologia gnóstica em sua obra Adversus Haereses (livro III), onde o tema do homem reflexa da glória de Deus é o fio condutor da crítica irineana ao gnosticismo.

Uma dimensão essencial da antropologia agostiniana é a concepção do homem como ser itinerante. Esta concepção representa a grandiosidade do itinerário da humanidade simbolizada na figura das duas cidades, tema da última e maior obra de Agostinho, o De Civitate Dei.

A antropologia medieval vai buscar sua inspiração em três fontes que irão constituir as auctoritates por excelência na vida intelectual da Idade Média: a Sagrada Escritura ou sacra pagina, autoridade maior e incontestada; os Padres da Igreja dentro os quais se destaca a figura de Santo Agostinho, referência privilegiada após a Escritura; os filósofos e escritores gregos e latinos, dentre os quais Aristóteles se afirmará, a partir do século XIII, como o Philosophys simplesmente ou, como se exprimirá Dante, il maestro di calor Che sanno (Inf. IV, 131). Com o privilégio concreto as auctoritates no método medieval do saber, a concepção do homem evolui em estreita relação com o próprio desenvolvimento da civilização. Portanto, a concepção do homem apresenta na Idade Média uma surpreendente riqueza que estudos recentes têm procurado explorar.

A influencia de Santo Agostinho é predominante até o século XII no campo filosófico-teológico, somada com os escritos dionisianos, que se torna poderosa a partir do século IX, onde ela imprime as primeiras expressões da antropologia medieval tendo traços neoplatônicos característica do pensamento simbólico dominante até o século XIII. O aristotelismo se impõe a partir do século XIII, mas a autoridade de agostinho continua elevada a todasas outras, no entanto, inferior somente à sacra pagina.

A tesão permanente da antropologia medieval é entre aristotelismo e agostinismo, cujo equilíbrio é assegurada pela tradição bíblico-cristã. Assim, constitui-se uma filosofia cristã do homem, em que exigências de inteligibilidade deverão submeter-se as categorias antropológicas herdadas da filosofia antiga. Nela, duas questões adquirem mesmo relevo: a da historicidade e a da corporeidade do homem. nesta, a "natureza" humana aparece atualmente inserida numa situação histórica que é determinante do destino dos indivíduos e que, segundo a visão agostiniana, orienta toda a história: a situação soteriológica, definida pelos acontecimentos salvíficos da história salutis. Naquela, a reflexão antropológica de Agostinho segue a compreensão do corpo na unidade de essência do homem que permanece uma exigência fundamental da doutrina da criação e dos pressupostos antropológicos do mistério da Encanação do Verbo.

Dois termos consagrados na historiografia da filosofia medieval encerram as complexas correntes de idéias que vieram confluir na antropologia tomista: o agostinismo e o aristotelismo. Foi no aristotelismo, que Santo Tomás procurou reconstituir em sua autenticidade original os comentários dos textos de Aristóteles, chegando de fato, ao Ocidente latino nos séculos XII e XIII acompanhado de elementos provindos de outras correntes da filosofia grega, sobretudo do neoplatonismo. A antropologia tomásica pode ser situada por três coordenadas:

_ a concepção clássica do homem como animal rationali;

_ a concepção neoplatônica do homem na hierarquia dos seres, como ser fronteiriço entre o espiritual e o corpo;

_a concepção bíblica do homem como criaturas, imagem e semelhança de Deus.

a anima intellectiva é a única forma substancial do composto humano, a diferença específica rationale da definição clássica determina todo o homem, assegurando assim a unidade antropológica exigida pela tradição bíblico-cristão. Já no que diz respeito à sua situação no universo, o predicado da racionalidade confere ao homem a característica singular de se encontrar na fronteira do espiritual e do corporal, do tempo a da eternidade. O tema bíblico de homem imagem de Deus é tratado por Santo Tomás em contexto teológico. No entanto, ele supõe uma filosofai do homem em relação com Deus que tem como tema fundamental à idéia da perfeição relativa do homem principalmente da perfeição absoluta de Deus, da qual decorre a capacidade de conhecer a verdade e de agir moralmente segundo o bem.

III.A CONCEPÇÃO MODERNA DO HOMEM

O homem moderno ocupa o centro da cena da história e passa a ser a matriz das concepções contemporâneas do homem que se formularão nos séculos XIX e XX. Portanto, o propósito aqui é o de acompanhar em seus momentos mais importantes a história da formação concepção moderna do homem, ou seja, a sucessão dos perfis filosóficos do homem moderno.

A concepção do homem no humanismo tem uma conotação peculiar: indica ao mesmo tempo uma nova sensibilidade em face do homem e a redescoberta e exaltação da literatura clássica, sobretudo latina, considerada a mais alta expressão dos valores preconizados pelo humanismo e o mais apto instrumento para elevar o homem à altura de sua verdadeira humanidade: homo humanus.

Na ordem das idéias, a civilização da Renascença veio a ser conhecida como idade do humanismo. A civilização da Renascença foi a primeira civilização do livro impresso e influenciado decisivamente na difusão do ideal humanista.

A antropologia renascentista é muito vasta, por isso, fixa-se aqui em um pensador, o cardeal Nicolau de Cusa (1401-1464) e nas duas idéias matrizes que estão nos fundamentos da concepção renascentista do homem, a da dignidade do homem e a do homem universal.

A obra de Nicolau de Cusa deve ser situada na estreita do nominalismo, ultima forma da Escolástica medieval, e que representa a dissolução dos fundamentos metafísicos que sustentaram as grandes sínteses dos séculos XIII.

