A LÁGRIMA DA TEOLOGIA



A LÁGRIMA DA

TEOLOGIA

 

Três anos antes de entrar no seminário, era membro de uma igreja em Campina Grande, na Paraíba. Tínhamos ali um presbítero muito sério, tão sério que era difícil a vez em que ele tinha oportunidade de pregar para não acontecer algo insólito. Também era tão inteligente que muitos o consideravam um gênio, enquanto alguns achavam que ele era um pouco fora dos eixos mentalmente.

 

Certa vez ele resolveu pregar sobre Marta e Maria e, para surpresa de todos nós, desceu a ripa em Maria, taxando-a de "acomodada" e até de "preguiçosa" e colocou nas alturas Marta, dizendo que ela era uma excelente dona de casa e que estava preocupada em preparar boa comida e uma cama para Jesus descansar.

 

No seminário havia um seminarista baiano, cujo nome era o mesmo de um ilustre e famoso conterrâneo dele: Rui Barbosa.

 

O mais interessante é que Rui Barbosa, se brincasse, era tão ou até mais inteligente do que o outro Rui. Era um dos alunos mais brilhantes e de uma inteligência e cultura excepcionais.

 

No culto matinal de um certo Domingo vieram três seminaristas visitar nossa igreja, Arlínio Rocha, Francisco Aquino e Rui Barbosa. Cada um teve a oportunidade de ensinar uma das classes de Escola Dominical e Rui Barbosa foi incumbido de pregar.

 

No momento em que o Rev. Ageu Lídio Pinto passou a palavra para ele, Rui leu o texto no qual basearia seu sermão que foi Mateus 5:4: "Bem aventurados os que choram, porque eles serão consolados". Em seguida, anunciou seu tema:

 

-         Queridos irmãos é para mim um privilégio inusitado estar entre preclaros ouvintes para tecer alguns comentários sobre tão rico texto bíblico. Baseado neste texto quero falar-vos sobre "A Teologia da Lágrima".

 

E começou:

 

-         A lágrima é composta de albumina, sais minerais, clorídeos, cloretos, hidrogênio, oxigênio, carbohidratos, plasma...

 

Eu era muito jovem. Tinha apenas dezesseis anos. Não me lembro de toda a composição da lágrima e meu irmão Rui Barbosa que me perdoe, não me lembro de nada mais do que ele falou naquela manhã. Na realidade eu não sabia que a lágrima tinha teologia, mas deve ter sido uma mensagem interessante. O problema é que sei lá porque, perdi-me em elucubrações e não prestei muita atenção no restante da mensagem.

 

Mas o presbítero a quem me refiro prestou muita atenção e anotou muita coisa do que o Rui falou.

 

Por uma estranha coincidência o presbítero estava escalado para pregar naquela noite. Como estávamos com a igreja cheia de seminaristas naquele Domingo que chegaram praticamente de surpresa, o pastor pediu ao presbítero para ceder a palavra para um dos dois outros que vieram, o Chico, como nós carinhosamente o chamávamos. Mas, ele foi inflexível:

 

-         Me desculpe, pastor, mas eu fui escalado e eu vou pregar.

 

O pastor, como bom presbiteriano, respeitava muito as decisões do Conselho da igreja e concordou em deixar o presbítero pregar e os seminaristas - todos do quinto ano de seminário, ou seja, concluintes - ficarem no banco escutando.

 

Quando a palavra foi passada para o presbítero no culto da noite, ele solenemente fez a igreja ficar de pé e anunciou seu texto:

 

- Vamos abrir nossas bíblias no Evangelho de Mateus, Capítulo 5 e versículo 4.

 

Todo mundo ficou de orelha em pé. Era o mesmo texto do Rui pela manhã. Ele o leu com muita seriedade: "Bem aventurados os que choram porque eles serão consolados". Em seguida ele falou as seguintes palavras iniciais:

 

- A lágrima é composta de emoção, dor, alegria, sofrimento, contentamento, angústia, decepção, surpresa, conflito, exultação, júbilo, regozijo, satisfação, aflição, agonia, amargura, ansiedade, consternação, desgosto, inquietação, mágoa, opressão, padecimento, pena, suplício, tormento, tortura, trabalhos, tribulação, tristeza e muitas outras coisas mais. Meus amados irmãos, quero usar este maravilhoso texto da Palavra de Deus e falar nesta noite sobre o seguinte tema: "A Lágrima da Teologia".

 

Naquele dia aprendi muita coisa que compunha a lágrima, mas não sabia que além de tudo isto ela ainda tinha algo mais em sua composição, a Teologia.

 

O presbítero me perdoe também porque eu não sei exatamente o que ele falou naquela manhã, depois da introdução. Gravei as duas introduções porque tinham conotações realmente interessantes, mas o teor de ambas as mensagens, eu perdi.


Só sei de uma coisa: naquela noite a Teologia sofreu um dos mais duros libelos que já se ouviram na face da terra.

 


Autor: Paulo de Aragão Lins


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