O estigma da doença mental para pacientes, familiares e a sociedade



Claudia Lana, Juliana Dias e Luciana Regina.

RESUMO

O presente estudo é uma discussão teórica, que tem por objetivo repensar a visão que o próprio paciente, sua família e a sociedade têm em relação ás pessoas que sofrem com a doença mental, procuramos discutir a importância desta socialização para o doente, e a diminuição do preconceito com tais pessoas, pessoas estas que sofrem pela discriminação de não serem normais na visão da sociedade. Suas famílias precisam ser atendidas em suas reais necessidades e a equipe de saúde, tem um papel importante nesta socialização onde precisa estar organizada e preparada para assisti-los na sua própria comunidade.

ABSTRACT

The present study is a theoretical discussion, that has for objective to rethink the vision that the own patient, its family and the society have in relationship ace people that they suffer with the mental disease, we tried to discuss the importance of this to socialize for the sick, and the decrease of the prejudice with such people, people these that suffer for the discrimination of they be not normal in the vision of the society. Its families need to be assisted in its real needs and the team of health, she has an important paper in this to socialize where needs to be organized and prepared to attend them in its own community.

INTRODUÇÃO

A história da doença mental sempre trouxe tristes lembranças para a humanidade e caminha a passos lentos para melhorar, talvez porque a doença mental ainda não é totalmente explicada e continua sendo um mistério para a medicina ou por razões que fogem totalmente a compreensão de carinho das pessoas que ainda olham para os doentes mentais com preconceito e medo desta doença.

O fato de os portadores de transtornos mentais apresentarem atitudes fora do padrão considerado normal pela sociedade, muitas vezes eles são excluídos e sofrem com abusos e indiferenças das pessoas que os rodeiam.

A história da doença mental, ou loucura, é relatada desde os primórdios da civilização, onde a pessoa, considerada anormal, era abandonada à sua própria sorte, para morrer de fome ou por ataque de animais (RODRIGUES, 2001).

Com o progresso nos estudos em saúde pôde-se constatar que diferente do que se pensava a doença mental têm que ser tratada no meio social, os portadores de tal doença não podem perder sua civilidade, mas esta tem de ser incentivada e analisada em todo seu contexto social, biológico e psicológico.

No passado a doença mental já foi tratada pela religião com exorcismo, os doentes já foram considerados bruxos e queimados e mesmo quando a doença começou a ser tratada de forma mais racional, ainda eram utilizados métodos totalmente bárbaros e desumanos com chicotadas, sangrias e depois eram largados, isolados e sem cuidados acabavam morrendo.

No século XVIII, Pinel trouxe um entendimento novo sobre o adoecimento mental que passou a ser considerado como um distúrbio do sistema nervoso, e então, recebeu a denominação de doença que precisava ser estudada. Porém, manteve-se a estratégia de exclusão e isolamento do doente e acreditava-se que esse era um tratamento necessário ao doente mental, porque se tinha a concepção de que a família e a sociedade eram estímulos negativos, associava-se a uma causa física, fatores psicológicos e sociais eram desconsiderados (PEREIRA et alii, 1998).

Até o século XIX os loucos eram tratados em hospitais gerais, onde ficavam em convivência com diversos desvalidos e não tinha atendimento diferencial, sendo difícil o tratamento e a reabilitação.

Freud fez uma crítica ao asilo e colocou o homem no centro da atenção psiquiátrica fazendo a história dos sintomas e do homem, o que resultou na psicanálise. No século XX, foram significativas as contribuições trazidas pela neuropsiquiatria (OSINAGA, 1999).

A família do doente não participava de seu tratamento, internava-o em uma instituição e não se interessavam em saber como seria o tratamento, isolá-lo era a solução para se livrar daquele "problema".

Nessa relação à família agradecida, dependia da instituição que a aliviava dos problemas que o doente mental trazia-lhe, e a instituição, por outro lado, se auto-reproduzia graças a essa gratidão (COLVERO, 2002).

Nesse contexto a família se afastava do doente, entretanto, da mesma forma que se entendia que a família poderia atrapalhar o tratamento agora se entende que é fundamental a inclusão da família na dinâmica do processo de reabilitação do portador de doença mental, e que este merece um tratamento digno como qualquer doente.

A participação da família é m grande determinante para o sucesso do tratamento do doente.

O Movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil muda a concepção da doença mental, que junto com a institucionalização, contribuem para o estereótipo do doente mental; assim, a reforma coloca um novo olhar à psiquiatria, o de saúde mental. E, então, com essa nova concepção, houve a criação de novos modelos de atendimento, como serviços básicos, comunidades terapêuticas, entre outros (AMARANTE, 1995).