O que desaparece sobre a crítica nominalista e a posição de um mundo ideal, identificado com o Intelecto divino e assegurada à inteligibilidade intrínseca dos seres que permitia, por sua vez, a aplicação do procedimento analógico ao conhecimento da existência e da transcendência de Deus.

O tema da dignidade do homem reaparece na Renascença como a reiteração consciente de um tema que provém de Sófocles e da Sofistica grega e se tornara um lugar comum na literatura antiga. Exaltação, portanto, de dignitate et praestantia responde às exigências profundas da nova sensibilidade em face do homem e de suas obras, sendo o traço mais característico do humanismo. No entanto, existe uma diferença entre a celebração da dignidade do homem na literatura antiga e nos autores da Renascença. No primeiro caso, é a atividade da contemplação (contemplori) que atesta a grandeza do homem e sua eminente dignidade. No segundo caso, é o agir (operari), a capacidade de transformação do seu mundo que passa a ser o indício incontestável da superioridade do homem. anunciando-se aqui uma das direções fundamentais da antropologia moderna.

Com efeito, é a imagem do homo universalis que emerge das profundas transformações do mundo ocidental no tempo da Renascença, dando lugar a uma dilatação dos horizontes estreitos da cristandade medieval, seja de seu espaço geográfica (ciclo das descobertas), seja de seu espaço humano (encontro com novas culturas e civilizações). Assim, a antropologia da Renascença aparece como uma antropologia de rupturas e transição: ruptura com a imagem cristão-medieval do homem e transição para a imagem racionalista que dominará os séculos XVII e XVIII.

A antropologia racionalista vai encontrar sua expressão paradigmática é com R. Descartes (1596-1650), de modo a se poder falar do homem racionalista como do homem cartesiano. A inversão cartesiana começa com o privilégio atribuído ao método como ponto de partida e com a construção do abjeto do saber segundo as regras do método ou no âmbito do ens ut cogitatum.

A partir do recurso à Metafísica (Filosofia Primeira na terminologia de Descartes), foi possível edificar a Física e em sua seqüência recolocar o problema antropológico como problema da relação da alma e da concepção racionalista do homem:

a)a subjetividade do espírito como res cogitans e consciencia-de-si;

b)a exterioridade (concebida mecanicisticamente) do corpo com relação ao espírito.

Esse dualismo racionalista do homem apresenta-se essencialmente diverso do dualismo clássico, de feição platônica. Aqui o espírito como res cogitans separa-se do corpo como res extensa para melhor conhecer e dominar o mundo. A antropologia de Descartes cinde-se em uma metafísica do espírito e uma física do corpo: a idéia clara e distinta das duas substâncias, mostra como "naturezas completas" que podem subsistir uma sem a outra. O dualismo cartesiano se mostra plenamente constituído e, com ele, define-se a estrutura fundamental da antropologia racionalista: de um lado o "espírito" cujo existir se manifesta na evidência do Cogito; de outro, o "corpo" obedecendo aos movimentos e às leis que impelem a máquina do mundo.

O homem da idade cartesiana será assinalado por dois traços peculiares: o moralismo, na tradição de Montaigne continuada pelos grandes moralistas do século XVII como La Bruyère e La Rchefoucauld; e o chamado humanismo devoto (expressão de Henri Brremond) que refletirá uma nova sensibilidade religiosa em face da razão cartesiana e da divisão religiosa da Europa.

Pascal opõe o estudo das "ciências abstratas" ao estudo do homem. assim, torna a dramática experiência de Pascal em um paradigma da experiência do homem moderno.

A dignidade do homem tanto para Pascal quanto para Descartes, reside no pensamento. Mas o Cogito pascaliano não se volta para a dominação do mundo, e sim se empenha na descoberta das regras do bien pensar: ele descobre imediatamente sua dimensão moral.

Teórico da Revolução inglesa, Locke tornou-se o pensador que traçou com maior exatidão a imagem do homem: é a imagem do "homem liberal" ou do "burguês" que resume seu credo no otimismo naturalista (postulado da bondade natural do homem) e na afirmação contra Hobbes dasociedade natural, ou seja, da tendência à convivência espontânea e pacífica dos indivíduos no "estado de natureza".

Locke afirma existirem no homem todas as disposições naturais para, chegar ao conhecimento de Deus, da natureza de si mesmo como ser moral. No entanto, o naturalismo lockiano não se confronta com o Cristianismo como é o caso de seus sucessores no movimento da Ilustração. Locke será um propugnador da tolerância religiosa e se esforça por demonstrar o caráter razoável do Cristianismo. O empirismo lockiano é fundamento de sua teoria política na qual irá inspirar-se todo o pensamento liberal posterior.

A revolução cientifica do século XVII, que encontrou no modelo mecanicista seu paradigma epistemológico fundamental, atingiu todos os campos do saber e da cultura em geral. As concepções filosóficas sobre o homem obedecem a suas influências. Tendo como instrumentos epistemológicos privilegiados a observação e a medida, o novo espírito cientifico se caracteriza por uma nova idéia do método. Os ideais do método ou a definição rigorosa das regras do bem pensar constituem um dos temas dominantes da cultura intelectual da época. As duas grandes vertentes do racionalismo empirista, inspiram as duas grandes concepções do método, a dedutiva e a indutiva, dando primazia à síntese e à classificação.

