A Galinha e o Presidente



Joacir Soares d'Abadia

De repente, uma galinha para no meio de uma avenida movimenta e bota um ovo. Paralelo a esse acontecimento, um homem é eleito presidente. Mas, em segundo turno. A galinha, no meio da movimentação, cuida do seu ovo para que ele não seja quebrado. O presidente, logo ao ser empossado saiu de férias. Sua função é presidir o governo. Ou seja, governar o país. À galinha, por sua vez, era incumbida, naturalmente, de cuidar do seu ovo até sua eclosão.

01.

Assim, conseguintemente, a galinha deveria chocar seu ovo. No entanto, o lugar que ela se encontrava não era propício para ela se deitar sobre ele, O que ela fez não foi nada de instintivo, ao que parece, porque com seu bico fez o ovo deslizar até à parte lateral da avenida, facilitando, tanto o zelo pelo ovo quanto a preservação de sua vida. Ali, ela fez, com suas unhas, algumas marcas no asfalto determinando o seu ninho. O ovo, claro, era o que ficava sobre aquelas marcas.

O ninho já era considerado pela galinha algo terminado. Ela concordava piamente em permanecer no ninho até que seu ovo se eclodisse. Passaram-se dias e, determinada, a galinha permanecia naquela avenida. Ela continuamente ficava olhando toda a gente passando para lá e descendo por ali, mas seu corpo permanecia imóvel sobre o ovo.

Porém, a fome ia, cada vez mais lhe atingindo. A fome que lhe acometia chegou vez ou outra, a lhe causar tonturas. Somente o desejo de ver nascer seu pintinho é que lhe dava resistência para suportar tamanha fome.

Um dia, pela manhã, passou uma mulher com seu filho que levava consigo um saquinho de bojo, mas o bolo saindo pelo findo do saco, veio cair bem próximo do ninho da galinha. Então, houve a primeira dúvida da galinha: a de deixar por alguns instantes seu ninho para alimentar-se, pois o bolo estava demasiadamente perto dela, ou permaneceria ali, até seu pintinho ganhar á luz do dia. A natureza (...) age e, sem se dar conta, estava ela comendo o bolo de uma forma voraz. Não demorou muito para ela consumir todo o alimento.

Quando já não restava mais nada do seu alimento, ela pôde erguer os olhos para o seu lado. Viu, pois, urna moita de capim ao lado da calçada que estava seca. Deu alguns passos na direção do seu ninho, foi logo surpreendida com uma idéia genial: pegar do capim que outrora vira e construir seu ninho para que seu filhote fosse colocado em um ambiente digno de ser chamado com o nome de natural.

Começou, portanto, a carregar o capim para o local em que se encontrava seu ovo. Passava no meio das pessoas que se moviam rapidamente em busca de sobrevivência e, de certo, pouco era notada. Com toda a vivacidade, depois de se alimentar, a galinha ia e vinha rapidamente com o capim no bico para que seu ovo não esfriasse, construindo um habitat para quando seu filhote chegar pudesse encontrar um lugar o mais acolhedor possível.

O tempo foi passando e o ninho ficando pronto. Depois de edificar um belo ninho, a galinha volveu-se para dentro dele e, sem perspectiva de sair tão cedo, pôs-se a cantar.

Cantou até adormecer. Dormiu muito, porque tinha se alimentado bem e porque havia trabalha bastante na construção do seu ninho. Ao acordar, percebeu algo estranho em seus pés, mas rapidamente se recorda do dia anterior. Fica, por um bom tempo, recordando de tudo que tinha acontecido com sua vida até o mais remoto. Mas não se desespera, porque sua felicidade era abarcada pelo desejo de ver seu ovo se eclodindo. Isso se deu à noite quando ela voltou a dormir. Dormiu bem melhor naquela noite e ao acordar teve uma surpresa esperada: seu filhote havia nascido.

02.