A participação da família vem transformar a visão da saúde mental e desta forma o papel da enfermagem além da assistência ao doente é também o de oferecer apoio e orientação necessária para a família, para que essa possa ajudar no processo terapêutico do portador.

No Brasil, apesar da especificidade na recepção de teorias desenvolvidas na Europa e do desenvolvimento tardio do alienismo, a atuação psiquiátrica esteve de acordo com o projeto de construção da nação e de manutenção da ordem social (MACHADO et alii, 1978).

A reforma, procurando melhorar a qualidade de vida de doentes, família e profissionais de saúde, trouxe também a desinstitucionalização que visa diminuir os doentes mentais internados e o tempo de internação dos mesmos com a participação da família e da comunidade no processo de reabilitação.

DESENVOLVIMENTO

A convivência com o doente mental não é fácil, eles são imprevisíveis, algumas vezes agressivos, se isolam ou mesmo não apresentam afeto, por isso a importância dos profissionais de saúde em estar orientando a família sobre os cuidados que devem ser tomados durante o tratamento.

O que falta à família é mais um esclarecimento sobre a doença que seu ente querido desenvolveu e orientações para manejo com o mesmo. Porém, alguns pacientes conseguem mostrar que, a família que o acolhe, ajuda e cuida; a participação da família é um grande determinante para o sucesso do tratamento do doente (OLIVEIRA e MIRANDA, 2000).

A família tem um grande peso ao assumir o cuidado com o paciente portador de doença mental, sua rotina muda, o orçamento fica mais caro e ela tem de adaptar a transformações na casa, por isso o apoio psicológico tem de ter abrangência à família que sofre com a fadiga do dia-a-dia.

A relação familiar é o sustentáculo, a base para uma boa estrutura emocional para o paciente portador de doença mental, tanto para prevenção de uma crise, quanto para sua manutenção e recuperação (ALONSO, 2001).

Diante deste complexo cotidiano, as ações dirigidas às famílias de portadores de transtorno mental devem estruturar-se de modo a favorecer e fortalecer a relação familiar / profissional / serviço, entendendo que o familiar é fundamental no tratamento dispensado ao doente mental (ROCHA et alii, 2000).

Em um grupo para informação e orientação a familiares, foram constatadas melhoras no relacionamento entre familiares e pacientes , melhor adesão ao tratamento e atitudes mais positivas perante a vida (COLVERO et alii, 2004).

 

A sociedade também precisa se preparar para uma nova visão em saúde mental que, antes considerava o louco como um indivíduo que deveria ficar excluído por não obedecer às normas conceituadas normais e agir em desacordo com os ideais imposto por ela.

A cultura é constituída por costumes, moral, leis, artes, crenças, conhecimentos e hábitos adquiridos pelo homem em uma sociedade, desse modo, a saúde e a doença são influenciadas por este contexto, além do reconhecimento à pessoa e das formas de tratamento (RODRIGUES, 2001).

A verdade é que o conceito de normal é muito relativo, pois o que em algumas comunidades é considerado normal em outras é um absurdo. Em algumas tribos é normal se comer carne humana, em outras, pais e filhos mantém relação, algumas comunidades comem insetos, em outras é proibido comer carne bovina, além de diversas manifestações religiosas que existem em todo o mundo, isso prova o tamanho do preconceito que se faz quando se rotula alguém como louco.

Enquanto alguns grupos populacionais tendem a punir fisicamente seus filhos, outros raramente recorrem a esses métodos educativos. Entre os povos do Xingu, por exemplo, bater em crianças é considerado covardia (PEREIRA, 1997).

Ainda hoje, o louco é visto com preconceitos, a concepção da loucura está de certa forma, ligada à história do homem. Mas, parece que o contato dos profissionais de saúde com a doença, desmistifica o louco e a loucura (KANTORSKI et alii, 2001).

A falta de conscientização da cidadania faz com que o próprio portador do transtorno mental tenha como única solução a internação psiquiátrica por se sentirem excluídos e dessa forma seu quadro clínico sofre declinações.

Estudos identificam que os familiares também fazem referências a fatores de hereditariedade, quando mencionam outros familiares com história de doença mental. (PEREIRA, 2003).

Muitas vezes a sociedade atual desencadeia um quadro de doença mental devido a vários fatores como diferença de classe social, discriminação racial, desemprego, violência, entre outros males.