O próximo campo do conhecimento transformado pelo espírito cientifico eo das ciências da vida. O desenvolvimento dos instrumentos ótico amplia o campo de observação dos fenômenos da vida e reestrutura, o domínio da percepção visual. nasce, assim, a anatomia microscopia dão se os primeiros passas em direção à teoria celular e registra se a descoberta dos glóbulos vermelhos, dos infusórios e bactérias. A historia e a classifica, ao dos seres vivos o a sistemática botânica e zoológica, começa a sofrer uma reformulação que conduzira ao advento da sistemática com Lineu e Buffon no século XVIII.

Em três domínios a antropologia empírica assinala, segundo G. Gusdorf, seus primeiros progresso: o da anatomia do corpo humano com o aparecimento da anatomia comparada, ou da sistemática zoológica, e do estudo experimental do psiquismo.

Outro campo importante que se abre à investigação empírica do homem é o das ciências da linguagem. O modelo mecanicista estende se também ao domínio da linguagem, e é à sua influencia que se deve o projeto da criação de uma gramática geral, na qual sejam descritos os mecanismos elementares da linguagem. Outro projeto que seduz os primeiros estudiosos da ciência da linguagem é o da linguagem universal, que é uma preocupação constante de Leibniz, que em seu De arte combinatoria se propõem, organizas, com idéias simples, um alfabeto do pensamento humano, base de uma combinatória lógica universal.

Esse quadro deve ser completado pelo campo das ciências do Direito e do Estado. O século XVII viu surgir à concepção moderna do Direito Natural e à aplicação ao Estado do modelo mecanicista, ao mesmo tempo em que a chamada ideologia do individualismo, da qual Locke será um dos primeiros técnicos, começa a ser elaborada, antes de tornar se a ideologia dominante dos tempos modernos.

A Iluminação compreende o movimento de idéias que dominou o século XVIII europeu e sua repercussão nos campos político, religioso, filosófico, científico, literário e artístico, definindo um "espírito'' (Geist) que marcou toda uma época e conferiu fisionomia própria a toda uma civilização, designada exatamente como civilização da Ilustração. Assim o centro da Ilustração é justamente uma concepção do homem bem como a da história humana e de seu sentido que afasta-se do que fora a concepção dominante nos séculos cristãos

A parir de sua difusão no século XVIII, o "espírito" da Ilustração passa a ser um componente essencial do "espírito" da civilização ocidental. Experiência e analise: são dois termos-chave da linguagem filosófico-científica da Iluminação. Eles definem os constitutivos essenciais de uma idéia da Razão que se considera uma e universal e reconhece seu "discurso do método" nas Regulae phylosophandi que abrem os Principia de Newton.

A linha de evolução segundo a qual a Iluminação lê a história humana é traçada segundo os progressos da Razão. É na Iluminação que se encontra uma das raízes das filosofias da história que florescerão no século XIX.

A novidade característica dessa idéia de progresso da Razão é a da infantilidade da Razão, articulada a um desígnio prático ou poético.

Eis algumas das teorias assumidas pelo espírito da llustração:

_ humanidade: o sentido que esse tempo assume já é nitidamente secularizado, e seu matiz; e marcadamente axiológico, em contraposição à humanidade objeto do universalismo salvífico cristão. Trata-se, da passagem da humanidade de Bossuet à humanidade de Voltaire;

_ civilização: ela é a verificação da hipótese da passagem do "estado de natureza" ao "estado de cultura" e do movimento histórica que conduz ao "estado de civilização";

_tolerância: nascida no século XV, no contexto do dialogo das grandes religiões proposto pelo cardeal Nicolau de Cus, a idéia se fortaleceu no século XVI com a divisão religiosa e as guerras de religiões. No plano jurídico, a idéia de tolerância inspira o tratado de Cesare Beccaari, Dos delitos e das penas (1764), que lança os fundamentos do Direito Penal moderno;

_ revolução: o termo evolui para designar uma mudança e transformações profundas na sociedade que anunciam o advento de um mundo melhor.

Humanidade, Civilização, Tolerância, Revolução: entre outras, são idéias diretrizes que, elaboradas segundo os critérios fundamentais das luzes e do progresso, estruturam o espaço mental da Ilustração. Nesse espaço, o homem passa a ocupar o centro do qual irradiam as linhas de inteligibilidade. Assim, o século da Ilustração assiste ao nascimento que se desenvolveram no século XVII.

Duas influencias traça a concepção kantiana do homem:

a) uma linha propriamente antropológica, cuja origem deve ser buscada no curso da metafísica professada por Kant e para o qual utiliza o compêndio de Baumgarther. Kant introduz uma alteração no início o estudo empírico do homem ao qual dá o título de Antropologia.

b) uma linha critica que segue o desenvolvimento da reflexão critica a partir da Dissertação de 1770; essa tarefa critica abrange as três atividades superiores do homem, a razão teórica, a razão pratica e a faculdade de julgar, traz consigo uma profunda remodelação da imagem do homem transmitida pelo racionalismo clássico.

