Digressão em ''Dom Casmurro'' de Machado de Assis



JUSTIFICATIVA

O que motivou a elaboração de nosso artigo tem a ver, primeiramente, com o nosso interesse pelos estudos do componente curricular Estudo da Produção Literária no Brasil.

Temos como objetivo averiguar a digressão como estratégia discursiva na produção de textos verificando em que medida a pertinência do seu uso como processo argumentativo, na interação com o narratário, visa à formação de opiniões e mudança de atitudes. Bem como, apresenta papéis definidos na construção textual.

Pretendemos, também, analisar como a técnica digressiva cumpre propósitos complementares no romance "Dom Casmurro" de Machado de Assis, através de fragmentos da obra em estudo.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Considerar a digressão como desvio no fluxo informacional passa a ser uma questão de perspectiva. Se considerada do ponto de vista textual a digressão pode ser enigmática; porém, se considerada sob o enfoque interacional, passa a funcionar como uma estratégia por meio da qual se busca um determinado efeito de sentido.

A digressão implica a substituição de um domínio de relevâncias, ou seja, o assunto da atividade textual por outro domínio diferente, que suspende momentaneamente aquele domínio anterior, colocando-o à margem do campo.

Em Dom Casmurro, Machado de Assis enquanto narra, discute o ato e o modo de narrar. Ele põe em prática a metalinguagem, em que a própria narrativa trata de se auto-explicar. . Durante toda a narrativa a digressividade tem um papel fundamental, dando um tom muitas vezes jocoso, ou criando cumplicidade com o leitor, que ao invés de apenas ler passivamente, participa do próprio ato de narrar, ao servir de confidente do escritor, transcendendo o próprio texto.

Este romance é narrado em tom de confissão. A personagem, no fim de sua vida, conta ao leitor como esta se desenrolou, colocando no centro de tudo o romance que viveu. O tom em que é feita a narração permite-nos imaginar o narrador, tendo o leitor sentado a sua frente, a contar sua história, numa atmosfera de absoluta intimidade. Machado fala diretamente ao leitor em diversas passagens do livro, e o leva aos locais onde aconteceram os pequenos fatos que compõem a trama, colocando-o junto a Bentinho e seus flashbacks.

A DIGRESSÃO COMO ESTRATÉGIA DISCURSIVA NA PRODUÇÃO DE TEXTOS

O artifício criado para ocultar o motivo real de uma ação, desvio momentâneo do assunto sobre o qual se fala ou escreve, é que chamamos de digressão. É um afastamento do assunto principal para contar uma história secundária, refletir sobre algum aspecto da vida ou do mundo, ou explicar algum detalhe acessório da narrativa enquanto a história principal fica esperando.

Na produção de um texto escrito, a digressão seria uma fuga da meta original para uma aparente incursão através dos prováveis anseios do leitor. No texto literário, a digressão foi até hoje pouco estudada e é merecedora de atenção especial. Entretanto, neste artigo, apenas faremos uma breve discussão do tema, dada a sua complexidade, deixando para um outro momento uma abordagem mais específica.

Vejamos o que Moisés Massaud (2004) diz sobre a digressão:

Própria do discurso oratório, a digressão pode apresentar qualquer medida, aparecer em qualquer parte do texto e em obras de qualquer outra natureza, sobre tudo a poesia épica, o romance e o ensaio. Empregada desde a Antiguidade greco-latina, constitui expediente difícil de manejar, uma vez que pode comprometer a integridade da obra em que se insere. Por isso, hoje em dia tende a ostentar sentido pejorativo, equivalente a "desvio", "divagação", "subterfúgio". (p. 125)

Como vemos, o autor deixa-nos evidente que a digressão é uma técnica difícil e que consiste em o narrador afastar-se do seu tema, pelo recurso à inserção estranha àquela tratada no momento e que pode comprometer toda a obra narrada. A digressão seria, portanto, a transposição de um limite, o abandono de um caminho certo para uma excursão ou incursão por labirintos de sentidos perdidos, caminhos itinerantes, sinuosos, oblíquos, mas que buscam chegar a seus destinos.