A procura de emprego não produz respostas previsíveis, e os vencimentos e a jornada do trabalho informal é determinada pela demanda do mercado ou pela conveniência do empregador. Por isso, a redução do poder de decisão e a incapacidade de influenciar o meio, decorrentes do desemprego e da informalidade, podem ser danosas à saúde psicológica (POSSAS, 1989).

A instabilidade do vínculo de trabalho, os baixos salários, a ausência de benefícios sociais e de proteção da legislação trabalhista também são, provavelmente, responsáveis pelo desenvolvimento da ansiedade e da depressão entre trabalhadores informais. A desvalorização social causada pelo desemprego pode comprometer o bem-estar psicológico individual (FIDEPE,

1980).

A definição da doença mental dá-se pela questão biológica, porém associada ao fator cultural; e não menos importante é a eventual influência da sociedade na formação do desequilíbrio mental, e que há, também, uma predisposição do indivíduo com uma "personalidade mais frágil" (LEPARGNEUR, 2001).

Sabendo que a causa real desta doença ainda é desconhecida pela medicina, as pessoas ainda não sabem identificar um problema neurológico de um sofrimento mental, gerando um preconceito na sociedade, por aqueles que se comportam de maneira diferenciada aos demais membros considerados normais.

O pouco entendimento dos familiares sobre a doença mental, faz com que sua busca seja por um exame que detecte onde está a doença, procurando então, um local no cérebro que possa explicar as alterações de comportamento apresentadas pelo paciente (MORENO,

2000).

Os profissionais de saúde mental deveriam oferecer informações e suporte profissional necessários para a família exercer sua função de agente socializador primário do ser humano (WAIDMAM, 1999).

Essa atitude preconceituosa com os "loucos" se dá muito pela ignorância e falta de informação das pessoas que não são orientadas pelos profissionais de saúde que acabam não se dedicando em passar tais informações.

Os pacientes visualizam o louco de forma marginalizada, como alguém que não age conforme os padrões da sociedade, como por exemplo, referem não ser "loucos", nem sempre são esses os comportamentos vivenciados pelos doentes (TELLES, 2002).

O portador de transtorno mental deve ser encarado em sua própria visão, pois ele mesmo não se dá conta do transtorno que possui. Assumir a loucura é assumir que não se tem controle da vida.

Alertamos para o cuidado de não "congelar a vida interpessoal na estrutura social", pois se perde mais do que a experiência da vida cotidiana.

"[...] perde-se também a compreensão que as lógicas das estruturas das relações entre familiares, entre parentes [...], entre vizinhos, entre tipos de sujeitos produtivos e/ou proprietários, entre patrões e empregados, entre homens e mulheres, entre nós e entre nós e os outros, existem não somente dentro e entre as tramas de teias de instituições sociais [...] através das quais se trabalha, possui, produz, gera filhos, herda etc., mas igualmente através de outras teias que tecem as vidas e, dentro, fora, à margem ou contra as organizações oficiais da sociedade, geram os sistemas de vida, os símbolos e os significados de outra face da própria vida social" (BRANDÃO, 1995).

CONCLUSÃO

Fazer saúde e trabalhar a saúde mental na comunidade, é mais do que colocar a responsabilidade destes doentes mental nas mãos do governo e das equipes de saúde, é necessário todo um conjunto e um trabalho sistematizado entre o paciente, a família e a sociedade, tendo os profissionais de saúde como facilitadores deste processo de inclusão destas pessoas na sociedade.

Estimulando reflexões sobre a prática desta inclusão, como neste artigo, buscamos estimular a equipe de saúde que trabalha com doentes mentais serem verdadeiros ganchos entre o paciente, família e sociedade, tentando mudar a visão das pessoas sobre o transtorno mental através da informação, aceitação e socialização destes indivíduos.

Esta estratégia não significa apenas o atendimento de programas pré-estabelecidos, mas um atendimento universal, abrangente e integral para a comunidade, visando a realidade social e suas necessidades de saúde dentro da família, a equipe de saúde deve proporcionar momentos de troca de experiências dos diferentes familiares e o serviço, oportunizando a aprendizagem mútua e a promoção da qualidade de vida, trabalhando diretamente integrada a todos os âmbitos da saúde.

A pessoa que sofre, e sua família precisam ser atendidas em suas reais necessidades e os profissionais de saúde precisam estar organizados e preparados para assisti-los na sua própria comunidade, deve reconhecer e fazer respeitar os direitos do doente mental enquanto cidadão, respeitando as diferenças e reconhecendo a sua dignidade, começando a mudar assim a visão do próprio doente em relação a sua patologia, encarando-os como indivíduos ativos da sociedade.

REFERÊNCIAS

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Autor: luciana delgado


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