O termo de uma evolução da qual se define pouco a pouco a idéia kantiana de antropologia: ciência cuja finalidade é preparar o homem para o conhecimento do "mundo". O conhecimento do homem se funda no senso comum e tem em vista a relações que se estabelecem entre os homens. portanto, a antropologia se situa no âmbito da "filosofia popular". O conceito de Antropologia recebe grande amplitude e ela tende a ocupar o centro do sistema filosófico. Mas a Kant não foi dada a oportunidade de realizar o projeto de uma Antropologia transcendentalis: essa tarefa ficará reservada à filosofia pós-kantiana. No que diz respeito, à concepção do homem, o pensamento critico de Kant permanece na linha da dualidade própria da antropologia racionalista.esse dualismo constitui uma estrutura conceptual fundamental do edifício da Razão pratica, seja no nível da razão pura, seja no nível da Razão pratica. No nível da Razão pura, encontramosuma dualidade estrutural entre a sensibilidade e receptiva e a espontaneidade do entendimento. No nível da Razão pratica, a dualidade se estabelece entre o "caráter empírico" do sujeito pratico (domínio da necessidade externa e das paixões) e o "caráter inelegível" (domínio da liberdade). A superação dessas dualidades só será tentada na Crítica da faculdade de lugar, quanto à noção de fim da Natureza é aplicada ao homem nos juízos teleológicos e estéticos.

A idéia do homem em Kant apresenta uma grande complexidade. As linhas principais que se entrelaçam nessa idéia kantiana do homem são as seguintes:

_ linha da estrutura sensitivo racional, que acompanha o homem como ser cognoscente, capaz de formular o ideal da Razão pura e as Idéias transcendentais (o mundo, a alma e Deus).

_ linha da estrutura físico-prática que acompanha o homem como ser natural ou mundano, físico designando o que a Natureza opera no homem e pragmático o que o homem faz de si mesmo.

_ linha da estrutura histórica ou do destino homem, que o acompanha em duas direções fundamentais: religiosa, que aponta para o fim último do homem e a pedagógico-politica, que Kant desenvolve em seus numerosos opúsculos sobre Filosofia da história, política e pedagógica. Nesse opúsculo Kant expõe sua opinião sobre alguns dos problemas clássicos levantados pela Ilustração, como a educação da humanidade, a educação do individuo, o regime político e a liberdade civil. A esse aspecto da concepção kantiana do homem como ser histórico está estritamente vinculada sua doutrina, de caráter ético-jurídico.

IV. AS CONCEPÇÕES DO HOMEM NA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

Uma convenção quase universalmente aceita compreende sob a designação de filosofia contemporânea as correntes filosóficas que se desenvolveram durante os séculos XIX e XX. A razão para essa contemporaneidade de dois séculos do pensamento filosófico é diversa, mas duas ao menos podem ser apontadas. A primeira é uma razão teórica e ela exprime o fato de que os grandes problemas que desafiam a filosofia nos inícios do século XIX, tanto em sua vertente idealista como em sua vertente positivista, continuam. Não obstante as prodigiosas mudanças.seja civilização material, seja na cultura desses dois séculos, diante de nós como nossos problemas maiores. A segunda é uma razão histórica e ela exprime o fato de que as condições para o exercício da filosofia que acabaram por se definir nos inícios do século XIX, sua implantação no terreno da cultura universitári e sua atração para o campo das metodologias de pesquisa. Essas duas razões bastam para justificar o predicado da contemporaneidade atribuído ao pensamento filosófico que podemos denominar pós-kantiano e que é aquele sob cuja conjuntura teórica e histórica ainda nos encontramos.

A concepção do homem no idealismo alemão assume particular importância o Romantismo (die Romantik), movimento de sensibilidade e de idéias que veio ao longo de todo século XVIII, constituindo a tendência pós-Romantismo. Trata-se de sua face oposta à da Aufklärung. Dois traços principais distinguem essa corrente pré-romântica:

a) a resistência à Ilustração, caracterizada pelo mecanicismo newtoniano e pelo empirismo de Locke; o pré-romantismo adota uma atitude crítica do conceito de natureza enquanto é pensada como um sistema de leis e entidades de caráter matemático;

b) a primazia do sentimento sobre a razão, mostrando o sentimento diante da uniformidade da razão, donde decorre igualmente a primazia da Eu sensível sobre o Cogito racional e do senso intimo sobre a unidade lógica.

A passagem do pré-romantismo propriamente dita tem lugar na Alemanha nos fins do século XVIII, com o movimento Sturm und Drang, de 1770 a 1780. mas essa passagem se precipita sob o choque da Revolução francesa, abalo sísmico que provocou uma ruptura de alto a baixo, seguida de enormes desmoronamentos, no edifício da sociedade ocidental.O Romantismo nasce no clima dessa ruptura revolucionária. No entanto no é fácil definiras característica nem sua amplitude, nem mesmo sua duração propriamente dita.

A antropologia romântica valoriza no homem o articular tal como se exprime na sensibilidade, nas emoções e na paixão; e é por meio dessa particularidade sensível que o homem romântico aspira ao universal, vem a ser, a integrar-se numa totalidade orgânica, integração que se cumpre sobretudo na arte. O individualismo romântico é, profundamente diferente do individualista: neste o individuo se define por seu Cogito que o une à razão universal: naquele o individuo se define pelo sentimento do Eu que o leva a comungar com Todo orgânico ou co m o uno que é o "uno e todo" (én kai pan) será um dos lemas do pensamento romântico.

Os traços fundamentais Deus da antropologia romântica são antecipados por pensadores da época da Ilustração: são eles Jean Jacques Rousseau (1712-1778) e Johann Gottfried von Herder (1744-1803).

