O dólar segue em queda livre



Diante do firme ingresso de recursos no mercado doméstico, o dólar cravou em 02 de junho a oitava queda seguida ante o real e atingiu o menor nível de fechamento desde o fim de setembro.

A moeda americana teve queda de 1,59%, cotada a R$ 1,923 para venda, menor nível desde 30 de setembro do ano passado, quando encerrou a R$ 1,906. Desde o início de março, ao alcançar a cotação máxima de R$ 2,443 reais no ano, o dólar já despencou 21,3%. Este ano, a baixa é de 17,6%.

A queda do dólar não ficou restrita ao mercado brasileiro. Durante a tarde, a divisa americana renovou a mínima do ano ante o euro e, no fim do dia, exibia queda de 1% em relação a uma cesta com as principais moedas mundiais.

A entrada de investimentos estrangeiros no país tem sido decisiva para derrubar a cotação da moeda, apesar do esforço do Banco Central de comprar dólares diariamente.
Prova disso é que as reservas brasileiras terminaram maio em US$ 205,576 bilhões, com acréscimo de US$ 4,326 bilhões ante abril. É a maior alta desde fevereiro de 2008, período em que as reservas cresceram US$ 5,395 bilhões.

O grande fluxo de recursos estrangeiros para o mercado de ações brasileiro e para os títulos públicos (que seguem a taxa básica de juros, a Selic, hoje em 10,25% ao ano) tem ajudado a derrubar a divisa. Somente em maio, o saldo de investimentos externos (total de compras menos o volume de vendas) na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) atingiu R$6,803 bilhões, recorde para um mês. Em 2009, o saldo está positivo em R$11,2 bilhões. Se o ano terminasse em maio, também seria o maior saldo anual de estrangeiros da história da Bolsa. Em 02 de junho o Banco Central (BC) até tentou enxugar a abundância de dólares e comprou moeda no mercado à vista, como faz diariamente desde maio, mas não evitou o recuo.

O resultado de maio supera o recorde de abril de 2008, quando a Bolsa recebeu R$6,007 bilhões líquidos, com a ajuda da concessão de grau de investimento ao Brasil pelas agências de classificação de risco Standard & Poor"s (S&P, no fim de abril de 2008) e Fitch Ratings (no fim de maio). A classificação é pré-requisito para o investimento no país por parte de vários fundos estrangeiros, porque indica que é um local seguro para aplicar. Mas ainda é cedo para assegurar que os recursos que estão vindo para o país são os que não vieram no ano passado - por causa do agravamento da crise. Segundo analistas, agora as principais fontes de investimento são os hedge funds (equivalentes aos multimercados no país) e os fundos com foco em países emergentes em geral, além dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) ou da América Latina.

Vários fatores explicam a volta dos investidores ao mercado acionário. Um deles é a elevada liquidez do mercado internacional, em razão das taxas de juros cada vez mais baixas nos países desenvolvidos. Como antes da crise, isso faz com que os investidores corram atrás de aplicações com maior potencial de rentabilidade.

Além disso, os principais bancos centrais já deixaram claro que não vão deixar outras instituições financeiras quebrarem, como ocorreu com o Lehman Brothers. Esse compromisso reduziu a aversão ao risco. A fuga de recursos para títulos americanos e para o dólar acabou.

Junta-se a esses argumentos o fato de o Brasil estar com uma situação fiscal melhor, comparada com a de outras nações, especialmente as desenvolvidas. Num primeiro momento, a volta dos investidores estrangeiros, que respondem por 37% das operações da bolsa paulista, atingiu apenas as ações chamadas de blue chips, aquelas com maior liquidez na BM&F Bovespa, como Petrobrás e Vale. Em 2009, até ontem, as duas empresas tiveram rentabilidade de 58,29% e 41,50%, respectivamente. Mas segundo analistas o movimento já alcançou outras grandes empresas do Ibovespa, mas elas têm liquidez inferior à das duas multinacionais.

Governo preocupado
A apreciação do real é a maior preocupação do governo, nesse momento. A taxa de câmbio pode ser um fator de "desestabilização e de incertezas" nos próximos meses, diante de um processo lento de retomada do nível de atividade.

O Ministério da Fazenda e Banco Central concordam, porém, que a única coisa certa a fazer, por enquanto, é continuar reduzindo a taxa Selic e reforçar a comprar de reservas cambiais. Se há alguma divergência, ela se refere à velocidade e intensidade da queda da taxa de juros de agora em diante. A Fazenda acha que na reunião do Copom da próxima semana a redução deveria ser de 100 pontos base, o que levaria a Selic para 9,25% ao ano. O BC deu indicações de que diminuiria os cortes a partir de agora.

Está descartado, por ora, o retorno da cobrança do IOF de 1,5% sobre os investimentos estrangeiros em títulos de renda fixa e papéis da dívida pública, opção que chegou a ser considerada na semana passada conforme reportamos num artigo anterior.
 
Mesmo a redução mais intensa do juros e um reforço na compra de reservas cambiais (com menor custo de carregamento), porém, não devem reverter o quadro. Na avaliação de técnicos do governo, a tendência continuará sendo de apreciação do real e o movimento pode perdurar até meados de 2010, quando a economia entraria em fase de franca recuperação e a campanha eleitoral estaria à plena carga (o que sempre produz alguma depreciação cambial no Brasil).