No discurso jornalístico, por exemplo, as digressões são normalmente destacadas sob a forma de quadros com comentários ou informações paralelas a que se remete no corpo da reportagem. Atualmente, a linguagem jornalística busca estruturar o seu discurso a partir do estabelecimento de articulações entre os elementos que compõem um texto, deixando para o leitor a tarefa de fazer as devidas associações entre a imagem (fotos, desenhos, gráficos), os quadros em destaque por meio de cor (textos paralelos ou digressivos) e o texto base. As conseqüências dessa atitude são fundamentais, pois apontam a orientação argumentativa como um fator essencial de coesão e coerência textuais, visando à compreensão, à expressividade e, por que não dizer, à persuasão.

O livro "Riso e melancolia", de Paulo Rouanet (2007) introduz o leitor no estudo de um dos casos mais famosos de influência literária: a repercussão da forma shandiana, da obra "A vida e opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy" (1759), de Laurence Sterne. O estilo shandiano se caracteriza por uma atitude libertina e sentimental; um sensualismo risonho; um humor afável e tolerante, capaz de perdoar transgressões próprias e alheias, mas também de zombar, sem excessiva malícia, dos grandes e pequenos ridículos do mundo.

Para Rouanet, a forma "shandiana", define-se em Machado de Assis. Destaca que, das obras influenciadas, uma vai mais adiante por levar a perfeição às características da subjetividade shandiana, será o "Memórias Póstumas de Brás Cubas", o livro que entre o riso e melancolia vai encontrar na ironia o equilíbrio, e mais ainda: como a melancolia não pode ser vencida, pode então ser prazerosa.

Vejamos o que escreve Merquior (1996) sobre a obra citada de Machado:

O "autor", isto é, o falecido Brás Cubas, logo nos adverte que se trata de uma "obra difusa", escrita "com a pena da galhofa e a tinta da melancolia". Obra difusa, cheia de digressões e extravagância, porque nela, em vez da narração linear o objetiva (...) Machado adotava a "forma livre" de Lawrence Sterne [...] (p.225)

Podemos, assim dizer que, segundo a citação, a obra-prima de Machado seria uma espécie de continuidade metafísica do livro de Sterne, principalmente, no que tem o narrador do além-túmulo a nos contar que a melancolia não tem cura.

Tanto em "Dom Casmurro" (1899) quanto em "Memórias póstumas de Brás Cubas", a narração é conduzida por personagens que contam a sua própria história e a comentam. Por trás de ambos está o escritor Machado de Assis que, na verdade, conduz a narrativa como um todo. Acrescente-se que o narrador se vale, na construção do texto, da utilização da narração em primeira pessoa, da participação, da técnica da digressão, do jogo de tempo cronológico e psicológico, do freqüente exercício da metalinguagem, da narração em ar de conversa, tudo isso pontuado pelo humor e ironia.

Segundo Lajolo (1980:101), "a calma, o ritmo pausado com que Machado nos faz entrar no mundo de suas personagens, a completa ausência de pressa na narração dos episódios são uma forma de distanciamento. As ações se desenrolam preguiçosamente e o narrador, volta e meia, as interrompe para fixar a sua (e a nossa) atenção em elementos circunstanciais e periféricos".

Na verdade, a construção textual é marcada pelas escolhas de um sujeito enunciador que cria o discurso, visando aos efeitos de sentido que devem ser produzidos no enunciatário (leitor).

Na visão de Brait (1994/1995, p.20), "a linguagem é sempre, em maior ou menor grau, uma forma de persuasão, de levar o outro a aderir a um ponto de vista".

Sendo a estratégia de uso de digressões uma forma de argumentação, o aspecto comum entre os textos analisados está em buscar, na interação com o enunciatário, criar um jogo em que a informação deve ser recebida, mas visando à formação de opiniões e mudança de atitudes.

A essa atitude corresponde uma forma distinguidapela presença permanente do narrador, pela narrativa fragmentada por digressões, pelo uso arbitrário do tempo e pelo espaço. O aspecto mais marcante dos romances é a presença ostensiva e soberana do narrador e seu interminável diálogo com o leitor, e mantém uma relação arrogante, concedendo-lhe a aparente liberdade de fechar o livro, ler ou não o capítulo, etc. Caprichoso e imprevisível, o narrador interfere no rumo da história a todo momento, modificando-a a se bel-prazer.

DA DIGRESSÃO EM "DOM CASMURRO" DE MACHADO DE ASSIS

Machado de Assis é o maior escritor do Brasil, na opinião quase unânime dos estudiosos da literatura brasileira. As grandes figuras da literatura internacional que tiveram a sorte de ler seus livros consideram-no um dos grandes escritores do mundo em sua época, uma época pródigade grandes escritores, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.