A antropologia de Rousseau está intimamente ligada à sua experiência humana e é, nesse sentido, eminentemente existencial. Se por um lado Rousseaucoloca o sentimento, cuja sede é o coração ou a consciência moral, no centro de sua visão do homem, por outro, como genuíno herdeiro da tradição racionalista, dá a seu pensamento uma rigorosa estrutura racional e ao mesmo tempo, axiomático-dedutiva. Esse rigor racional marca os dois primeiros Discursos:primeiro é uma análise e um diagnóstico dos males e da corrupção da sociedade e do individuo que são os frutos da cultura. O segundo Discurso (sobre a origem da desigualdade) aprofunda a análise e apresenta-se como uma verdadeira antropologia histórica. Nela Rousseau estuda os passos dados pela humanidade em sua evolução intelectual, social, econômica e política. A antropologia de Rousseau adquire a feição de uma filosofia da historia inspirada nos pressupostos epistemológicos da ciência do Dereito Natural e tendo como ponto de partida hipotético a "natureza humana" ou o homem no "estado de natureza". A trajetória da história humana em sua reconstituição hipotético-dedutivo conduz do estado a-história inicial à realidade histórica observável da sociedade civil.

Esta concepção antropologia de Rousseau mostra, pois, dois níveis rigorosamente encadeados: o homem natural e a sociedade. Sal interrogação: qual o caminho que levou o homem natural do estado de natureza ao estado de sociedade? E por que o estado de sociedade trouxe ao homem a corrupção e a perda da bondade inata ao homem natural? Toda a obra rousseauniana é uma tentativa de resposta a essas questões. Mas essa resposta não preconiza um retorna impossível ao "estado de natureza". A antropologia de Rousseau é movida numa direção oposta à da antropologia clássica de tipo platônico e a antropologia cristão-medieval.

A antropologia de Herder desenvolve-se no clima do pré-romantismo alemão e participa do chamado "tempo goethiano" (Goethezeit) que tenta unir a razão e a sensibilidade numa forma superior de conhecimento que seja, há um tempo, discursivo e intuitivo.

Para Herder, a definição mais adequada do homem é a de sr Deus linguagem. A linguagem é uma criação do homem e atesta sua condição de ser racional ou é a própria forma humana da racionalidade. Ele esboça alguns traços que a antropologia contemporânea atribuiao homem para distingui-lo do animal: enquanto este permanece circunscrito ao seu Umwelt, ao mundo circundante ao qual o prende o instinto, o homem vê abrir-se diante de si o espaço ilimitado do seu Welt, do seu mundo propriamente humano.

A antropologia herderiana aparece no mundo cultural da Aufklärung alemã, como uma alternativa à concepção do homem da tradição racionalista.

A elaboração propriamente filosófica das idéias sobre o homem que alimenta a visão romântica caberá oas filósofos do chamado Idealismo alemão que saberão recorreu igualmente muitos elementos da tradição racionalista. O Idealismo alemão inaugura-se com a obra de Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), avança com a obra de Friedrich Hegel (1770-1831).

A linha anrapologica do pensamento de Fichte pertence à estrutura fundamental de seu sistema. Ela pode ser caracterizada como filosofias da liberdade por encontrar um novo estatuto ontológico para a liberdade. Seja em Fichte ou em Schelling, a concepção do homem, organiza-se em torno do problema da liberdade, insere-se num vasto desenho metafísico que tenta reatar a tradição dos grandes sistemas da filosofia clássica. Mas é em Hegel que essa ambição sistemática se cumpre efetivamente, e é no pensamento hegeliano que a idéia do homem alcança uma adequação expressão conceptual.

A significação geral da idéia hegeliana do homem trata-se de uma gradação que não deve ser entendida como uma superação e sim como um movimento de natureza dialética que integra cada nível na integridade do todo ou na estrutura dialética da idéia do homem como totalidade. Eis a seqüência desses níveis:

_ a relação situa-se a relação do homem com o mundo natural. Essa relação se define como oposição entre o mundo natural, domínio da imediatidade (Unmittelbarkeit) e o mundo propriamente humano, domínio da mediação ou da suprassunção (Aufherbung) da natureza em Espírito objetivo;

_ o segundo nível é a relação do homem com a cultura (Bildung). Hegel mostra que o individuo só pode ser considerado indivíduo humano na medida participa do movimento de manifestação do Espírito, que é o movimento constitutivo da história;

_a relação do homem com historia pode ser considerada um desmembramento de sua relação com a natureza. Hegel vê na história o "progresso na consciência da liberdade", ou o ser histórico do homem como constitutivamente o seu se livre, em sua progressiva manifestação. Segundo ele, a história não deve ser pensada filosoficamente em seu transcurso linear segundo a ordem do tempo empírico.

_ a relação com o Absoluto é a que abre a dimensão mais profunda da concepção hegeliana do homem. a Filosofia do Espírito da Enciclopédia é coroada com seção sobre o Espírito Absoluto, assinalando a necessidade de se ultrapassar dialeticamente o plano da História universal, que é o momento mais alto atingido pela dialética do Espírito Objetivo. As instancia dialéticas do Espírito Absoluto são a Arte, a Religião e a filosofia, mostrando que é no homem ou, mais propriamente, em sua intuição (Arte), em sua representação (Religião) e em seu conceito (filosofia) que o Espírito se manifesta como absoluto, sendo o Espírito essencialmente manifestação. A concepção hegeliana do homem desemboca no conceito do Espírito (Geist) que é o verdadeiro centro de sua filosofia; e a idéia do homem se mostra como momento, subjetivo, da dialética do Espírito que, por sua vez, suprassume o individuo e a história na esfera do Absoluto.

A evolução do pensamento de Hegel costuma ser dividida em três grandes fases, e essas assinalam igualmente o desenvolvimento de sua concepção do homem.