Por outro lado, o presidente saíra de férias. Ele levara consigo sua esposa, os três filhos, uma secretária dos serviços gerais e, como não poderia faltar muita alimentação e bebidas, O que queria com aquelas "merecidas" férias era se "recompor" dos trabalhos políticos. Porque dizia que a "política cansa a pessoa". E ao estar cansado nada poderia dar certo, então, realmente deveria deixar um pouco o mundo político e se dedicar ao descanso.

As férias do presidente foram regadas de muita comida e bastante bebidas. Comer e beber era uma forma de esquecer do cargo que recebeu recentemente.

Um dos seus filhos chegou perto dele e disse: "papai, agora o senhor não precisa trabalhar nunca mais, pois é um político". Ele respondeu com (...) convicção ao filho, dizendo que não era somente ele que iria passar o resto da vida sem trabalhar, mas que, também, todos seus filhos e, possíveis, parentes iriam usufruírem desta regalia. O filho se animou e disse: "sendo assim, papai, quero que todas as pessoas sejam políticas para terem sempre o que comer e beber em acréscimo!" Mas o pai voltou-se, furioso, para o filho e disse: "se você, meu filho, não mudar esta sua forma de pensar nunca vai chegar a ser um suplente, porque um político não pensa no outro senão em si mesmo e no seu pode?".

Com as palavras do pai, o filho se entristeceu, pois tinha um amiguinho que não era nem político, nem filho de político. Porém não falou mais nada sobre política ao pai, mesmo que queria.

Estando o presidente sozinho (consigo mesmo), pensava sobre o que seu filho lhe dissera. E colocava-se a indagar: será que meu filho aprendeu estes princípios na escola dos religiosos, pois nunca conversei ou dei educação a meu filho! E se justificava dizendo: "se nunca dei educação ao meu filho era porque estava inteiramente ocupado com o meu trabalho, que por sinal é para dar-lhe uma vida decente, bem como para os outros também".

Terminada as férias, o presidente assumiu definitivamente seu cargo de governar em prol de "todo o povo". Na sua posse estiveram presentes muitas pessoas de renome, as quais faziam homenagens a ele e davam-lhe os parabéns.

Já no poder, o presidente olha para o alto e não enxerga nada que possa fazer. Tudo parece tão difícil! Nada era igual ao que ele sonhara, porque era necessário mais que a realização de um sonho; era precisa governar. Tudo estava em suas mãos, mas suas mãos pareciam não saber segurar nada. Ele via a sua frente tantas coisas, coisas que antes tinham uma finalidade enquanto não assumira ainda a presidência. Aquele homem via-se paralítico frente a tantos acontecimentos que vinham surgindo no início de seu governo.

Pior de tudo era a falta de compreensão acerca do que lhe competia. Tinha, sem dúvida, todo o poder em suas mãos, mas não era capacitado para o exercício do seu múnus. Tudo estava acontecendo. Menos a gerência governamental. Por isso, sempre quando interrogado, dizia nada saber. "Não sei a que vocês estão se referindo, pois as coisas, para mim, estão se desenvolvendo muito bem", afirmava o presidente. Ele assim afirmava para não ser cúmplice do mau andamento do governo. Na verdade, ele não sabia mesmo por onde e nem como começar o trabalho na presidência.

Conseqüentemente, ele tinha que achar uma justificativa que fosse coerente para expor aos seus auxiliares todas as vezes que não tinha resposta sobre as coisas que vinham acontecendo. Então, o presidente teve uma idéia que dava para justificar bem a falta de administração que se incorria em seu governo: tomar todo seu tempo com viagens. Isto mesmo ele fez, marcou muitas viagens diplomáticas e, sem perceberem, as pessoas estavam sem presidente no país, mas ao menos podiam tê-lo nos encontros internacionais.

Nas reuniões diplomáticas ele se saía muito bem, pois se mostrava um homem muito alegre, entregue ao povo, por isso ele usava de expressões não muito usuais ou até mesmo errava nas concordâncias, mas era visto como "o presidente do povo trabalhador", este que se joga ao labor sem se preocupar com o que irá receber, porque trabalhava para ser visto como um trabalhador.

