Motivos para a volta do capital estrangeiro



O apetite de investidores por aplicações de risco está de volta após oito meses da explosão da crise financeira global.

Nas 11 últimas semanas, os fundos de ações de países emergentes atraíram US$ 21 bilhões de investidores. Já os mercados de países avançados (Japão, Europa e EUA) perderam US$ 14,1 bilhões.

Brasil, China, Índia e Taiwan têm sido os principais destinos dessa onda de investimentos. O forte fluxo de dólares para as Bolsas nesses países explica em grande parte a recente valorização de suas moedas.

Na semana passada, as dez moedas mais negociadas na Ásia fecharam em seu maior patamar em quatro meses. Só a rupia indiana se valorizou em 4,9% na semana passada, o maior salto desde março de 1996. No Brasil, o dólar acumula queda de 7,1% diante do real neste mês.

Preferência para o Brasil
Mesmo em relação aos países do Bric (sigla para Brasil, Rússia, Índia e China), o mercado brasileiro é destaque. A China, tem um dos melhores crescimentos, mas um mercado de ações que não protege o acionista minoritário e sem governança. A Rússia,  apesar de barata, perde em atratividade por conta de problemas políticos e forte dependência dos preços do petróleo. Por último, a Índia, apesar do potencial, ainda sofre com a desconfiança do investidor, após o caso de fraude contábil de uma grande empresa de tecnologia.

No pano de fundo da preferência por Brasil, está uma economia sólida, com demanda doméstica aquecida, consumidores que assim que retomaram a confiança no emprego voltaram a gastar, bancos bem capitalizados e baixa dependência de mercados como o americano. Os gestores de fundos ainda estão atentos à reação positiva do mercado à redução pelo governo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre automóveis, linha branca e material de construção. O programa habitacional "Minha Casa Minha Vida", é outra iniciativa do governo que deve revolucionar o Brasil, como ocorreu no México, ao beneficiar a população de menor renda.

"O Brasil se destaca porque, se existe um sentimento de que o pior já passou, também há a impressão de que o pior passou longe do país", afirma a corretora britânica Icap. "A Bovespa alcançou o patamar máximo de 73 mil pontos em maio de 2008 por causa da percepção de que a economia brasileira havia mudado. E agora se chegou à conclusão de que as transformações sofridas de fato ajudaram o país a atravessar as turbulências com menos sobressaltos. As estratégias adotadas pelo governo e pelo Banco Central mostraram-se muito acertadas", segundo a corretora.

Recuperação do Bovespa
Outro ponto a ser considerado é que mesmo depois da forte recuperação da bolsa ao longo do ano - o Ibovespa já subiu 35,33% em 2009 -, não está descartada a possibilidade de novas valorizações.

A opinião é da gestora americana BlackRock, responsável pela gestão de mais de US$ 3 bilhões em ações de empresas brasileiras: "Há muito espaço para alta entre os atuais 50 mil e os 70 mil pontos alcançados um ano atrás". Para lembrar a maior pontuação no fechamento da bolsa, de 73.516, ocorreu em 20 de maio do ano passado.

A BlackRock destaca ainda outro movimento estrutural que pode vir a sustentar a alta da bolsa: a entrada do grande investidor local, comprador de longo prazo: "Com o país caminhando para o juro de um dígito, fundos de pensão serão forçados a ir para a bolsa, o que contribuirá para diminuir a volatilidade em momentos de baixa."

De olho nesses movimentos, os fundos da BlackRock dedicados à América Latina, com US$ 4,5 bilhões em patrimônio, têm forte concentração em Brasil, acima de 70%, assim como posições importantes em empresas voltadas para a economia doméstica, com destaque para setores como o próprio varejo, o financeiro, o imobiliário e o de construção civil. Petrobras e Vale também estão são apostas da gestora, pela alta liquidez e pelo potencial de ganho.

Caminho invertido
Vale lembrar que quando a crise internacional se complicou, os grandes investidores internacionais, em pânico, correram para tirar seu dinheiro de aplicações mundo afora para cobrir as perdas sofridas nos EUA e na Europa e comprar títulos do Tesouro americano, considerados como um porto seguro na crise. A Bovespa, que havia atingido seu pico em maio, caiu a 29,4 mil pontos em 27 de outubro.

Passado o nervosismo exacerbado, os investidores voltam a procurar opções mais rentáveis, e o Brasil se destaca, com um dos juros reais mais altos do mundo e moeda em alta.

"Os investidores do mundo todo estão visivelmente ansiosos para pôr seu dinheiro de novo para trabalhar", segundo a EPFR (Emerging Portfolio Fund Research), que apura diariamente os fluxos de capitais em dezenas de países.