A primeira fase pode ser designa como pré-sistemática e vai de 1788 a 1800, se impõe a perspectiva histórico-cultural que se torna a perspectiva dominante em suas reflexões. O tema fundamental que emerge segundo essa perspectiva é o da divisão (Entzweiung) que, de acordo com o sentimento e o diagnostico dos grandes representantes da cultura européia no século XVIII. Segundo Hegel, a cisão na sociedade e no individuo se manifesta nas diversas esferas da existência religiosa, social, cultural e política.

A segunda fase de formação do pensamento de Hegel pode ser designada como a preparação para o Sistema. Duas linhas orientam seu desenvolvimento: a linha critica e a linha sistemática. É justamente seguindo a linha sistemática que a concepção do homem começa a adquirir aqueles que serão seus traços definitivos. Sendo definida como "conceito do ser-uno e da infinidade" e sendo dotada dos predicados da atividade e da historicidade atestada na dialética indivíduo-comunidade que lhe é própria.

A fase sistemática do pensamento hegeliano, na qual sua concepção do homem adquirirá uma definitiva, inaugura-se com a Fenomenologia do Espírito, publicada em 1807. O Espírito se define como a Idéia que alcança seu ser para si e que tem como pressuposto a Natureza. O Espírito existe na forma de relação consigo mesmo: é, então Espírito subjetivo. O que ele é segundo a sua essência ou em sua posição dentro do Sistema: ele é o lugar da passagem dialética da natureza ao Espírito. Na unidade que é em si e para si e se produz eternamente, ou seja, unidade da objetividade do Espírito e de sua ideologia, ou o seu conceito: Espírito em sua verdade absoluta ou Espírito absoluto. A concepção hegeliana do homem abrange efetivamente esses três momentos, pois o Espírito objetivo _ indivíduo _ passa necessariamente para o Espírito objetivo _ a cultura ou a história_ no qual tem sua verdade, e este passa para o Espírito absoluto _ a idéia, exprimindo-se como Arte, Religião, e Filosofia _ no qual tem sua verdade absoluta.

Hegel divide a Filosofia do Espírito subjetivo em três partes, pois,Espírito subjetivo é:

_ em si ou imediatamente, como alma (Seele) ou Espírito natural: antropologia:

_ para si ou mediatizado em sua particularização como consciência (Berwusstsein): Fenomenologia do Espírito;

_ determinando-se em si para si como sujeito (Subjekt) para si: Psicologia.

A concepção hegeliana do homem insere-se num contexto infinitamente mais vasto, que compreende as esferas do Espírito objetivo e do Espírito absoluto. Ela é, pois inseparável de uma Ética, de uma filosofia jurídica e social, de uma filosofia política, de uma filosofia da Arte e da Religião e, enfim, de uma filosofia do Absoluto que constitui o ápice de todo o Sistema e na qual a concepção do homem encontra seu fundamento último.

Após a morte de Hegel (1831), seus discípulos dividiram-se em duas correntes que ficaram conhecidas como "direta hegeliana" e "esquerda hegeliana". A primeira professava uma estrita fidelidade ao pensamento de Hegel em sua forma sistemática. A segunda foi buscar em Hegel inspiração para fazer da filosofia uma arma de crítica social e política, arma que acaba voltando-se contra o próprio Hegel como pensador sistemático e contra a natureza, considerado teológico, de seu sistema.

A posição de L. Feuerbach na história da filosofia é, tipicamente, uma posição intermediária ou de transição entre os grandes sistemas do Idealismo Alemão. O materialismo histórico de Marx e o materialismo cientista da segunda metade do século XIX. A filosofia de Feuerbach será um antropocentrismo radical. O antropocentrismo de Feuerbach será, pois, um antrpoteísmo: o homem é o único deus para o homem, e os atributos de deus que comparecem no discurso teológico cristão deveram, finalmente, constituir a estrutura e a seqüência do discurso antropológico.

De um lado esta dissolução tem como resultado uma antroplogia materialista: o homem, como "ser sensível", defini-se interiramente por suas carências (Bedürfnisse) e, conseqüentemente, com sua relação com o mundo objetivo; essa relação permite caracterizar o homem como um "ser genérico" (Gattungswesen), ou seja aberto aos outros homens ou à totalidade do gênero humano que na verdade, é o sujeito real dos atributos que o homem individual projeta em Deus. A evolução do pensamento feuerbachiano leva-o ao abandono da noção de Gattungswesen, ainda demasiado hegeliana a seus olhos, e a fixa-se cada vez mais na idéia da relação imediata do homem com a natureza: a "religião da Natureza" vem ocupar progressivamente o lugar da "religião do homem".

Karl Marx foi um teórico da ação revolucionária e política e um teórico da análise econômica, tendo como principal inspirador Feuerbach.

Para uma exposição ordenada da concepção filosófica do homem que Marx deixou, segue-se a seriação proposta por Jon Elster dos seguintes tópicos fundamentais:

a)O homem e a Natureza;

b)A natureza humana;

c)As relações sócias;

d)A filosofia da história.

Para Marx a especificidade do homem se destaca sobre o fundamento

Das características que ele tem em comum com os animais. Enquanto o animal é sua própria vida ao homem cabe produzir a sua. Essa produção da própria vida irá implicar no homem, os predicados especificamente humanos da consciência-de-si, da intencionalidade, da linguagem, da fabricação e uso de instrumentos e da cooperação com seus semelhantes. A consciência-de-si e a linguagem são predicados exclusivos do homem e são capazes de imprimir uma feição especificamente humana.

