Machado Nosso De Cada Dia



Indiscutivelmente, somos feitos e construídos de pequenos detalhes do dia-a-dia.  Não somos quem fomos há vinte anos; não somos quem fomos há dez anos; não somos quem fomos há cinco anos; não somos quem fomos ontem.  Uma tentativa de mostrar as marcas que a vida nos deixa está em reler um mesmo livro em diferentes momentos de nossas vidas: esse mesmo livro nunca é “igual”, vai sempre parecer diferente apesar das letras, palavras, frases e orações estarem lá exatamente como da primeira vez. E, pensando cá entre nós, ainda bem que isso acontece.

Lembro-me de como foi sofrível a primeira leitura que fiz de Machado de Assis em Dom Casmurro na minha meninice. Estava eu, então, com apenas treze anos. Não conseguia compreender como um homem podia duvidar tanto de uma mulher e continuar ao seu lado.  Na verdade, eu desconhecia o que era o amor e achava a relação de Bentinho / Capitu e, mais tarde, Dom Casmurro / Capitu sem nexo.  Pensava comigo: “Machado de Assis não pode ser só isso!” Realmente ele não era...  Machado sempre foi tudo.  Já na universidade, em uma releitura do mesmo livro, comecei a perceber coisas que não havia visto na primeira vez.  A imaturidade, a falta de percepção e de  conhecimento de mundo atrapalharam o entendimento da obra do Bruxo do Cosme Velho.   E, surpreendentemente, até hoje ao ler Dom Casmurro ainda me deparo com ricas sutilezas que não foram percebidas por mim antes.  O crítico Octávio Mangabeira pontuou que a obra de Machado de Assis parece, ao seguir a sua ordem cronológica, ser construída juntamente com o próprio autor.  Há nesse fato uma alusão aos romances de características românticas inerentes ao começo de seu processo criativo e aos romances de características realistas que fazem parte de sua fase mais madura. Admiro-me em pensar que assim como eu, o mestre Machado de Assis, como gente palpável de carne e osso, também foi passível de mudanças interiores que possibilitaram novas percepções de mundo.  Isto é maravilhoso.

De tudo só me resta a certeza de que enquanto há vida, há mudanças.  Hoje amo e sei compreender Bentinho / Casmurro verdadeiramente. Continuarei vivenciando emoções e mal posso esperar para reler esse mesmo livro no auge dos meus setenta anos.

Autor: Patricia Maria Santana


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