Segundo a EPFR, neste ano os investidores retiraram um saldo líquido de US$ 78,2 bilhões de fundos de curto prazo (que são relativamente seguros e de baixo rendimento por aplicarem parte dos recursos em títulos do Tesouro nos países) para desviar o dinheiro em outras aplicações.

Há várias razões para essa mudança de rota dos investidores, que valoriza não só as ações de empresas de países emergentes, mas suas moedas e commodities.

A principal delas é a aposta de que os mercados emergentes vão se recuperar da crise bem à frente das economias mais avançadas, que ainda continuam lutando contra o tranco do colapso financeiro de 2008.

No primeiro trimestre, a zona do euro sofreu a maior retração em 13 anos. No Japão, a queda do PIB foi recorde, e nos EUA a expectativa é que a saída da recessão seja mais demorada do que se supunha.

Outra razão é a baixíssima remuneração que os títulos do Tesouro dos EUA estão oferecendo neste momento.

Há também uma fuga do dólar para outras moedas, especialmente após a agência S&P ter rebaixado de "neutra" para "negativa" a tendência dos títulos "AAA" da dívida pública do Reino Unido.

O temor é que o mesmo ocorra em relação aos EUA, onde a dívida pública deve saltar da atual relação de 44% sobre o PIB para 77% nos próximos quatro anos como resultado das medidas de estímulo econômico, segundo a S&P.
   
Números do Brasil
O fato é que os estrangeiros voltaram a investir no Brasil, tanto no mercado financeiro quanto no setor produtivo. Se o mês acabasse no dia 21 de maio, a entrada de recursos externos na Bolsa de São Paulo teria sido a segunda maior da história.

Foram R$ 4,221 bilhões em aplicações de estrangeiros até aquela data, o que levou a Bovespa ao maior nível desde setembro (51.840 pontos). Para analistas, os juros reais, ainda entre os maiores do mundo, e a resistência à crise explicam o interesse dos investidores.

Depois de um primeiro trimestre ainda marcado por incertezas, investidores estrangeiros retomaram suas aplicações no Brasil, com recursos direcionados tanto ao setor produtivo quanto ao mercado financeiro. Segundo dados do Banco Central, em alguns casos os números de abril para cá já se aproximam dos níveis observados antes do agravamento da crise, em setembro.

Os investimentos estrangeiros diretos, operações que envolvem tanto a compra de empresas brasileiras por multinacionais quanto a expansão da capacidade produtiva já instalada no país, somaram US$ 3,409 bilhões no mês passado, mais que o dobro de março.

Por outro lado, o saldo acumulado no ano até abril continua abaixo do visto no mesmo período de 2008. Entre janeiro e abril, o fluxo de investimentos diretos para o setor produtivo foi de US$ 8,751 bilhões, queda de 31% em relação aos primeiros quatro meses de 2008. Os dados de maio indicavam, até ontem, o ingresso líquido de US$ 2,5 bilhões.

Do lado das aplicações no mercado financeiro, a alta foi mais forte. No mês passado, os investimentos estrangeiros em ações na Bolsa foram de US$ 630 milhões, e neste mês, segundo dado parcial fechado ontem, já chegavam a US$ 2,365 bilhões. Caso não haja uma saída maior de recursos até o final da semana, o resultado de maio será o melhor já registrado pelo BC desde abril do ano passado.

Os números calculados pelo BC se referem a recursos que efetivamente entraram e saíram do país por causa de operações com ações, e diferem dos balanços feitos pela Bovespa porque, neste caso, a Bolsa considera só operações em que estrangeiros compraram ou venderam ações, sem, necessariamente, entrar ou sair do país.

Os números do mercado de renda fixa também parecem confirmar a volta dos investidores estrangeiros ao país. No segmento, as aplicações somaram só US$ 66 milhões em abril, mas chegam a US$ 811 milhões na parcial deste mês.

Para o WestLB, o aumento nos investimentos estrangeiros deve se manter pelos próximos meses, graças a uma confiança maior dos mercados no Brasil. Ele diz não acreditar que o nível da taxa de juros do país seja um fator muito determinante no maior ingresso de dólares. "Se fosse só por causa dos juros, haveria uma migração forte para a renda fixa, e o mercado acionário estaria afundando. Não é o que está acontecendo", afirma o Banco.