Correlativa à noção de necessidade de sua satisfação é, na visão antropológica de Marx, a noção de alienação (Entfremdung). Elster distingue em Marx dois tipos fundamentais de alienação: a alienação espiritual e a alienação social. No primeiro caos, a alienação relaciona-se com a possibilidade de satisfação das necessidades e com a relação entre a medida destas necessidades e a medida de sua satisfação. Uma forma de alienação de Marx é a coisificação (Verdinglichung, reificatior, réification) que se dá propriamente com a separação e reigidez das necessidades e capacidades, que não se integram no desenvolvimento harmonioso e fixa separada e compulsivamente sobre o seu objeto. A coisificação é como que o sinal negativo do que será esta natureza plenamente desenvolvida ou "desalienada". Marx estabelece dois níveis conceptuais na estrutura do homem como ser social (ou seja, histórico), que estão necessariamente inter-relacionados:

_ nível da natureza humana, definida por suas carências ou necessidades e pela dialética da satisfação destas necessidades, desdobrando-se seja na relação do homem com a natureza exterior pelo trabalho, seja em relação com os outros homens pela sociedade;

_ nível da situação histórica definido pelo estágio das forças e relações de produção e pelo fenômeno da alienação social que resulta da inadequação deste estágio às exigências de realização da natureza humana. Tal fenômeno se verifica de maneira exemplar no capitalismo, pois se trata de um processo histórico que atinge seu auge no modo de produção capitalista, mostrando uma profunda alienação espiritual: alienação econômica, alienação política, alienação, alienação cultural e alienação religiosa.

A noção de alienação está igualmente nos fundamentos de sua filosofia da história. Para Marx, de acordo com sua definição do homem como ser-que-produz, é o modo de produção em cada época que permite a seriação dialética da história em quatro grandes épocas, o modo asiático de produção, o escravismo antigo, o feudalismo e o capitalismo moderno que gera necessariamente o socialismo ou a socialização dos meios de produção como fase de transição para o comunismo, estágio final da história. A face escatológica do pensamento de Marx aparece em plena luz, na qual o advento da sociedade sem classes aparece como o fim necessário da história. O problema do fim da história mostra o terreno em que seu pensamento abandona os caminhos da razão para enveredar pela trilha do mito.

O século XIX assistiu ao rápido desenvolvimento das ciências que vai das ciências da vida às ciências da cultura, passando pela geografia humana, pelas ciências econômicas e sociais e pelas ciências do psiquismo.

A repercussão dessas ciências sobre a reflexão filosófica que tem por objeto o homem em suas diversas dimensões foi se tornando mais ampla e profunda na medida que elas se desenvolviam e diversificavam.

As correntes filosóficas que refletiam o pensamento e desenvolvimentodas ciências humanas foram, na França, os chamados ideólogos, posteriormentes, o Positivismo, seja na forma ortodoxa que lhe deu seu fundador, August Comte (1798-1857), seja em sua onipresente influencia que veio a constituir-se em espírito ou mentalidade característicos da vida científica da época.

A escola dos ideólogos se distingue pela primazia conferida ao problema da origem das idéias e pelo método rigorosamente analítico. O movimento dos ideólogos abrange os diversos ramos da cultura e da política, e sua influência marcou profundamente o pensamento francês no séc, XlX.

Já August Comte é considerado o fundador da Sociologia, tendo-a considerado o único saber positivo sobre o homem. Ao conferir à sociedade primazia sobre o indivíduo ele desenvolve uma física social em que a sociedade é analisada, tanto do ponto de vista estático quanto do ponto de vista dinâmico. A sociologia encontrou em Herbert Spencer (1820-1903) e em Émile Durkhein (1858-1917) seus continuadores sendo Durkhein considerado o fundador do método sociológico.

A denominação "Antropologia filosófica" difundiu-se na moneclatura filosófica contemporânea a partir da primeira metade do séc. XX, sobretudo nos círculos ligados a influência de Max Scheler. Mas as raízes filosóficas da Antropologia devem ser buscadas mais longe, no pensamento de Sören Kierkeergaard (1813-1855) e Friedrich Nietzsche (1844-1900).

Kierkeegaard não foi propriamente um filósofo, e sim um pensador solitário, teólogo de profissão. Ele é considerado hoje um clássico do pensamento europeu no séc. XIX e sua obra deve ser lida primariamente sob um prima teológico, seu pensamento exerce profunda influência no pensamento filosófico contemporâneo, sobretudo no que diz respeito à concepção do homem.

A presença de Nietzsche é uma presença difusa, mas poderosamente determinante em vários campos da cultura contemporânea. No que diz respeito a filosofia, sua obra se apresenta sobretudo como crítica da cultura e como proposição de uma nova idéia do homem. Ele retoma as questões de Kant que converge para a interrogação "o que é o homem?" essa interrogação formula-se não no plano clássico da essência e sim na perspectiva do devir (werden). Desse modo, ainterrogação desdobra-se na seqüência de três questões fundamentais: o que foi o homem, o que o homem não é e finalmente, o que o homem pode e deve ser. A visão nietzschiana do homem é articulada em dois planos epistemológicos: o plano metafísico e plano da crítica da cultura. No plano metafísico, os temas dominantes são o da vontade em vista do poder (Willle zur Macht) e o do retorno eterno do mesmo (Ewige Wiederkehr). No nível da crítica da cultura, os temas dominantes do pensamento de Nietzsche são o niilismo como diagnose da cultura ocidental, a genealogia da moral e dos contravalores que estão em oposição à vida bem como o anúncio do super-homem. A consciência é para Nietzche apenaso instrumento de uma unidade superior que ele denomina "corpo" (Leib) e que constitui a totalidade do indivíduo. Na concepção de Max Scheler e de seus seguidores, a antropologia filosófica se propõe formular a concepção clássica do homem tendo em vista o rápido e amplo desenvolvimento das ciências humanas e das ciências biológicas que operam uma revisão profunda no problema das relações do homem com a natureza. No centro da cisão scheliana do homem está o conceito de pessoa. Na última fase de sua evolução pôs-se em primeiro plano a relação do homem com a natureza e afastou-se progressivamente do conceito de um Deus pessoal, que desempenhou papel fundamental nas fases anteriores.

