Os tomates



OS TOMATES

De Romano Dazzi

 

A pequena tribo estava de novo se recuperando.

Graças às ameaças, aos gritos e às orações  do Grande Feiticeiro, finalmente o tempo decidiu endireitar. As benditas chuvas  recomeçaram  a cair  quase todos os dias, enchendo os açudes, . encharcando  o chão,  fazendo desenvolver as plantações .

Os índios, escaldados pelas  secas repetidas, tinham plantado de tudo um  pouco,  preparando-se assim para sobreviver pelo menos por mais um ano.

Depois, os Grandes Espíritos decidiriam. E por enquanto, tudo crescia muito bem.

A melhor plantação era a de tomates. 

Começaram a nascer aos milhares, desenvolviam-se, avermelhavam, ficavam prontos para a colheita  em poucas semanas.

Davam o tempo todo, para alegria geral .

A produção era tanta, que para não perdê-la, tiveram que improvisar.

Já não os usavam só em saladas e passados;   esmagavam,  coavam,  ferviam, salgavam ; começaram a transformá-los em molhos,  geléias,  tinturas, cremes, bebidas, remédios;  alguns experimentaram fumar as pequenas sementes secas, o que resultou em algumas dores de barriga, nada muito grave.

Havia tomates por todo lado; nunca se tinha visto tal quantidade.

Chegaram até a simular uma batalha entre dois grupos rivais, só para não ter que simplesmente jogar fora os que apodreciam.  

Por fim, a tribo percebeu que o excesso de tomates era, na realidade, um grande pepino – com perdão pelo infame trocadilho.

Os sábios (isto é, os mais desdentados, carecas,  corcundas e os que andavam de pernas abertas e  sentavam com dificuldade)  reuniram-se na taba.

 - Vamos parar de produzir tomates ! – gritava um.-

 - Sim, rebatia outro – mas como ?

 - Queimando uma parte da plantação ! – dizia um terceiro.  

 - Os Grande Espíritos nos deram este presente, e se o destruirmos, eles se zangarão !

 - Eles que se danem ! Não temos mais como usá-los, onde colocá-los, o que fazer para que não  

    apodreçam !.

- Que tal mandar os tomates pelo rio, para abastecer nossos irmãos da outras aldeias !

- E não ganhar nada ? Nunca ! Você é louco varrido !

- Eu estou cansado de comer macarrão com massa de tomate todo dia !

- E eu, de suportar pratos e mais pratos de salada de tomate!

A discussão esquentou, a briga se generalizou, cada um queria dar a sua opinião (o que é bom) e obrigar todos os outros a aceitá-la  (o que é ruim). . 

Tiveram que adiar a cachimbada diária para depois da partida do Deus Sol. 

A Grande Irmã Lua já estava brilhando no céu, quando finalmente chegaram a duas importantes decisões:        

1 - o Feiticeiro entraria em contato com os Grandes Espíritos , pedindo resposta urgente; e 

2 - os três Caciques mais cotados iriam pedir conselhos aos cara-pálida, do outro lado do rio.

 

Naquela noite, ninguém sonhou com a caça, a pesca, o tutu de feijão, o cachimbo,  o merecido descanso na rede, as indiazinhas. Todos sonharam com tomates., todos tiveram pesadelos, indigestão e manifestações alérgicas de tomates.  Sim, esse era realmente um grande problema.

 

Passaram-se  três semanas;   os Grande Espíritos deram algumas respostas enigmáticas, mandando nuvens sinalizadoras, que o Feiticeiro se esforçava para interpretar.  Às vezes, ao amanhecer,  as nuvens se pareciam com longas canoas carregadas   Ao pôr de sol, pareciam plantações pegando fogo.

O Feiticeiro estava cada vez mais desesperado. Pensava até em mudar de profissão, porque é realmente horrível ter que servir um patrão que não fala e não se explica, e tentar o tempo todo interpretar suas vontades.

 

Os três caciques, porém, tiveram mais sorte. Os cara-pálida, sensibilizados com as  dificuldades dos índios, prometeram ajudar.  Bastava mandar  as canoas carregadas do outro lado do rio, onde os brancos as descarregariam,  de graça, e ainda, os índios receberiam de volta os barcos.  Tudo sem custo nenhum ! Mas de pagar, pelo menos um valor irrisório, pela mercadoria, nem se fala!

 

Enquanto os espíritos não se decidiam, a aldeia inteira aprovou o plano das cara-pálida. Afinal, seria um grande problema a menos!

Trabalharam duramente por duas semanas, ate limpar todas as ruelas da aldeia, tirando e embarcando até o último tomate.

Finalmente, no décimo quinto dia, quando a Grande Irmã Lua surgiu no céu, todos suspiraram aliviados.

 

Foi só no dia seguinte,  enquanto os caciques descansavam, vigiando  as varas de pesca fincadas na areia,   que a coisa gelou. Foi quando as donas-de-taba  foram fazer o almoço.  Não havia mais um só tomate! Todos entregues,  todos sumidos!

 

Na plantação, passada a época da colheita, os tomateiros murchavam  e entravam em hibernação. Só voltariam a produzir no ano seguinte, se chovesse.

Que tomate, que nada!  Nada. Nada.  Naaadaaa !!!!!

 

Nova reunião, novas brigas. E de novo os caciques atravessaram  o Grande Rio.

 

Os cara-pálida já estavam esperando. – Ouviram calados as queixas dos índios e:

 

- “Mas nós temos a solução!”  -  gritaram, animados -  “aqui estão duas mil latas de tomate despelado, massa de tomate, molho de tomate, suco de tomate, salsa de tomate, com acréscimo de especiarias , cebolinha, alho, ervas aromáticas, que vão dar um novo gosto à sua vida!  Podem acreditar que a matéria prima é genuína e de superior qualidade.....!”

 

“O preço?  Bem, custa um pouco  caro, mas não será nenhum exagero. 

Nem vamos pensar nisso agora..... Queremos só que sejam felizes!

Aceitem o produto como empréstimo, por agora; depois, com tempo,  falaremos sobre um preço justo, os juros, o financiamento,  a taxa de amortização, todos estes pequenos detalhes sem importância.....”

 

“Fiquem com Deus – tendo em vista  que os seus espíritos foram muito menos espertos que os nossos – e, bom apetite !!!!!”

 

Assim aconteceu que os índios tiveram que ceder – de papel passado - um bom pedaço de terra para os cara-pálida; e estes instalaram lá uma grande e moderna fábrica, usando todas as matérias primas concedidas pelos Grande Espíritos e recebendo ainda alguma compensação.

 

Aliás, isto é o que tem acontecido, desde então, com todos os primitivos, que teimam em aceitar conselhos dos Feiticeiros,  em lugar de aprender estratégias econômicas em Harvard...  

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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