VALEM O HOJE E O AGORA



 

196 – VALEM O HOJE E O AGORA

De Romano Dazzi

 

 -  Vem ver o sol nascendo, Silvio! Que lindo !

- Já vou, Natália, já vou. Estou acabando de fazer a barba. Num minuto estou aí...tenha paciência!

Eram seis horas da manhã; tínhamos levantado às cinco, para poder tomar o vôo das oito, para o Rio.

Nosso horário l não é este. Levantamos normalmente às sete e meia, e às nove em ponto abrimos a loja, no centro de São Paulo.

Claro que, às sete e meia, o sol já anda alto no céu. Mas às seis ele está apenas surgindo no leste, e tem pressa...

Cinco minutos depois, eu cheguei ao terraço, onde Natália estivera esperando por mim, ainda embevecida.

- Cadê? Onde está este espetáculo, esta magnificência?

- Esteve ai, durante cinco minutos, mas mandou dizer que não podia esperar e se foi.   

- Ah, Natália, desculpe. Estava acabando de me barbear, não dava...

- Não dava para sair, com a barba feita só pela metade?

- Não, não dava mesmo. Eu estava com o rosto cheio de sabão, despenteado, de pijama e chinelos...

- Tenho certeza que o sol não repararia nesses pormenores...

- Concordo, mas sabe, me sinto mal,  quando estou desalinhado, em desordem...

- Bem, azar o seu, Silvio. Eu bem que pedi para o sol dar uma paradinha, mas não

   teve jeito.  Ele  foi mesmo. Olha: ele está bem mais alto agora,   

- Sim, e não tem mais graça  nenhuma...

- Bem ainda é, e sempre será, uma coisa bonita, um espetáculo, em qualquer hora do

  dia. Mas aqueles  momentos especiais, quando ele chega e quando  se vai, são

  mágicos, insubstituíveis.... Este é o momento, esta e a hora; e você a perdeu...

- Entendi, entendi, Natalia.  Lição aprendida. Da próxima vez não deixo passar...

 

Mas dois dias depois,...

- Alô, bom dia,...quero falar com o Silvio...diga-lhe que é a Tia Carmela e que o assunto é urgente. Obrigada.

Passaram-se alguns minutos e:

- Alo, Senhora, o Dr Silvio pediu para desculpá-lo e para ter paciência; ele está no meio de uma entrevista muito importante, mas chamará logo que for possível...

- Em quanto tempo?

- Acho que dentro de meia hora...

Ao meio dia, antes de sair para o almoço, o Sílvio olhou a agenda.

Trazia o recadinho da Tia Carmela,e a hora do telefonema: 9:20 .

Eram 12:30. Silvio chamou a Tia, mas ela não respondeu.

Foi procurá-la no apartamento. Fechado.

Procurou o Zelador.

- Os para-médicos a levaram ao Samaritano, Dr Silvio...

- A que horas?

- Agora há pouquinho...Deviam ser umas onze horas...

Quando chegou ao Samaritano, meia hora depois,  a tia Carmela  estava na UTI, cheia de sondas, tubos, aparelhos. Um AVC ; grave.

Estava inconsciente.

Ela se foi, dois dias depois; e o Silvio não pôde se despedir dela.

Aquele era o momento, aquela era a hora. E novamente a perdera.

 

Comentando alguns dias depois o acontecido, Natália,  que sempre sabia agir com bom senso e sabedoria, foi incisiva:

 

-  Você não salvaria a tia Carmela, porque ninguém tem o poder de segurar a morte, nem por um segundo, mas poderia se despedir dela como devia, como seria justo.

Quando imaginamos estar atrasando o curso do tempo, é porque ele está brincando conosco. Tudo acontece na hora em que tem que acontecer. Por isso não podemos deixar passar as ocasiões, quando se apresentam.

- Mas você quer que a gente corra o tempo todo, que use todas as  oportunidades, que aproveite todos os sinais, para não perder nada? Não é cansativo demais?

- Não, bobinho. Não seria possível; mas eles aparecem, mostrando caminhos, indicando alternativas.  Lembra-se daquele dia em que tudo ia mal, nada dava certo?

- Foi o dia em que nos conhecemos.... Você não quer dizer que esta também era uma coisa que ia dar errado...

- Não, não. Mas eu atravessei o seu caminho; você quase me atropelou; pois eu tinha saído da escola de artes, estava  correndo atrás de uma folha solta que   tinha caído de um caderno. Não era essencial, mas não queria perdê-la.

- E aí apareci eu. E se meu carro não tivesse freios bons...

- Alguma outra coisa iria acontecer, de qualquer jeito...

- Você ficou assustada, parada, bem na frente do carro...

- E você não esperou um segundo; não fez a barba, nem trocou de roupa.

- Sim, desci na mesma hora e a levei até a calçada.

- E nos apresentamos e...uma coisa puxa a outra, acabamos...

- Tomando juntos um refrigerante  e trocando endereços...

-  Estávamos ambos aproveitando a oportunidade,.usando um momento único..  

- Mas você  perdeu aquela folha....

- Sim, mas ganhei Você!!!  Uma troca justa   

- E você se lembra do que havia de tão importante naquela folha?

- Sim. Era um retrato, um esboço apenas, do que seria, na minha imaginação, o meu

  futuro marido...

- Parecido comigo?

- Ah, isso não vou contar.....é segredo!.

 

 


Autor: Romano Dazzi


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