A enumeração de modelos de antropologia filosófica no pensamento filosófico contemporâneo não tem a pretensão de ser exaustiva, nem de capitar todos os matrizes, às vez extremamente sutis, que distiguem as consep

Coes de vários pensadores já lembrados e que freqüentemente apenas uma convençãohistoriográfica estabelecida sob uma mesma desiguinação. Veja algum desses modelos: antropologia existencial: na acepção kierkegaardiana, trata-se da existência cristã com existência do individuo que manifesta sua singularidade irredutível à explicação lógica ao laçar sua liberdade no salto absurdo da fé. Karl Jaspers (1883 – 11969) é o pensador que mais se aproximou de um modelo de uma Antropologia existência. A obra principal de Jaspers é Philosophie na parte central dessa obra institula-se justamente "clasificação da existência".Ele distingue ai o Dasein, existência empírica do homem, e a Exsistenz, ou seja, o individuo em sua unidade unicidade irredutível, mas confrontado com a Transcedencia por meio das estruturas existenciais de Jaspers chama as "cifras" da trascedencia, entre as quais se destaca a liberdade que é, ao mesmo tempo, lugar de leitura das "cifras"e também "cifra".

Martin Heidegger, ao publicar em 1927 a primeira parte do Sein und zeit, tornou-se uma das fontes da concepção existencial do homem, ao propor inicialmente uma Analítica existencial do Dasein ou do existente humano. Sartre teve sua reflexão permanentemente voltada para os problemas ético-politicos e é sem dulvida sobre o fundo desse problemas que são traçadas as linhas de sua Antropologia existencial. Para Sartre o ser se manifesta em dois modos fundamentais: a coisa ou o en-soi e a consciência ou o pour-soi.Maurice Merleau- Ponty(1908-1961) pode ser lembrado entre os autores que contribuíram para a constituição de uma Antropologia existencial pela influencia exercida por sua obra principal La Phénomenólogie de la perception (1945),onde se tenta uma síntese entre a psicologia da Forma(Gestalt) e a fenomenologia do ser-no-mundo do homem, conduzida desde o ponto de vista da percepção.

-A antropologia personalista é uma designação reinvidicada por concepções do homem, as mais diversas e opostas, a característica comum dos personalismos de inspiração cristã é a afirmação do Deus pessoal trascendente como paradigma e fim último da pessoa.entre os personalistas cristãos mais conhecidos estão: Jacques Maritain (1882-1973) que formula uma concepção de pessoa largamente aberta aos grandes problemas da civilização contemporânea; Emmanuel Mounier (1905-1950), que ligou o nome do personalismo a um movimento político-cultural por ele fundado; Maurice Nédoncelle (1905-1976), sua obra é orientada para fundação de um personalismo cristão que acolhem importantes contribuições da análise fenomenológica; Joseph de Finance, cujas notáveis contribuições no domínio da ética tomista inserindo-se numa rigorosa e amplamente arquitetadas filosofia da pessoa. Peter Wust (1889-1940), cuja obra Dei Dia lektik des Geistes enumera-se entre as mais importantes contribuições ao pensamento cristão neste século.

-Antropologias Materialistas ocuparam por longo tempo uma posição de destaque na vida intelectual do Ocidente, as antropologias que, de uma maneira ou outra, se filiavam à tradição marxista e elaboravam sob ângulos diversos sua Filosofia do homem sob o fundamento do Materialismo histórico ou sob a definição marxista do homem como ser produtor. Essas se caracterizam pelo fato de assumir como referencia epistemológica básica uma determinada ciência que passa a ser considerada como ciência normativa para o conhecimento global do homem e para o desenho do modelo do homem que se considera ratificado pelo conhecimento científico. Entre as ciências convém enumerar as ciências das origens (Paleontologia e Pré-história humanas), a Biologia humana, as Psicologias profundas, a Linguagem e a Etmologia.

A Filosofia contemporânea inclina-se a conceber o homem como um ser pluriversal na representação de sua situação e face da realidade opera-se, uma inversão na direção dos vetores que circunscrevem o lugar ontológico do sujeito: para o homem universal esses vetores convergem, segundo a metafísica da reflexão sujeito-realidade; do homem pluriversal esses vetores irradiam, segundo a modalidade da abertura do sujeito às várias regiões do ser que se oferecem ao seu conhecimento e à sua ação. Eis dois modelos desse esquema plurivelsal:

O primeiro é proposto por Paul Ricoeur colocando a pluriversalidade do sujeito humano em linhas fundamentais: o pensamento e a ação. O segundo, estudo dirigido por André Jacob, fala do plural qualitativamente decisivo na interrogação filosófica sobre o homem, que parte em diversas direções (metafísico, ético, social, natural, lógico, estético e o fundamental) à questão sobre o que é o homem?

LIMA VAZ, Henrique C., Antropologia Filosófica, Vol. I e II, Edições Loyola, São Paulo 2004.


Autor: Joacir Soares d'Abadia


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