Nalguma reunião importante, o presidente chegou a dizer que seu país tinha muitas coisas boas, mas que convidaria todos para experimentar apenas uma dessas belezas; a cachaça. As pessoas que ali se encontravam gostaram do convite.

Retomando para seu país, as coisas continuavam iguais ou piores do que havia deixado. Seus filhos acompanhavam tudo. Nada diziam.

03.

A galinha, enquanto tudo isso, saltou do seu ninho e incitou seu pintinho para que ele também saísse. Ele colocou-se no caminho que sua mãe seguia. Chegaram, todavia, a um espelho d'água e ali puderam refrescar-se com uma água crisálida que lhes dava forças e alento para seguir viagem. Seguir viagem? Para onde? Porque aquele filhote era "filho do descampado", ou seja, não tinha um lar doméstico para se dar ao crescimento.

Então, pela falta de lugar para morar, a galinha consentiu em permanecer (...) alhures daquele espelho de água com seu pintinho. Cada dia que passava o pintinho ia se tomando um vagueador diurno e noturno, como também tinha que se esforçar para conseguir o alimento, ciscando o pouco de terra que por ali havia.

Quando o pintinho começava a se enveredar pelos derredores mais longínquos, sua mãe já cacarejava fazendo com que ele não saísse de seu lado. Assim, para onde a galinha ia, seu filho a seguia. Eles tinham que se alimentar dos restos que caiam ou que eram jogados fora pelos homens. Continuamente, viam passar por ali, pessoas que trajavam roupas (...) confortáveis, mas nunca tinham alguma coisa na mão, que pudessem deixar cair para alimentá-los.

No entanto, muitos que passavam por aquele local ficavam olhando para aquele casal de ave e comentavam algo, mas que às vezes nunca entendia direito o que realmente se falavam, porque quando peno das aves, a conversa já estava terminando. Isso de sucedeu por bastante tempo.

04.

Inesperadamente, chegou um ancião com algumas espigas de milho e debulhando-as dava o milho para aquele casal de aves. O ancião comentou com uma pessoa que passava pelo local que aquele seu gesto não era nada em relação ao que deveria ser feito por todos os viventes. Mas a pessoa retrucou o ancião e lhe disse; "o senhor não sabe que este governo que outrora tomou posse tem uma proposta jamais vista para seu governo?" O homem respondeu; "não, mas pode, por favor, colocar-me a par do conhecimento destas propostas?" Aquele homem olhou de soslaio para esse e disse; "sua conversa parece ser de uma pessoa que sabe tudo à respeito do governo, mas se diz não saber nada para ter certeza da abrangência da campanha sobre a eliminação total da fome".

O ancião, fraudulentamente, sorriu e fez o homem perceber que havia dito qual era a proposta do governo. Nisso o homem evadiu-se do local, porém o ancião ficou mais um pouco de tempo pensando na palavra que o homem lhe dissera e concluiu que aquele governo trazia uma esperança para todos os homens de boa fé.

Em seguida, o ancião foi caminhando até adentrar em um daqueles prédios que ficava em volta do espelho d'água.

05.

Na ocasião, a galinha e seu filhote ficaram fartos com tanto milho, pois enquanto a conversa entre o ancião e a pessoa ai ganhando força, aquele não parava de debulhar o milho. Isso fez sobrar alimento no chão. E a galinha cacarejou bastante, de papo cheio.

06.

Ao entrar naquele prédio e colocar-se no seu gabinete, o ancião ficou pensando sobre, outra vez, a sua conversa com a pessoa que passava na calçada. Disse para si mesmo: "quanta gente vê em mim um 'Messias Salvador da Política', mas eu não passo de um projetista, quer dizer, só sei fazer os projetos, no entanto, sua prática fica a cargo do meu discurso. Ou melhor, nem meus projetos são de minha autoria. Pensando bem, nem mesmo faço meus discursos.

