Saudosismo 2



SAUDOSISMO 2 

De Romano Dazzi

 

E a propósito de saudosismo, surpreendo-me hoje ao escutar que, uns cem ou duzentos anos atrás, as coisas seriam melhores que hoje, como nos querem fazer crer

Não é verdade.

É uma grande mentira, repetida até a exaustão, até acreditarmos nela;  é uma falácia.

 

Meu avós proletários, em meados de 1800, trabalhavam catorze horas por dia, de segunda a sábado.

Aos domingos, tinham que ir à missa de manhã e às funções religiosas à tarde.

O anátema em caso de desobediência, teria conseqüências trágicas.

Não tinham férias, nem leis trabalhistas. O patrão ditava a sua única lei.

Moravam amontoados em casebres sem a mínima comodidade.

Dormiam em quatro, cinco, seis em um único quarto.

Não tinham água corrente nas casas; enchiam tinas e a usavam com economia.

O banheiro, quando existia, era  uma fossa no fundo do quintal.

Lavavam-se nos banhos públicos, uma vez por semana, quando fazia calor – no inverno bem mais raramente; só os ricos podiam permitir-se usar água quente.

A prefeitura fixava rigorosamente as tarifas e cada um tinha que levar sua toalha e seu sabão.

O tempo do banho era estritamente controlado.

Em caso de demora, a taxa  era cobrada em dobro.

Lavavam as roupas e as panelas na fonte, uma vez por semana.

No inverno, a roupa ficava estendida nas cordas, endurecida pelo frio, durante dias; nos meses de inverno ficava molhada por mais de uma semana.

O ferro de passar era a carvão. Brasas e cinza escorregavam por uma série de furos – sem os quais, as brasas apagariam e o ferro esfriaria em um minuto; mas as roupas ficavam sujas de cinza .

Não tinham luz elétrica; só podiam ler durante o dia, à luz do sol, porque  a luz das velas, das lamparinas, dos archotes, tornava difícil e incômoda a leitura.

Tinham noções muito limitadas – e em grande parte erradas, - sobre higiene, bactérias, infecções, febre e doenças em geral.

Tinham preconceitos, crenças e superstições em contraste com qualquer bom senso.

Alimentavam-se mal, desconheciam qualquer cuidado com gorduras, carboidratos. Das vitaminas não tinham a menor noção.  Elas foram explicadas em 1933.

Morriam cedo; epidemias carregavam milhares; guerras estúpidas (um pleonasmo), outros milhares; movimentos revolucionários, greves, ebulições que explodiam aqui e acolá,  faziam outras centenas de vítimas.    

De que, então, o  século 19, o  “oitocentos” poderia ter deixado saudade?

 

Pois é: foi nessa mesma época  - o 1800 - que a Humanidade se reencontrou e refloresceu, em todas as formas de cultura: nas artes, nas ciências, na filosofia.

A Revolução Industrial trouxe um aumento nunca antes sonhado na produção, a rápida multiplicação dos objetos, a redistribuição de uma riqueza recém formada; a indústria aliou-se solidamente à ciência; por todo o lado pesquisadores, em laboratórios improvisados, descobriam curas, inventavam formulas; partindo de estudos teóricos, chegou-se à eletricidade, e ao seu uso prático,  com usinas, distribuição de luz nas ruas e nas casas;  pouco mais tarde, o fracionamento do petróleo permitiria o seu uso, através de mil subprodutos – e outros milhares ainda estão por vir; biólogos derrubavam mitos e mentiras sobre fluidos e doenças, descobrindo  mundos imensos sob o microscópio;  bactérias foram isoladas, doenças vencidas.

As artes floresceram; escultura, pintura, teatro, dança.

A Opera arrastava multidões e preparava movimentos políticos; Chopin comovia os salões da França e levantava ajudas para a oprimida Polônia; nos teatros italianos, o povo ansioso pela reunificação da Italia, cantava os coros patrióticos de Verdi. Wagner, com Lohengrin e as Valquirias, preparava uma Alemanha romântica, mas orgulhosa, à espera da chegada de Zaratustra e do seu superhomem. Strauss celebrava as vitórias do Império Austríaco, com a marcha Radeski. Cem outros compositores, muitos medíocres, alguns bons outros ótimos, regiam sinfonias novas, tocadas por grandes orquestras. A técnica inventou meios de eliminar os ecos desagradáveis nos grandes teatros, que passaram a ressoar magníficas melodias.

Depois que a aristocracia inútil e preguiçosa foi varrida, a burguesia aportou à terra do bem estar. Enquanto os proletários suavam sete camisas, os burgueses triunfavam e brindavam.

Em suma, cada época tem seus bons a seus maus aspectos. Cada século prepara o seguinte; assim como cada homem prepara os seus filhos e tenta  encaminhá-los  para um destino melhor que o dele.

Os únicos que permaneceram intocados ao longo das gerações e das mudanças sociais, foram os soldados. Cem guerras, a partir da revolução francesa, estremeceram a terra a quase fizeram calar a humanidade. E, pelo que parece, ainda não acabou. Matar-se não era um prazer, mas uma necessidade, uma fatalidade. A campanha de Rússia ceifou dois milhões de franceses, soldados de Napoleão.  E o império britânico era tão vasto, que o sol nunca se punha nele.

 

Dos pecados capitais, eu retiraria a preguiça – que é apenas uma atitude passiva e que desaparece quando as necessidades se fazem prementes – e colocaria a guerra.

Este, é o pior pecado do mundo, do homem contra Deus, contra o seu semelhante, contra  a sua família, contra a sua Terra e principalmente contra si mesmo.

 

Infelizmente haverá sempre algum Napoleão, algum Hitler, algum Mussolini; as marchas militares ecoarão sempre em algum canto do mundo. Cabe a nós fazer com que esse espírito desvairado de ódio contra o semelhante não encontre  asilo em nossas mentes. 

Acrescentaria,  no Padre  Nosso, um pedido especial:

Fazei com que não sejamos inimigos de ninguém e que ninguém nos considere inimigos.

Ensinai-nos a conhecer a Justiça, a transmitir a Solidariedade,  a legar o dom da Paz ao nossos filhos.

Só assim, conheceremos, aqui na Terra, o Reino dos Céus .

AMÉN.

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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