Pita, uma cachorrinha que matou a fome



Joacir Soares d'Abadia

Há muito tempo existiu um rei de tamanha sabedoria. Ele tinha uma filha, que por sorte, era muito bonita. A beleza de sua filha lhe rendia um conhecimento inigualável, pois quem quisesse casar-se com a bela deveria fazer uma pergunta para o rei. Não pautava de uma mera pergunta, mas tinha que ser bem formulada, de forma que o rei não conseguia respondê-la. Então, a pergunta que fosse feita pelo pretendente e que o rei não conseguisse dar o ponto final para ela, aí sim, o interessado poderia casar-se com a bela. No entanto, caso a objeção fosse respondida pelo rei, o candidato deveria ser morto.

01.

Foram muitas as perguntas proferidas ao rei. Como também, de igual peso, as pessoas que já haviam caídas mortas.

Em algumas famílias só restaram a história, pois os homens — determinados a casar-se com a deusa quase que platônica, ou seja, só de idéias — desapareciam.

Dona Tertuliana, tinha nada menos que treze filhos. Destes, todos queriam e desejavam casar-se com a filha do rei. O primeiro fez a pergunta ao rei, porém desapareceu. O segundo fez também a objeção ao sábio e teve o mesmo fim: desvaneceu, Isto se sucedeu até o décimo segundo filho de Dona Tertuliana. Por fim, chegou a vez do décimo terceiro filho, era Lesbão.

02.

Lesbão era o último dos filhos de Dona Tertuliana. Ele era um rapazinho amarelo e muito franzino. Tinha aparência muito débil, mas era muito trabalhador. Trabalho não adiantava muito, visto que o que se precisava era de sabedoria para deixar o grande sábio sem resposta.

Por ser o último filho que restava, Lesbão disse à sua mãe que preparasse uma matula, quer dizer, lanche para viagem, porque ele iria tentar unir-se em matrimônio com a bela que fora o sonho de todos os seus irmãos e que atualmente é o seu.

Sua mãe fez a tal matula com a única galinha que restava no seu terreiro. Porém, sua mãe não desejava que seu último filho fosse morto pelo rei e queria dar uma morte diferente para este filho que ainda não tinha caído na armadilha do rei.

Então, Dona Tertuliana, prevendo um fim trágico do filho por parte do rei, decidiu colocar veneno no lanche do filho e o entregou a ele e disse com toda a convicção: "Meu filho, você não será vencido pelo rei".

Com isso, o filho saiu montado em sua égua, a qual estava muito magra, na busca da bonita moça. E tinha ainda em sua companhia uma amiga inseparável: uma cachorrinha que se chamava "Pita".

03.

Depois de viajar bastante, Lesbão sentiu fome. O que tinha para comer era aquela farofa feita por sua mãe. Por ter muita cautela sobre o que iria comer e por saber que sua mãe não apoiava esta viajem, apaixonado pensou: "Vou dar um pouco desta minha matula para pita e se ela não morrer eu comerei o resto".

Ele pensou e agiu. Mas sua amiga Pita, morreu envenenada. Ele tirou os dois quartos traseiros de Pita e amarrou-os na "cabeça" da cela. Seguiu viajem.

04.

Após um dia e meio de estrada, ou seja, de viagem, encontrou Sete Soldados que estavam fazendo treinamento. Os Soldados estavam com muita fome e a fraqueza lhe apoderavam. Suas debilidades eram tamanhas que quase não suportavam nem mesmo segurar os fuzis. Eles interrogaram Lesbão, dizendo: "Meu senhor, estamos com bastante fome, dê-nos um pouco de comida!!". O viajante disse aos Soldados que tinha somente os quartos de uma "raposa". Mesmo assim, os famintos aceitaram. Comeram a carne da tal raposa sem mesmo levá-la ao fogo ou mesmo colocar sal. Diziam uns aos outros: "A fome é que dá tempero e sabor à comida".

Com efeito, a carne saciou a fome – ou melhor, com muito mais precisão – e matou os Sete Soldados que estavam em treinamento.

Cada Soldado tinha em seu ombro um fuzil e Lesbão examinou-os e pegou um, o qual parecia ser o melhor. Ele deixou os cadáveres onde cada um tinha caído e segui seu destino.

05.

O destemido, já muito fraco e tomado de fome, viu no alto da pitombeira um Jacu. Ele sacou do fuzil e mirou naquela ave. Quando atirou, acertou na cabeça de uma Pomba que estava a um metro e meio de distância do Jacu.

Ele despenou a pomba e levou-a consigo, dentro de uma capanga.

06.

Lesbão continuou viajando. Não obstante, a fome era muita. Assim, ele enxergou no alto de um morro uma Cruz. Indo até lá, tirou uma lasca do grande cruzeiro e fez um espete para assar a pomba.

07.

Depois de saciada a sua fome, sentiu sede. Não havia água naquele local. Desta forma, o filho de Dona Tertuliana foi abrigado a tomar o suor de sua magra égua que escoria até os cascos da mesma.

08.

Por fim, chega ao castelo do rei. Este, logo que avistou Lesbão disse: "Você veio até aqui seu amarelinho para tentar casar-se com minha filha? Faça logo sua objeção para que eu contemple rapidamente a sua morte!" O rei ressaltou ainda: "Caro pobre, você sabe que se responder sua pergunta eu o matarei, mas caso contrário, você desposar-se-á de minha maravilhosa filha. Certo?". O pretendente responde com a cabeça que sim.

Em tom de ironia o rei diz: "Faça logo sua pergunta a este grande sábio que sou eu!!".

09.

Lesbão disse ao rei que a pergunta era a seguinte: O que é o que é...?!

"Pão matou Pita;

Pita matou Sete;

De Sete escolhi o melhor.

Atirei no que vi,

Matei o que não vi e

Na lasca da Cruz Santa,

Assei e comi.

E também bebi água sem ser dos montes".

Responda-me, oh grande rei, por favor!!

O grande sábio pensou, pensou e tornou a pensou... Mas não conseguiu responder a objeção do homenzinho amarelo. Com isso, o rei deu uma parada cardíaca, morreu. E o último dos filhos de Dona Tertuliana, Lesbão, casou-se com a bela filha do rei.


Autor: Joacir Soares d'Abadia


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