Com efeito, pode ter sido aquele meu filho que teve uma educação piedosa quem alterou meus projetos e colocou esta campanha de eliminação total da fome, porque nem eu mesmo sabia, com clareza, da existência dela! Eu, sem saber, fui informado da existência desta campanha, mas pensando pelo lado bom que isso pode trazer-me, vou dar os parabéns para meu filho, pois sua idéia foi genial. Com um filho desse não tem como eu perder a próxima eleição!" Pensava, confiantemente, o ancião.

Tendo recebido os parabéns o filho disse ao ancião: "o senhor não realizou uma única campanha papai e quer ser reeleito? Parece mesmo que suas viagens servem como um ópio para esquecer os problemas, pois sempre que tem uma coisa séria no governo para ser resolvida o senhor se ocupa com outras realidades e as pessoas acabam esquecendo que estão sendo fraudadas. Isso parece não ter peso para o senhor! Visto que existem rios de dinheiro sendo, amigavelmente, fraudado, mas seus fraudulentos se renunciam e não pegam nenhuma punição? Agora eu pergunto ao senhor: com tudo que aconteceu e está acontecendo pode ainda ser reeleito?".

O ancião responde com gracejo: "caro companheiro, a minha política é da boa vizinhança! E se quer saber mais: cumpri a minha campanha, porque ela dizia 'eliminar a fome totalmente', porém não disse de que ou quem. Eu saciei a fome de uma galinha com seu filhote, isso prova que foi realizado a proposta governamental".

O filho volta a perguntar ao pai, o que vem a ser esta galinha saciada, frente à sua responsabilidade governamental? O pai disse: "existem muitas galinhas vivendo do pão que caem dos pobres, as quais comem um dia e passam outros tanto sem se alimentarem; sim, existem muitas galinhas que não tem para onde ir; não comem o suficientemente nem para viver, senão comem, quando acham, somente para sobreviver. Tudo isso eu sei".

07.

Passou o tempo e chegou o período das eleições. Estava na disputa o ancião com suas propostas e planos de governo. Tudo continuava como nas outras tantas eleições que disputara.

Nada de novo. Só mudava o ano das eleições, porém as pessoas eram as mesmas com as antiguíssimas ideias. Um marasmo tomava conta da eleição, mas essa fraqueza foi revigorada depois de ter ganhado, o ancião, no segundo turno.

Reeleito, o presidente repete tudo como antes. Só tem novos problemas, os quais resolvem, através de viagens regadas de comidas e bebidas.

08.

A normalidade afeta até a galinha que ainda é privada de alimento e de habitat. Um dia a galinha se alimenta e noutro espera ser alimenta pelas migalhas que caem das sacolas dos pobres.

Seu pintinho não pôde ter oportunidade de viver em um poleiro, nascer em meio ao terreiro com outros pintos, senão teve que se habituar em comer da forma mais regada que possa existir, porque para um pobre deixar cair suas migalhas é muito fácil, mas para aquele ancião fazer de novo seu gesto de generosidade era preciso calcular todos os gastos para sobrar mais para poder aumentar seus "vales": vale temo, vale apartamento, vale malas de dinheiro, vale engarrafamento aéreo, vale extra-salário, e outros tantos mais. Vale, visceralmente, até se renunciar para não ser julgado pelos atos acima expostos.

09.

Em suma, a galinha permanece esperando, para si e para o seu pintinho, os farelos de bolos que caem das sacolas dos pobres. Por sua vez, o presidente continua sem saber o que se passa no seu governo, enquanto milhões de galinhas se apertam nos seus poleiros sem terem o que comer e outras mais lutam com sua vida para encontrar ao menos um poleiro para poderem sair dos viadutos, das ruas, das rodoviárias e até mesmo do espelho d'água.


Autor: Joacir Soares d'Abadia


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