Abolitio Criminis e Eficácia Extra-penal Civil da Sentença Penal Condenatória



A conduta criminosa pode repercutir em diversos setores do Direito já que, sendo o Direito Penal de natureza fragmentária e considerado a ultima ratio, é de se concluir que a ação/omissão deletéria violem também normas de outros campos do Direito. Assim, o funcionário público que pratica, por exemplo, crime de prevaricação ( art. 319 CP ), não age contra uma norma de natureza penal apenas, mas sim contra outras de natureza diversa. Desta forma, àquele poderia se imputar ato de improbidade administrativa ( art. 11, II da Lei 8429/ 92 ), bem como obrigação de reparar eventuais danos causados pela sua ação/omissão ( art. 186 c/c art.927 CC), que aliás poderiam ser exigidos da própria administração ( art. 37 § 6 CF). Desta forma, uma primeira conclusão a que chegamos é a seguinte : uma conduta descrita como criminosa pode repercutir em outros setores do Direito, que não só o do Direito Penal.

Fixada essa primeira conclusão, vamos nos ater a outro fato, para depois chegarmos à nossa segunda conclusão. O fato é que, é comum no sistema jurídico brasileiro, a produção excessiva de leis, mormente as de natureza penal. Assim, é verificável que muitas vezes uma lei nova ( novatio legis ) possa beneficiar, prejudicar ou até desconsiderar uma conduta que era prevista em lei anterior. Como exemplos do que trazemos aqui, podemos citar os seguintes : quanto à primeira, temos a nova Lei de Drogas, que alterou para melhor a situação daqueles que portam drogas para consumo pessoal ( Cf. art. 16 Lei 6368/76 e art. 28 Lei 11.343/06 ) ; quanto à segunda temos a redação do artigo 2 § 2 da Lei 8072/90 ( Crimes Hediondos ), que aumentou os prazos para progressão de regime, e por fim, quanto à última, podemos citar o típico caso do adultério, que foi revogado pela Lei 11.106/05 . Destarte, abstraindo-se dos primeiros dois exemplos e nos atendo mais ao último, o que notamos ? Notamos uma lei penal nova que deixa de considerar como criminosa uma conduta que antes era assim tratada. Assim , não há mais crime de adultério em razão de uma lei nova ter abolido essa conduta do rol das que são tidas por criminosas. A esse fenômeno dá-se o nome de abolitio criminis, que vem regulada tanto na Constituição Federal, de forma mais ampla ( art. 5, XL ), como no Código Penal de forma mais específica ( art.2 ), conforme transcrição abaixo :

" A Lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu " ( grifo nosso )

" Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considera crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória" ( grifo nosso )

Em razão do exposto, chegamos à nossa segunda conclusão : em se tratando de lei penal mais benéfica ela retroage, sendo o mais claro exemplo disso a lei posterior que deixa de considerar uma conduta como criminosa, fazendo com que cessem os efeitos penais e a execução da sentença penal condenatória.

Assim, já vimos que uma conduta considerada como crime pode repercutir em outros setores do Direito que não o do Direito Penal, bem como que uma lei nova que desconsidere uma conduta como crime vai retroagir atingindo o plano da eficácial da sentença penal condenatória, cessando os efeitos penais dela decorrentes. Mas qual a relação entre essas duas conclusões ? Antes de responder, precisamos ver um outro tema para chegarmos a uma terceira conclusão.

O próximo tema, junto com outros que aqui não serão citados, irá fundamentar a primeira conclusão a que chegamos. Estamos falando dos efeitos da sentença penal condenatória. Isso porque, ao contrário do que muitos pensam, a sentença penal condenatória não tem efeitos apenas penais, mas sim acaba por repercutir em outros setores, razão porque, como dissemos, fundamenta nossa primeira conclusão.

Conforme a doutrina nos ensina, a sentença penal condenatória possui efeitos penais ( aplicação da sanção penal ) e extrapenais ( genéricos e específicos ), sendo, quanto a estes últimos e observando o tema do presente artigo, mister trazer a redação dos art. 91, I CP que estabelece a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime como efeito obrigatório e automático da sentença penal condenatória, conforme redação que fixamos abaixo :

" art. 91. São efeitos da condenação:

I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime" ( grifo nosso)

Desta forma, claro está que a sentença penal condenatória transitada em julgado possui o efeito de obrigar o condenado a indenizar o ofendido pelos danos que causou. Isso, porém, não significa que o ofendido tem que esperar uma decisão penal transitar em julgado para poder ver sua pretensão indenizatória ser atendida. Não. A vantagem trazida pelo art. 91, I CP c/c art. 63 CPP é a de que não mais se discutirá questões sobre faticidade e/ou autoria no âmbito civil quando estas questões estiverem cobertas pelo manto da coisa julgada material no processo penal. Assim, o ofendido pode optar desde logo por propor uma ação de indenização com fundamento nos artigos 186 c/c 927 CC c/c art. 64 CPP ou esperar pelo trânsito em julgado da sentença penal condenatória a fim de que esta tenha natureza de título judicial a ser executado no juízo civil a teor do disposto nos arts. 63 CPP c/c art. 475-N, II CPC. Tendo em vista o que foi dito, chegamos a nossa terceira conclusão : além de efeitos penais, a sentença penal condenatória possui outros efeitos de natureza extrapenal, dentre os quais o da obrigatoriedade de indenizar o dano causado.

Após a terceira conclusão, já estamos aptos a responder à pergunta que formulamos e que de novo repetimos : qual a relação entre a abolitio criminis e a repercussão da conduta criminosa em outros setores do Direito ? A resposta deve ser vista levando em conta as três conclusões a que chegamos nesse estudo e a pergunta necessária que delas deve decorrer, quais sejam : um fato criminoso pode repercutir não só na área penal, a lei posterior que desconsidera uma conduta como sendo criminosa opera efeitos ex tunc no plano da eficácia penal da sentença condenatória e, por fim, dentre os efeitos extrapenais da sentença condenatória está a obrigação de reparar o dano. A pergunta necessária que se segue é: em ocorrendo abolitio criminis, haverá também abolição da obrigação de indenizar ? A resposta só pode ser negativa. Isso porque, se olharmos com atenção para as três conclusões tiradas nesse artigo, veremos que um fato criminal pode e repercute em outras áreas, podendo esta mesma qualificação de criminal desaparecer em razão de lei nova que desconsidere o caráter criminoso da conduta, operando este fenômeno apenas no plano dos efeitos penais principais. Desta forma, o que a abolitio criminis faz é apenas retirar o rótulo de crime de determinada conduta, mas não apaga o fato nem do mundo natural nem do jurídico! Assim, imaginemos o seguinte caso : uma pessoa é injuriada por outra, razão porque há processo e conseqüente condenação do querelado. Após a condenação, entra em vigor uma Lei dizendo não mais ser crime a conduta descrita no art. 140 CP. Qual a conseqüência disso ? Ora, a novatio apenas retira o rótulo de crime de certa conduta, e com isso os efeitos penais da sentença cessam ( art. 2 CP ), não se podendo falar que o fato desapareceu! Destarte, o que ocorre é que a abolitio atinge o plano da eficácia dos efeitos penais principais da sentença condenatória, fazendo com que haja um desfazimento dos mesmos, não se podendo falar que tenha havido retro-eficácia também dos efeitos extra-penais da sentença condenatória. Não. Isso porque o que foi atingido pela novatio é a tipicidade de determinada conduta, mas não sua caracterização como ilícito civil.
Autor: Eduardo Teixeira Ozorio da Cruz


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