Joaquim Maria Machado de Assis (1837–1908) era mulato e nasceu num morro do Rio de Janeiro, numa época em que, no Brasil, os negros eram ainda escravos. Não teve educação formal, mal freqüentou a escola primária. Trabalhou desde cedo e aprendeu o que pôde, de onde pôde.Uma das características mais atraentes e refinadas de Machado de Assis é sua ironia, uma ironia que, embora chegue francamente ao humor em certas situações, tem geralmente uma sutileza que só a faz perceptível a leitores de sensibilidade já treinada em textos de alta qualidade. Essa ironia é a arma mais corrosiva da crítica machadiana dos comportamentos, dos costumes, das estruturas sociais. Machado a desenvolveu a partir de grandes escritores ingleses que apreciava e nos quais se inspirou (sobretudo o originalíssimo Lawrence Sterne, romancista do século XVIII).

Uma das técnicas que ele mais utiliza em suas obras de maturidade é a digressão: interrompe-se o fluxo narrativo, o narrador dirige-se ao leitor e comenta algo que aparentemente desloca o assunto de que se vinha tratando. No caso de Dom Casmurro (1994), nosso objeto de estudo, esse artifício cumpre alguns propósitos complementares:

• Parece querer disfarçar ou atenuar, pelo humor implícito, a importância e a gravidade do projeto narrativo que está em curso.

• Também nos lembra, pela interrupção explícita, que a narração de tudo o que foi vivido e está sendo apresentado ao leitor é posterior e, por isso, está sujeita ao fluxo do pensamento e à perspectiva do narrador/Bentinho, que revê sua história.

Observe no Cap. X que aceitando a teoria do tenor, o narrador parece querer chamar a atenção do leitor para a inevitabilidade dos acontecimentos que irá narrar: "Cantei um duo terníssimo, depois um trio, depois um quatuor..." clara referência aos futuros, e supostos, triângulo amoroso (Bentinho/Capitu/Escobar) e quarteto (Bentinho/Capitu/Escobar/Sancha). No lugar do reconhecimento do papel ativo do personagem, a metáfora teatral agenciada pelo narrador sugere a inexorabilidade de um destino já traçado.

Analisemos o Cap. I,já pensando que o leitor gostaria de saber o que inspirou o nome do livro, Machado conta o fato que trouxe-lhe tal nome à idéia. Então, vem a primeira fala direcionada ao leitor: "Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo."

No Cap. II, 1º parágrafo, ele diz: "Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos os motivos que me põem a pena na mão." Antes de contar ao leitor a história, ele dá-se ao trabalho de explicar por que resolveu contá-la e até mesmo por que deu ao livro o nome de Dom Casmurro. É um livro feito em interação com o leitor, ou pelo menos com o leitor imaginado pelo narrador. Assim, cria um leitor que torna-se também personagem do romance. Isto ele até confessa, ao chamá-lo "leitor das minhas entranhas"[1]. E como é esse leitor que ele imagina?

Em várias passagens, Machado caracteriza seu leitor, chamando-o por vezes de "amigo"[2] quando o imagina um, ou dizendo "senhores"[3] quando imagina uma platéia de ouvintes a quem está a contar sua história. No Cap. LVIII, ao contar das imagens femininas que assaltavam sua imaginação, e mostrar que em seu ponto de vista estas visões eram pecaminosas, de dentro de sua personagem Bentinho, invoca seus leitores para adivinhar como venceu estas visões, chamando-os de "Sábios da Escritura"[4]. Aqui ele imagina um conjunto de leitores religiosos, que saibam o que são as tentações da adolescência.

Também pensou nas mulheres que leriam seu livro, e dirigiu-se a elas. Em algumas passagens, ele as trata casualmente, como no Cap. CV, 3º parágrafo, em quecompara os braços da leitora com os braços de Capitu: "Eram belos,..." (os braços) "... não creio que houvesse iguais na cidade,nem os seus, leitora...". Nesse "leitora" ele inclui as leitoras moças e as que ainda não haviam nascido na data, que foi: "... a primeira noite que (Capitu) os levou nus a um baile...".