Para a consultoria Tendências, os investimentos diretos no Brasil devem se manter até o fim do ano, mas não no mesmo nível de abril. Segundo a empresa, os US$ 3,4 bilhões em investimentos estrangeiros para o setor produtivo foram uma surpresa para o mercado e o BC: "A tendência é que os investimentos diretos girem em torno de US$ 2 bilhões a US$ 2,5 bilhões por mês. É um valor robusto, mas menor que no ano passado. Isso porque as empresas que começaram projetos de longo prazo não podem parar no meio. Mas será difícil aparecerem projetos novos".
 
Governo até já estuda medidas para diminuir a entrada de dólares
Em função do aumento do fluxo de capital estrangeiro o governo está discutindo retomar a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nos investimentos estrangeiros em renda fixa, que são dirigidos sobretudo à compra de títulos públicos. O mais provável é que seja restabelecida uma alíquota de 1,5%, o que, num contexto de queda de taxas de juros, significa que a taxação irá abocanhar proporcionalmente uma parcela maior dos juros recebidos pelos investidores estrangeiros.

Em 27 de maio o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, havia afirmado em depoimento no Congresso que a taxação com o IOF poderia ser, hipoteticamente, uma das saídas para lidar com o crescente fluxo de capitais estrangeiros ao país, um dos fatores que levam á apreciação do real. Na realidade, essa é uma medida que, do ponto de vista concreto, já está sendo discutida dentro do governo.

Uma fonte reconhece que, na prática, a taxação não deverá mudar a tendência da taxa de câmbio, já que os investimentos em títulos públicos respondem por apenas uma pequena parcela dos fortes fluxos de dólares ocorridos nas últimas semanas. Os dados oficiais do BC mostram que em maio, até o dia 22, entraram US$ 811 milhões em investimento em renda fixa. Mas, de qualquer forma, o IOF é visto como uma medida preventiva, já antecipando a provável retomada nesses fluxos, que no início de 2008 oscilaram entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões ao mês.

Muito à frente dos títulos públicos, porém, o que explica o clima de abundância no mercado de dólares são os ingressos de investimentos diretos. Os maiores leilões de compra de dólares do BC ocorreram justamente nos dias que entraram volumes maciços desses capitais.

Segundo informações colhidas pelo governo, grandes empresas estão recorrendo a capitais estrangeiros, que entram sob a forma de investimentos diretos, para quitar dívidas contraídas com bancos. Nos piores momentos da crise, logo após setembro, as empresas ficaram sem acesso aos mercados internacionais e passaram a tocar seus projetos de investimentos com recursos captados juntos aos bancos. Agora, com a melhora nos mercados internacionais, estão substituindo funding interno por externo.

O segundo fluxo mais importante de divisas são as aplicações em Bolsas, que tiveram uma forte recuperação. Em maio, até o dia 22, já ingressaram US$ 2,349 bilhões, volume que representa quase três vezes os fluxos de aplicação em renda fixa. Os ingressos de investimentos em Bolsas são bem vistos dentro do governo, salvo pelos riscos de acontecer algum exagero, porque são o início da recuperação do mercado de capitais, que poderá ser acessado pelas empresas para levantar dinheiro para seus projetos.

O terceiro fluxo mais importante são as captações feitas pelas grandes empresas, como a Odebrecht, Telemar e JBS-Friboi. É um tipo de capital bem-vindo, na visão de fontes do governo, porque as empresas estão aplicando recursos para ampliar as suas atividades dentro do Brasil.

A retomada desses fluxos, porém, tem levado a um aumento de disponibilidade de moeda estrangeira dentro do país. A orientação dentro do governo é que o BC compre todo o excesso de moeda para reforçar suas reservas internacionais. O entendimento é que, com a queda da taxa básica de juros, amplia ainda mais o espaço, que já era grande, para reforçar as reservas. Embora o objetivo principal seja reforçar as reservas, é verdade, reconhecem fontes do governo, que a atuação evita movimentos mais exagerados na cotação da moeda americana. Mas isso não quer dizer que haja um piso para a cotação do dólar. "O significado de a cotação do dólar cair abaixo de R$ 2,00 é zero", afirma uma fonte do governo. A atuação feita agora obedeceria ao mesmo princípio da venda de moeda estrangeira feita pelo BC após setembro de 2008. Na ocasião, evitou-se que a situação de absoluta falta de liquidez levasse a um "overshooting" do dólar. Mas não houve teto para o dólar.
 
Bibliografia
Jornal Folha de S. Paulo de 26 de maio de 2009
Jornal Folha de S. Paulo de 76 de maio de 2009
Jornal Valor Econômico de 26 de maio de 2009
Jornal Valor Econômico de 29 de maio de 2009
Jornal O Estado de S. Paulo de 29 de maio de 2009

Autor: Alexsandro Rebello Bonatto


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