SAMAMBAIA DA SERRA



SAMAMBAIA

De Romano Dazzi

 

Samambaia da Serra é uma cidadezinha sem pretensões, plantada num vale agradável, longe de tudo e de todos.

As casas assemelham-se umas às outras e dão a impressão de terem sido construídas por alguma comunidade de dissidentes religiosos, em busca de independência e isolamento; ou então, por uma daquelas companhias inglesas, que andaram pelo Brasil no século 19, construindo ferrovias e usinas elétricas..

Terá uns dez mil habitantes  e parece que todos se conhecem.

Uma serraria e uma primitiva fábrica de papel usam a correnteza do riacho, que alimenta também um precário gerador de energia.

Elas constituem a fonte de  trabalho de quase todos na comunidade.

Pouco comércio, cercas baixas e jardins bem cuidados de frente para as ruas, hortas atrás das casas, uma atmosfera pacífica e uma agradável sensação de que o mundo parou - e que, portanto, não precisa mais correr atrás dele.

Assim cheguei eu aqui, resfolegando, porque vinha correndo, procurando alcançá-lo nos últimos  anos e ele sempre conseguia fugir de mim, deixando-me de mãos vazias.

Meu trabalho encaixou-me na serraria, e para mim tudo mudou.

Nas pequenas comunidades, onde todos se conhecem, as pessoas são melhores.

Oh, não! Perdão, perdão

Esta  é uma tremenda inverdade e peço desculpas.

Aqui todos são um pouco bons, um pouco maus, porque a vida não é como o cinema de faroeste; cada um é o que é, um pouco mocinho, um pouco bandido.  

É nas grandes cidades, nas aglomerações de milhões de pessoas, que todos são piores; cada um vive por si, procura arrancar o que puder dos outros, desconfia de todos, se fecha em si mesmo e pára de viver. Só vegeta e não espera mais nada.

Mas em Samambaia da Serra as pessoas vivem.

Senti logo ao chegar, que me daria bem.

O trabalho é agradável e me dá todos os dias a sensação de um passinho andado, de um degrau vencido, de uma etapa superada.

A tarde, sem pressa, dois dedos de prosa antes do jantar, observando os trejeitos dos jogadores de dominó, na praça.

 

O jornalzinho traz apenas alguns ecos  distantes do mundo lá fora.

As noticias do que acontece lá,  não têm valor algum aqui.

Adquirimos a noção clara de que, mesmo querendo, não teríamos como intervir, para mudar algo.  E aí,  tudo parte de uma perspectiva diferente. 

Enquanto os poderosos se dividem o mundo como tigres selvagens sobre a  carcaça da presa, nós tomamos uma cerveja e fumamos o nosso cachimbo...

Será que custa tanto entender que esta é vida e aquela não é?

Um minuto usado para pensar, espairecer, apreciar a sombra das árvores, é mais valioso que uma vida inteira usada para juntar “coisas”.

 

Quaisquer que elas sejam, qualquer que seja seu valor,  não vou poder levá-las; será melhor que, ao partir, possa contar com uma grande bagagem de sabedoria, e de paz,  que pesam menos, e que me permitirão, ao  apresentar-me ao Criador, argumentar, para justificar os meus erros.

 

Samambaia da Serra me devolve, aos poucos, o equilíbrio e a clareza, que me faziam falta há tanto tempo.

 

Foi o José Junior, outro morador da Metrópole, amigo meu, falecido há pouco tempo, que veio me visitar em sonho  quando eu ainda estava na Cidade grande.

 

Contou-me que é o próprio Deus que entrevista as pessoas quando chegam lá em cima; deve ser verdade, porque Ele tudo sabe e tudo pode; e como Ele criou o tempo, tempo para Ele não é problema; está sempre adiantado....

Deus, segundo o José,  é mesmo aquele velho barbudo e sério das pinturas – sinal que os artistas estão mais perto dEle do que nós...

José contou-me que  Deus perguntou:

- O que você andou fazendo na terra, meu filho?

- Ah, Senhor, eu sou – ou melhor, eu fui – contador; e digo com muito orgulho,  um bom contador; eu conheço leis e impostos e sei até como dar um “jeitinho”  nas contas com o governo; só que fiquei bravo, de uns tempos para cá,  com os computadores: eles nos tiram toda a chance de bagunçar um pouco os números; sempre trabalhei de dez a  doze horas por dia, sem levantar a cabeça, porque a vida anda – digo, andava – muito difícil.

Deus escutou pacientemente, e depois perguntou:

- O que você acha,  José, da diferença de tom entre o verde da folha de parreira e a de cerejeira?

- Não faço a mínima idéia, Senhor, nem sabia que tinham folhas! Uva e cereja sempre vi só em caixas e em pacotinhos, no Natal....

- Ah! E  qual é, em sua opinião,  o pôr de sol mais bonito: o da beira do mar ou o do alto da montanha?

- Não sei, Senhor; nunca olhei além dos livros e do computador!

- Bah! E quantas vezes você se  encantou com o cobertor de estrelas, que estendo toda noite sobre a sua cabeça, ou com os desenhos caprichosos das nuvens, que meus anjos pintam no céu?..

- Chega, chega, Senhor; o Senhor ganhou; nunca cheguei a ver nada disso...Me desculpe, entendo que errei; mas sempre fui um bom homem, trabalhador, honesto (salvo por essas escorregadelas dos impostos); nunca  traí minha mulher, e nas poucas folgas que tinha, tentei criar os meus filhos no temor a Deus e na crença do além.

Deus sacudiu levemente a cabeça, e pareceu um pouco triste.

Mas mandou abrir a porta. E disse:

- Agora, José, vá visitar aquele seu amigo, que se arrebenta para ganhar mais, sem olhar em volta, sem ver que a vida dele está  passando. Explique-lhe que Eu coloquei tudo o que há no Universo, para que os Homens entendam o meu poder; mas também para que apreciem a minha bondade e o amor que tenho por eles. Diga-lhe que pare de se debater e olhe em volta. Eu estou com ele. Não precisa de mais nada.     

 

Bem, no dia seguinte, - terá sido por acaso? -  mandaram-me para consertar uma máquina em Samambaia da Serra.

 

Imagine se vou voltar!!! Vou ficar aqui, onde,  finalmente,  comecei a viver!...

 

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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