Invoca a leitora também no Cap. CX, 9º parágrafo, ainda de maneira casual: "A leitora, que ainda se lembrará das palavras..." e cobra sua atenção!: "... dado que me tenha lido com atenção...". Mas em outras passagens o tratamento à leitora é respeitoso, e ele a chama de "dona leitora"[5] ou de "leitora castíssima"[6], emprestando um dos superlativos de José Dias (uma das personagens do romance).

Apenas depois de cento e dezenove capítulos de conversa Machado fala com a leitora de uma maneira mais carinhosa e próxima. Acrescentamos aqui o capítulo, por ser curto.

 CAPÍTULO CXIX

NÃO FAÇA ISSO, QUERIDA

A leitora, que é minha amiga e abriu este livro com o fim de descansar da cavatina de ontem para a valsa de hoje, quer fechá-lo às pressas, ao ver que beiramos um abismo. Não faça isso, querida; eu mudo de rumo[7].

O fato de ele falar da rotina da leitora (indo de uma festa a outra) também mostra que ele imagina a esta altura uma intimidade, tanto que "sabe" o que ela está fazendo. Além de pensar nos leitores homens e nas leitoras, Machado limitou entre estes "leitores" os padres, na passagem em que fala do seu costume de prometer orações e não cumprir: "Padre que me lês, perdoa este recurso; foi a última vez que o empreguei."[8]; e os rapazes, no capítulo chamado "Amai, Rapazes!"[9]

Mas a pessoa que mais admiramos de ter ele imaginado lendo seu livro foi D. Sancha. Sim, ele fez um capítulo para D. Sancha, o Cap. CXXIX: "A D. Sancha", que começa assim:

D. Sancha, peço-lhe que não leia este livro; ou, se o houver lido até aqui, abandone o resto. Basta fecha-lo; melhor será queimá-lo, para lhe não dar tentação e abri-lo outra vez. Se apesar do aviso, quiser ir até o fim, a culpa é sua; não respondo pelo mal que receber.

Esse é um dos capítulos mais interessantes nesse exercício de dialogar com prováveis leitores, ou melhor seria, aconselhar Sancha.

Já apontei que no início do livro o narrador fala ao leitor para explicar-lhe o nome do livro e a razão de tê-lo escrito. No Cap.II, localizamos mais uma fala ao

leitor. É no último parágrafo: "Eia, comecemos a evocação por uma célebre tarde...". Aqui ele convida o leitor a participar de suas reminiscências, e para a confecção do livro resultado desta interação escritor-leitor.

Logo mais no Cap. VIII, inicia o capítulo assim: "Mas é tempo de tornar àquela tarde de novembro..." , e este texto tem a função de retomar com o leitor anarração da história, após uma digressão.

No Cap. X, chama o leitor de "amigo", e de "meu caro leitor"[10]. Após revelar um pouco de si, Bentinho (e dentro dele Machado de Assis) trata o leitor de forma mais íntima. Estes vocativos tem o objetivo de criar a intimidade buscada pelo escritor.

Mais uma mostra de que busca interagir com o leitor encontra-se no Cap. XXX, 1º parágrafo: "Terás entendido que...". Após contar do coche imperial que viu passar e das fantasias que teve após isto, chama o leitor a tirar conclusões juntamente com Bentinho. E no Cap. LXII, diz ao leitor: "... se o não achas por ti mesmo, escusado é ler o resto do capítulo e do livro, não acharás mais nada, ainda que eu o diga com todas as letras da etimologia."[11]

No Cap. LIX, pensando nas falhas que possa cometer, prepara o leitor para perdoá-lo caso as encontre: "...preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas" (último parágrafo). Em outra passagem, chama o leitor a ajudá-lo com a correção do livro para dar-lhe coerência: "...avisa-me, leitor, para que o emende na segunda edição."[12]

A intenção de acalmar o leitor, quanto às suas frequentes digressões, aparece em algumas passagens como a do início do Cap. CI: "Pois sejamos felizes de uma vez, antes que o leitor pegue em si, morto de esperar, e vá espairecer a outra parte;", e também no Cap. CIII, 1º parágrafo.: "... não as ponho aqui para ir poupando papel...".

Segundo a análise feita, Machado dirigia-se ao leitor de Dom Casmurro com intenções específicas: para dar-lhe uma explicação, para colocá-lo dentro da trama, para retomar com ele um assunto, para mostrar-lhe algo, para pedir do leitor conclusões, para prepará-lo para os erros que poderá ter o livro, ou para introduzir um assunto.

