QUE QUE É ISSO, MINHA GENTE (II)



 

Domingo passado foi comemorado o Dia das Mães. Bem sabemos uma data comercial, mais do que nunca, oportuna para alavancar a economia, fazer circular o dinheiro. Tudo bem, jogo aceito. Temos que concordar com a mensagem publicitária que diz mais ou menos assim: “toda mãe mente quando diz que não quer ganhar presente”. Embora a gente diga que não precisa, que não quer, no fundo no fundo, toda mãe gostou de ser lembrada. A gente quer sim e gosta de ser homenageada pelos filhos, nem que seja só com um beijo estalado. Ufa! De alguma forma, todas passamos pela data, tal como já passamos pelo Carnaval, pelas comemorações da Páscoa e todos os feriados do ano, sobreviventemente. Se apurarmos bem os ouvidos, já poderemos ouvir os sinos do Natal. É, o ano está passando por nós com uma velocidade incrível; já-já estaremos rompendo 2010. Tentando equilibrar as contas, domar os cartões de crédito, correr atrás dos pré-datados, pagando impostos, esticando salários e segurando nossos empregos, já nos tornamos tão equilibristas quanto nossos concorrentes dos sinais, exercitando, como ninguém, nossa brasilidade e, por que não, procurando dar conta dos nossos destinos.

Mas, será que, nesse exercício diário e individual de sobrevivência, a gente se dá conta do que acontece a nossa volta? Será que todo mundo reparou no que reparei? Creio que sim; não dava para não reparar os incontáveis outdoors pela cidade, em que políticos do nosso Estado expunham suas fisionomias bem cuidadas, “falando” com seus eleitores, dirigindo-se a nós, os transeuntes indefesos. Enquanto um, anunciava que ia continuar fazendo o que tem obrigação de fazer e continuar fazendo, isto é, trabalhando, o outro, nos desejava um feliz dia das mães.

Que que é isso, minha gente (II)? Quanta delicadeza! Quanta atenção! Exporem alvos sorrisos policromados, em fotos monumentais, em um espaço público de cerca de 30 metros quadrados, cada - provavelmente, “fotoshopiadas”- é justificativa para a mensagem que postulavam? Estudantes de comunicação, assessores (alôoo!) será que a mídia utilizada por nossos políticos estaria condizente com o público e a mensagem publicizada? De certo, que o sorriso do filho de uma mãe só, deve ser mesmo um belo presente para todas as outras! Poupem-nos desses recursos, senhores. Qual a mãe - que não a do próprio político - sentiu-se reverenciada com a inusitada, desproporcional, exagerada, dispendiosa, supérflua, ostentosa manifestação? Não, senhores, com certeza, a maioria de nós, as mães a quem se intentava homenagear, não se sentiu homenageada com a singela mensagem. Sabe por quê? Porque não tem nenhum sentido... Porque sabemos como é caro e supérfluo esse recurso - por baixo, cada outdoor, entre produção e veiculação (por quinze dias) fica em torno de R$500,00. Isso mesmo, mais do que um mês de salário de um trabalhador, mais do que um mês de uma faculdade paga. E foram muitos os “santões” políticos expostos na última quinzena em nosso espaço público. Polícia! Cadê o TER? Porque não sabemos quem está financiando essa gentileza... Porque, o que mãe gosta mesmo é da homenagem e da cara do seu filho (quem sabe, até ganhar um vale-outdoor financiado pelo governo), não da fisionomia irretocável, de um político falando-nos do óbvio. Não nos sentimos homenageadas porque, além de uma demonstração de esbanjamento, é politicamente incorreto e, por isso, antiético. Porque recursos e mensagens como essas poluem e enfeiam ainda mais nossa pobre cidade.

Porque não se utilizaram, os senhores, dos velhos “santinhos” (sobras de campanha, talvez), do velho correio e da velha cartinha? Quem sabe, a remessa de suas fotos e mensagens, para publicação em página inteira, dupla, nas inúmeras (e incontáveis) colunas sociais dos nossos semanários e programas assemelhados, na tevê a cabo já resolvesse a compulsiva necessidade de exposição dos senhores?

Por que acham que podem invadir o espaço do nosso olhar, do nosso livre-trafegar, e surgirem assim do nada, nas nossas vidas de equilibristas, simplesmente rindo para nós (ou de nós)? Já imaginaram se todos os cidadãos campo-grandenses tivessem tido a mesma idéia e homenageado as mães com os seus rostos coloridos expostos nos tapumes da cidade? Mais do que oportuno se faz questionar, nesse momento, ao poder público, sobre o Projeto Cidade-Limpa, que levou alguns de nossos políticos até São Paulo, no início do ano, e que, entusiasmados voltaram anunciando mudanças e cuidados com relação ao vergonhoso spam urbano que está nos sufocando? Será que não está mais do que na hora de se regulamentar essa arbitrariedade? Onde está o CREA, o Instituto de Arquitetos, a OAB, e outros tantos organismos da sociedade civil, que não se manifestam? Desde quando o espaço público é lugar para se publicar recadinhos para os eleitores? De que nos interessa, depararmo-nos com a óbvia mensagem afirmativa do político que nos promete continuar trabalhando em 2010, 2011? Ué, não é a sua obrigação? Haverá outro jeito de se ganhar a vida, se não o de fazer o que se deve fazer; o que se tem obrigação de fazer, sem precisar prometer? Enquanto, em Brasília, um declara que “está se lixando para a opinião pública”, por aqui, parece que alguns dos nossos políticos estão abusando dela.

Ai de ti, Campo Grande! Ai de ti, Mato Grosso do Sul! Lugares privilegiados que são,  merecem muito mais de todos nós. Dos políticos, respeito; de nós, ação! Mas, dia virá em que nossas ruas e praças se encontrarão despidas de todo esse turbilhão cotidiano de ruídos. Chegará o dia, em que, (muitos) alguém de bom senso, (político?) decretará que tuas ruas e tuas praças deverão ser cuidadas e teu povo respeitado. Quando, então, invasões como essas serão coisas de um passado muito atrasado em que pessoas (ainda inconscientes de seus deveres com a coletividade) utilizavam-se de tapumes para exporem suas idéias, celebravam seus feitos pública, indecorosamente, sem qualquer cuidado ético e estético. Quem viver verá.

 

Maria Ângela Coelho Mirault Pinto

Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo

http:// mamirault.blogspot. com

 

 


Autor: maria angela mirault


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