FIRMAMENTO
FIRMAMENTO
de Romano Dazzi
Firmamento: Substantivo masculino:
“Hemisfério celeste visível, ao qual se supõe estarem fixados os astros”.
Bem simples o Aurélio, não é? Simples e direto.
Era um véu preto, que os Deuses estendiam toda a noite e já trazia engastadas todas as estrelas. Elas se arrastavam pelo pano imperceptivelmente, pela noite afora, em lenta procissão.
Nós, simples espectadores, imóveis no mesmo lugar em que nos puseram no início dos tempos, ficávamos admirando este esplêndido e interminável cortejo celeste.
Quando finalmente cansavam, os Deuses levantavam devagar o pano, recolhiam uma a uma as estrelas, e as deixavam descansando, até que chegasse novamente a noite. Assim, o Sol podia acordar e, girando à nossa volta, trazer vida, luz e calor a este mundo frio.
Tempos bons, aqueles: éramos o centro do universo.
Inventamos os Deuses, única forma de justificar a perfeição que nos cercava .
E nós, os filhos dos Deuses, éramos únicos, poderosos, invencíveis.
Certos disso, conquistamos confiança e coragem; avançamos pela terra adentro, alcançamos todos os mares, navegávamos, voltávamos - ou morríamos na gloriosa empreitada.
Escrevemos assim a primeira saga da humanidade: a conquista da Terra.
E eis que, de repente, tudo mudou; nada do que sabíamos era o que imaginávamos; algum esperto descobriu que não estávamos parados; era o Sol que estava parado, um ponto fixo no espaço; o resto era uma ilusão de ótica.;
Fomos jogados para um estado de precário equilíbrio, de pé em cima de uma bola que girava, como palhaços equilibristas; uma posição tão incômoda quanto ridícula.
Se a Terra , cansada de tanto girar, quisesse apenas dar um suspiro, com uma ínfima parada de um décimo de segundo que fosse, todos iríamos para o espaço, literalmente, rumo às estrelas.
Certos disso, nos reavaliamos; o Universo ficou então uma singela manifestação da Ordem; Deus , agora um único, infinito e poderoso Senhor, o criara tão equilibrado e perfeito, exclusivamente para o nosso bem estar.
Pouco depois, outro esperto descobre que o sol também não estava parado: ele voava pelo espaço, vindo do nada, indo para lugar nenhum, lançado a uma velocidade absurda , segundo uma órbita complexa – e o nosso pequeno Planeta era apenas um grãozinho rodando em volta dele.
Não só: descobriram que nada estava parado no Universo. Tudo estava em frenética rotação, colidindo e explodindo e se reagrupando e recomeçando.
Quantidades inimagináveis de Energia em movimentos desenfreados se confrontando e se chocando. O caos era a única força real.
Então Deus passou a significar, simplesmente, Energia:
Certos disso, expulsos do trono que ocupávamos, como reis que acreditávamos ser, perdemos a capacidade de dialogar com o nosso Deus.
E ficamos sós, sentados em crise à beira da Via Láctea, enquanto milhões de bólides se destruíam, no frio e na escuridão....Porque descobrimos que, para além da nossa pequena e miserável esfera, só existia uma eterna noite gelada; e a luz só existia quando refletida por algum corpo perdido no espaço.
Então, para salvar nossas pobres crenças, inventamos mil artifícios:
acendemos a noite com milhões de luzes, para não termos mais vontade de levantar os olhos e contemplar as estrelas;
escurecemos o dia, construindo prédios cada vez mais altos e sombrios e vivendo em cubículos sem janelas; lançamos ao ar nuvens imensas de vapores e fumaça, para apagar o brilho poderoso do sol..
Aprendemos a levantar tarde, bem depois que as estrelas se apagam e a ficar nos nossos casulos até bem depois que o sol nos deu o seu esplendoroso adeus.
Mas o Universo continua à nossa volta.
A paleta, com cinco milhões de cores, dos nossos monitores nunca vai conseguir copiar as nuances infinitas de uma aurora ou de um por de sol;
todos os alfinetes que produzimos, espetados no céu, serão sempre apenas uma imitação barata do cobertor de estrelas que nos contempla.;
o sol, o vento, a chuva, a tempestade, as árvores, as montanhas e o mar continuarão a ser, para sempre, milagres incompreensíveis e magníficos.
Precisaremos, mais cedo ou mais tarde, voltar à imagem de um Deus que amamos de verdade, como nosso Pai verdadeiro, severo mas carinhoso, justo mas bom, que tantas e tantas coisas certas nos tem transmitido, por linhas tortas, pelos séculos afora.
Obrigado, meu Deus, por me deixar compreender tudo isto que vejo e por me permitir perceber, nisso tudo, a tua gloriosa presença.
Você é o meu Firmamento.
Autor: Romano Dazzi
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