Tio Jorge



Tio Jorge

De Romano Dazzi

 

Eram oito e meia, eu tinha acabado de jantar e estava esperando o café, quando o telefone tocou.

Era o Tio Jorge.

- Você está muito ocupado?

- Não, tio; estou livre e sossegado; o que há?

- É uma emergência; estou precisando de você, aqui e agora.

- Mas agora, tio, já? O que foi? Incêndio?

- Pior!

- Desabamento?

- Pior!

- Inundação?

- Pior, pior!

- Algum problema de saúde, tio?

- Pior, estou dizendo, pior!  – exclamou – ou gritou - todo nervoso.

Imaginei o que mais poderia ter causado um trauma tão grande:

um assalto, com reféns e pedido de resgate;

uma operação de polícia, com balas perdidas e vítimas achadas;

uma invasão de hackers na conta bancária;

ou algo mais surrealista,  tipo um ataque de surpresa de ratazanas,

ou uma invasão de pássaros famintos, estilo Hitchcock;

tubarões, talvez? não, decididamente não; estamos a cem quilômetros do mar, a oitocentos metros de altitude, e os nossos rios continuam tão poluídos que até os mosquitos já mudaram de casa.

Faltaram-me idéias, e o tio Jorge continuou a fazer mistério.

- Então, você vem, ou não?

- Vou, sim; já vou. Espere aí que chego num instante!

Peguei o carro e saí aflito, cantando pneus, pra a casa do tio Jorge.

Chegando, dei uma rápida olhada na casa, por fora. Tudo normal.

Entrei, nada de estranho. Mas o tio Jorge estava visivelmente aflito e nervoso.

- Cachorros! - gritou zangado – cachorros!

Só então caiu a ficha: cachorros!

Ao redor da casa do tio Jorge, todos os vizinhos têm cachorro; alguns, exagerados, têm dois ou três; vivem, latem e se multiplicam – não os vizinhos, os cachorros – às dezenas, às matilhas, de todos os feitios e tamanhos, inquietos, barulhentos, às vezes agressivos e ameaçadores.

Tio Jorge desabafava: - São latidos, lamentos, ganidos, lamúrias,  ladrados, a toda hora, sem  receio, sem controle, em todos os tons e a todo volume. São uma praga; uma praga!!!

-Eu sinto muito, tio Jorge – respondi – mas esta praga não tem remédio.

- Não, senhor, isso não fica assim – insistia o tio – vou falar com o Prefeito, com os Vereadores, com quem quer que seja. Vou pedir – não, vou exigir, que criem uma taxa sobre  cachorros; comprou um,  paga alimentos e remédios para uma criança pobre..

Se tratam, alimentam e vacinam cachorros, por que não fazer isso com as crianças? Esta lei reduzirá à metade os cachorros que infernizam a minha vida .

Aprovado, tio Jorge , aprovado – encerrei eu – mas por enquanto, tome estes tapa ouvidos, que se usam no inverno na Europa.

Você vai ficar protegido, não vai mais escutar os latidos dos vizinhos – oops, perdão – dos cachorros....

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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