Ainda nas características do leitor concebido por ele,podemos dizer que este nem sempre é passivo, embora suas atividades sejam sempre reações a estímulos do narrador ou dos fatos narrados por ele. E o leitor é ativo ao tomar conclusões com Bentinho: "Como vês, Capitu... tinha já idéias atrevidas..." (Cap. XVIII, parágrafo 27) e Cap. XXX, 1º. parágrafo: "Terás entendido que..."; é ativo ao achar exagero na declaração de Bentinho no Cap. XXXIII: "Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que..."; é ativo ao abanar a cabeça, incrédulo, jogando longe o livro, no Cap. XLV, 1º. parágrafo; também ao censurar Bentinho e Capitu, no Cap. XLIX e principalmente ao ler o livro que Bentinho está a escrever – consulte para conferir, o Capítulo CXIX: "Não faça isso, querida",anexado logo acima.

E finalmente, o leitor que Machado imagina é curioso. Por isto Bentinho já começa a história explicando o nome do livro e por que resolveu escrevê-lo; e o Cap. CXLIV, "Uma Pergunta Tardia" é feito em torno de uma pergunta do leitor.

Podemos perceber então, que nessa obra, além das personagens comumente reconhecidas, há o leitor-personagem, também criado por Machado de Assis. E este personagem, que é universal ao incluir todos os leitores, movimenta-se pela trama caminhando ao lado do narrador e olhando os mesmos quadros que este está a ver, comentando-os, concordando com o autor ou discordando dele em suas opiniões.

E, se fores realmente um leitor curioso e atencioso, perceberá que para explicarmos essa parte do artigo, as análise dos capítulos foram feitas em digressões, onde podemos conversar, além de irmos do começo ao fim e do fim ao começo do livro, da mesma forma que fazia o nosso grande Machado de Assis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora alguns estudiosos questionem a existência da digressão, por meio das análises feitas, podemos observar que ela é uma estratégia empregada pelo usuário da língua escrita com o intuito de converter o "excesso" em algo que parece aflorar da ocasião ou da necessidade (reforçar um argumento,), transformando-se em uma possibilidade para fazer emergir algo que estava latente naquele ponto da atividade discursiva.

Ao estruturar seu romance a partir de uma narrativa em primeira pessoa, de caráter memorialista, em que o personagem-narrador dialoga constantemente com os leitores, Machado de Assis cria condições para extravasar suas ironias sutis não só a respeito da expectativa de leitores e, principalmente, leitoras de gosto romântico como também a respeito da própria arquitetura da narrativa e das angústias do narrador.

Concluindo, deve-se tomar a digressão como uma estratégia que, dada a sua

regularidade, permite a recriação de uma regra discursiva que com excesso ou desvio momentâneo que traz vivacidade ao jogo textual e permite um envolvimento maior dos participantes. A propósito, as digressões realmente existem.

BIBLIOGRAFIA

MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 12ª ed. São Paulo: CULTRIX, 2003.

MERQUIOR, José Guilherme.Machado de Assis e a prosa impressionista. In: De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira I. 3ª ed. Rio de Janeiro: TOPBOOKS, 1996. pág. 204 à 253.

LAJOLO, M. (1980) Machado, um arquiteto de personalidades. In: Literatura

Comentada. São Paulo: Abril Educação, p. 99-106.

BRAIT, B. A construção do sentido: um exemplo fotográfico persuasivo. Língua e Literatura, 1994/1995. p. 19-27. 



[1]Cap. LXII, 3º parágrafo.

[2]Cap. X, 2º parágrafo: Eu, leitor amigo,..."; Cap. LIV, 1º parágrafo: "Não, senhor amigo; ... e ainda Cap. XLI, parágrafo 21: "Por outro lado, leitor amigo, ...".

[3]Cap. LV, último parágrafo.

[4]Cap. LVIII, parágrafo último.

[5]Cap. LXIII, 1º parágrafo.

[6]Cap. LVII, 1º parágrafo.

[7]O capítulo foi copiado exatamente como está na edição de Dom Casmurro utilizada, e grifamos as passagens que julgamos serem um tratamento íntimo de machado à leitora.

[8]Cap. LXVII.

[9]Cap. LXXXVI.

[10]Ambas as referências são ao 2º parágrafo.

[11]4º parágrafo.

[12]Cap. LXVII, antepenúltimo parágrafo.


Autor: Iracema Silva


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