O CIRCO



O CIRCO

De Romano Dazzi

 

Sou, finalmente, o feliz dono de um circo.

Você não imagina quantas vezes sonhei com este momento, quanto imaginei vestir a larga casaca verde, cheia de botões dourados, grossos galões de general,  uma ampla calça branca, à caçadora , apertada logo abaixo do joelho, como as  dos oficiais de Sua Majestade a Rainha Vitória e botas reluzentes, de cano alto, com esporas cromadas.

Um longo chicote na mão, em despudorada concorrência com o domador, um quepe imponente (às vezes do tipo explorador, outras  imitando um soldado de Napoleão),  luvas brancas, um bigode longo e retorcido, à la Dali, mas muito, muito mais incrementado do que aquelas mirradas anteninhas do artista.  

O burburinho da platéia, enquanto aguarda o início do espetáculo, é quebrado pela minha voz possante e avassaladora: - Respeitável público! 

Faz-se um silêncio absoluto, que reflete respeito, curiosidade   E eu repito:

- Respeitável público!  

O Circo Romanov escolheu esta magnífica cidade para apresentar orgulhosamente um dos maiores espetáculos da Terra!  

Coragem, agilidade, bravura e equilíbrio,  passarão diante de seus olhos!

O Circo Romanov agradece a presença de todos!

O público, mesmo sem ter visto nada, prorrompe em um aplauso estrondoso, que eu prontamente interrompo, com um gesto largo, criando o indispensável anticlímax.

- Inicialmente veremos o grande Romanov primeiro, domador de feras reais e imaginárias,  lutando ao mesmo tempo e inutilmente contra fornecedores, clientes, empregados e fiscais.  Observem quantas feridas, quantas cicatrizes!

Mais aplausos.

- Veremos depois o equilibrista  Romanov segundo, que atravessa a arena  numa corda bamba, a dez metros de altura, tentando manter no ar cheques sem fundos, papagaios vencidos e avisos de cartório,  num exercício de incrível habilidade!

E mais aplausos.

- Em seguida, apresentaremos o malabarista Romanov terceiro, comedor de fogo e engolidor de espadas, que com rápidos jogos de mão faz  desaparecer contas a pagar, faturas e extratos negativos, que, infelizmente, teimam em reaparecer!

Poucos aplausos.

- Lamentamos  não poder hoje apresentar o grande bailarino Romanov quarto, que na semana passada, executando uma pirueta para driblar o fisco, quebrou uma perna . Palmas para ele!

Outros aplausos, magros.

- E por fim, veremos o engraçadíssimo palhaço Romanov quinto, capaz de fazer rir platéias inteiras com o seu vai-e-vem desajeitado à procura da sobrevivência, suas caretas ao enfrentar o chefe, sua absoluta incapacidade de ser levado a sério! Se virem brilhar uma lágrima no rosto dele, enquanto atua, não liguem.... É um defeito próprio de todo bom palhaço!

Muitos , muitos aplausos.

A bandinha do circo retoma uma marchinha conhecida, as crianças riem, os adultos sorriem, os velhos meneiam a cabeça., mas todo o mundo aplaude, enquanto engasga com a pipoca....

Quantas caras a gente precisa ter, para sobreviver honestamente!

Mas é este aplauso  que a gente quer. Como é bom ser o dono do circo!


Autor: Romano Dazzi


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