O máximo que o governo conseguiria, com a combinação de menos juros e mais reservas, seria uma redução na velocidade de valorização da moeda.

A apreciação do câmbio se deve a uma conjunção de fatores que pouco dependem da ação do governo brasileiro: a depreciação do dólar norte-americano frente as demais moedas; a recuperação dos preços internacionais das commodities; e uma menor aversão ao risco.

Na avaliação de técnicos oficiais, a taxa de câmbio poderá chegar à casa de R$ 1,80 este ano, se uma pequena parte do volume de dinheiro no mundo continuar vindo para o mercado doméstico. Não se cogita aumentar tributos, pelo menos por agora, nem qualquer outra medida heterodoxa, como a imposição de uma quarentena para os dólares que ingressarem no país.
 
No ano passado, antes da crise global, R$ 1,90 não seria uma taxa necessariamente ruim para o comércio exterior do país. Mas o mundo, hoje, não é comparável ao mundo pré-crise. Houve uma queda muito forte do nível de atividade econômica nas principais economias e a concorrência está muito mais acirrada.
A ação dos exportadores
A valorização do real forçou os exportadores a cortar os descontos com os quais tentavam atrair os clientes e driblar a crise global. Com o dólar abaixo de R$ 2, as empresas voltaram atrás nas novas tabelas de preços e contratos começam a ser cortados. É o cenário oposto do vivido até setembro de 2008, quando um mercado aquecido permitia reajustes que compensavam a depreciação da moeda americana - R$ 1,70 na época.

A crise foi um duro golpe para as vendas da Starret, fabricante de serras e instrumentos de medição no exterior. As exportações recuaram cerca de 30% de janeiro a maio ante igual período de 2008. Por conta disso e do fraco desempenho também no mercado interno, a Starret reduziu a jornada de trabalho para quatro dias, com corte proporcional de salário.

Depois das consecutivas quedas do dólar nas últimas semanas, a Piccadilly, fabricante de calçados femininos com sede em Igrejinha (RS), decidiu segurar a remessa das tabelas de preços para os distribuidores na Europa, Oriente Médio e Ásia. Para os importadores da América do Sul e Central, que já receberam as listas, a empresa só pode garantir a manutenção dos valores até meados de julho se o real não se valorizar muito mais. A Picadilly está fazendo as contas para saber qual o patamar cambial que exigirá a correção das tabelas já despachadas para os mercados que absorvem 60% das suas exportações. Definidos em abril, quando com o câmbio chegou R$ 2,29 por dólar, os preços dos calçados das coleções primavera-verão estavam mais competitivos do que os concorrentes.

Com a valorização do câmbio e os preços em queda, a rentabilidade das exportações brasileiras recuou 4,4% em abril e 13% no acumulado do ano, segundo a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). A tendência é uma margem de lucro ainda mais apertada nos próximos meses por conta do enfraquecimento do dólar, que fechou cotado a R$ 1,9370 ontem, queda de 12% em relação à média de abril.

Para a empresa Cerâmica Vila Rica, o dólar abaixo de R$ 2,00 "zerou" a sua rentabilidade e a empresa se prepara para reduzir ainda mais a participação das exportações em seu faturamento. A fatia das vendas externas nas vendas já caíram de 65% no ano passado, para 50% este ano. O executivo conta que as vendas para a Rússia "praticamente pararam" desde o início da crise - a queda dos embarques para esse destino chega a 70%. Para a Argentina, as exportações recuaram 20% neste início de ano.

Sgundo o Sindiceram-SC o impacto do câmbio não é tão forte quanto um ano atrás por conta da redução gradativa das exportações. O volume exportado pelas empresas catarinenses caiu 36% entre fevereiro e abril deste ano comparado com 2008, ano que já não havia sido tão forte. Sem conseguir elevar as vendas no mercado interno, a produção de revestimentos cerâmicos já está 10% inferior a do ano passado.

A General Brands, que exporta sucos prontos, tem negociado preço com os clientes no exterior para manter o mesmo volume de exportações: "Quando o real valoriza, fica mais difícil exportar. Para manter os clientes a empresa acaba arcando com o prejuízo". Parte dessa perda com receita, diz, é compensada pela redução dos gastos com matérias-primas que também são importadas. A General Brands, que exporta para 20 países, espera comercializar no mercado externo entre 8% e 10% de sua produção, mas isso depende de uma estabilização do câmbio entre R$ 2 e R$ 2,40.

Para contrabalançar a valorização do real, a Baterias Moura vai reajustar os preços em torno de 10%. A fabricante está mantendo os planos traçados no início do ano de exportar cerca de 20% da produção em 2009, o que equivale a US$ 40 milhões. Outros dois fatores também ajudam na manutenção das metas: a empresa não exporta para os Estados Unidos e mais da metade dos custos de produção também estão atrelados ao dólar. Assim se a valorização do real traz perdas de receita, de outro, ela reduz os gastos.

Bibliografia  
Jornal O Estado de S. Paulo de 03 de junho de 2009 Jornal Valor Econômico de 03 de junho de 2009
Jornal O Globo de 03 de junho de 2009

Autor: Alexsandro Rebello Bonatto


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