VENDE-SE CASA



 

Vende-se casa

de Romano Dazzi

 

É o anuncio mais comum, em qualquer jornal.

Casas,  vendem-se: às centenas, aos milhares, todos os dias.

Vendem aqui, compram lá; saem desta, ocupam aquela; largam uma, pegam outra. Nunca estão contentes, nunca param para pensar.

E têm razão:  a família aumentou, agora tem empregada, dois filhos, a sogra dá uma escapadinha para ver se tudo vai bem e acaba passando a noite em casa. E a garagem? O carro fica na rua e pode sumir..... Precisamos de uma lavanderia, para colocar  as cestas de roupa suja que hoje  atravancam a cozinha.

Daqui a uns dez anos, quinze no máximo, as crianças foram embora – seus quartos estão escuros e silenciosos, a sogra sofre de reumatismo e não consegue se arrastar até aqui. Também, pudera... não tem mais netos para cuidar!...

Assim , vende-se a casa. Compramos um apartamento, que é mais seguro, tem menos poeira, ninguém entre na sala com os sapatos sujos de terra.

Tratamos de levar uma vida silenciosa, monástica; hora certa para bater pregos, volume certo para a TV.

Banimos pianos, saxofones, baterias; melhor escutar música com fones de ouvidos, para não incomodar ninguém; para não conviver com ninguém. Para ficar cada dia mais isolado, mais fechado,mais triste e encolhido.

Salvo às sextas feiras, quando se liberam os demônios na balada e se explode e se grita a plenos pulmões, porque ninguém escuta mesmo.....

Se o vizinho faz barulho, bate-se na parede e se isso não servir, chama-se  o síndico. É guerra na certa, mas ninguém passa por cima de mim...

Casa vende-se, casa compra-se, casa troca-se.

O que não há no mercado, e ninguém percebeu, são lares.

Casa é fácil de fazer: Uns milheiros de tijolos, cal., cimento, areia, madeiras; depois, pisos, forros, cerâmicas. Portas e janelas, vidros e metais, sanitários e fios. Uma casa está pronta em um mês.

Mas um  lar, um lar demora anos. – e nunca está pronto, perfeito, acabado. Está sempre em construção, reformando,  consolidando-se.

Numa casa pode morar meu corpo. Mas é preciso um lar, para que a minha alma possa morar confortavelmente  nele.

Um lar começa com um sonho: duas pessoas que se querem, que se amam, que se procuram.

Não é apenas desejo, fogo, paixão. Esta é apenas uma parte pequena, apesar de indispensável.

É preciso encontrar uma casa, uma casinha, um lugar reservado, só para a gente e mais ninguém.

Nada de sogra, de empregada; nem de filhos, no momento. 

Há muito  que dizer, todos os dias, muito  que contar e recontar e comentar  e ajustar.

Estamos lendo juntos o livro da vida, com todos os seus segredos e seus mistérios.

Fala-se de comidas, na cozinha; de parentes, na sala; e de amor, no quarto.  Nada de banheiro comum. Apesar de uma profunda convivência, cada um tem a sua intimidade e  deve exigir o direito de conservá-la.

Esses são os tijolos de verdade. Um por um, pedra por pedra, tábua por tábua, até que seja colocada a última  tachinha, e aplicada a última mão de tinta. 

E ainda faltará montar as cortinas, prender os quadros, passar o fio do abat-jour; e depois, os livros, as roupas.....

Quando tiverem completado este estagio e conseguida a aprovação, poderão sentir como é diferente a atmosfera de um lar.

E estarão prontos  para receber seus filhos.

Quando estes chegarem, cabe a ela balancear presença e ausências, combinar a vontade de trabalhar fora, afirmando-se como profissional – com o desejo de transmitir  carinho e companhia,  noções e sentimentos às suas crias.

Sentir, dia a dia, o crescimento da criança, a sua evolução, o florescer de sua vida em todos os aspectos, muda a alma da mulher e transforma-a profundamente.

Perder esta ocasião especial equivale a renunciar ao maior presente que a vida nos dá.  Porque quando tiverem passado alguns aninhos, você custará a reconhecer a  criança que deixou em  casa.  Tantas influências externas a terão mudado para sempre. E será difícil cobrir o fosso que se formou.

Só a convivência diária - permanente, paciente, contínua -  fixa raízes,  forma fundações, estabelece  uma ligações  sólidas e duráveis.

E isto serve também para marido e mulher.

Por isso, não procurem uma casa.

Procurem um lar.

E, como não existem lares prontos, cabe a vocês, como a qualquer par de  passarinhos, procurar gravetos e fios de grama, arrasta-los com esforço e determinação, amontoa-los em ordem, de maneira que se transformem em um ninho; em seu ninho.

Ama-se mais no silêncio,  e não há lugar mais acalentador e mais seguro  no mundo, do que os braços da pessoa amada.


Autor: Romano Dazzi


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