Vocacionar



 

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18/3/2007

 

Está no jornal de hoje; alguém (um político) disse:

“Para se conseguir chegar a alguma coisa, não basta querer; precisa ser “VOCACIONADO””

 

Não tem nada a ver com o ter vocação, inclinação, jeito, paixão, ou tendência; tem que ser “Vocacionado”; se não for, nada feito.

 

De início, pensei ter lido errado; deve ser “ovacionado”; o que eu aceitaria tranqüilamente, porque a pessoa chegaria lá por aclamação, por ovação, por consenso e aprovação popular gritados abertamente.

 

Não: a palavra é mesmo “vocacionado”; não está no velho Aurélio, mas dá idéia de ser alguma coisa que vem do céu, uma bênção divina, um dom sobrenatural, que faz do ser um predestinado, um eleito, separado desde sempre daquele  cinza anônimo e disforme da multidão.

 

Ai, tentei  pensar em termos paralelos:

 

Assim como não adianta ser hábil, saber fazer, ter o jeitinho; não: tem que ser “habilitado”.

A distância entre o hábil e o habilitado é, imagino, apenas um diploma, um canudo; um pedaço de papel.

E este nunca garantirá diferença de qualidade entre as realizações de um e de outro.

 

Assim como para comer não basta ter fome; tem que ter vontade, força, impulso; tem que ser “esfomeado”

Só assim, ele superará tantas barreiras naturais, culturais e éticas, que lhe impõem a fome como um princípio de vida e como um pressuposto do aperfeiçoamento permanente – e desejável - do ser humano.

 

E agora que descobrimos um particípio passado, será que dá para tentar conjugar o verbo, sem ofender ninguém ?

 

- Olha, vou te vocacionar, mas só no ano que vem; por este ano, já vocacionei muita gente...

Ou: - Eu gostaria muito de vocacioná-lo, mas depois de vocacionado, por favor, não se esqueça de mim.

Ou então:  Estou vocacionando a Mariazinha, a cozinheira, num curso de croque-monsieur, porque estou cheio dos mistos-quentes dela. Depois de vocacionada, tudo vai melhorar na minha cozinha...

 

 

Bom, eu devo dizer que não acredito em pessoas “vocacionadas”

Não acredito nem na mera e simples “vocação”, mas apenas em um certo gosto,  uma preferência, uma inclinação natural que algumas pessoas possuem, para se dedicar a uma coisa em lugar de outra.

Isto  quando não encontram alguma outra vantagem em ser “vocacionado”.

 

A escola religiosa, lá na minha terra, era uma das poucas opções que um jovem tinha na vida.

A comida era razoável, o estudo de poucas exigências, o custo ínfimo,  o campinho de futebol muito bom e havia aquecimento nos dormitórios.

Cem jovens por ano chegavam lá, possuídos por uma irresistível vocação religiosa.

Aceitariam ser párocos, abades, cônegos, monsenhores, bispos, ou – quem sabe – até cardeais, se alguém lhes desse uma chance.

No ano seguinte, para cem que chegavam, outros cem saiam, deixando para trás a “vocação”, perdida em algum momento de reflexão.

 

Em política, então, não acredito mesmo que alguém possa ser vocacionado ou ao menos sentir uma vocação, uma inclinação qualquer. 

 

Se fosse assim, as pessoas não pulariam de um cargo a outro, de um ministério a outro, de uma comissão a outra.

Lutariam com unhas e dentes, para conseguir aquele posto cujos problemas conhecem, e se sentem mais preparados para resolver; aquele único lugar, no qual podem sentir vibrar as cordas de seu coração e sabem, com absoluta certeza, que  estão prestando o melhor serviço à Nação.

Enfim, aí sim,  este será aquele destino, para o  qual eles foram “vocacionados”.

    

 

 

 

 

 

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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